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Mulás do Irã temem a ira das mulheres

25 de setembro de 2022

Morte de Mahsa Amini nas mãos da polícia moral gera protestos que abalam os fundamentos da República Islâmica. Iranianas assumem enorme risco e precisam de mais do que mostras de solidariedade, opina Yalda Zarbakhch.

"Abolição do hijab compulsório equivaleria ao começo do fim da República Islâmica"

Há dias as mulheres vão às ruas no Irã – determinadas, iradas e, acima de tudo, corajosas –, lutando na linha de frente das atuais manifestações populares. O fato não é inédito: sobretudo nos movimentos de protesto dos últimos 40 anos, as iranianas desempenharam um papel decisivo – quer se trate do Movimento Verde de 2009, quer dos grandes protestos nacionais de novembro de 2019, brutalmente esmagados após várias semanas.

Já em seguida à Revolução Islâmica de 1979, as cidadãs se manifestaram de modo eloquente contra a obrigatoriedade do véu islâmico ditada pela nova Constituição. Sem sucesso: elas foram forçadas a se curvar às regras de vestuário muçulmanas, cujo cumprimento, desde então, a assim chamada "polícia da moralidade" cuida de garantir.

No entanto as mulheres seguem lutando, dia a dia, por cada centímetro de pele ou cabelos. Apesar de todas as prisões e humilhações, os véus foram recuando ao longo dos anos, as roupas ficaram mais estreitas, os rostos, mais maquiados. Resumindo: as mulheres voltaram a ser mais visíveis.

Esse mínimo direito de autodeterminação é uma conquista das mulheres iranianas – e uma ameaça para os detentores de poder islâmicos. Pois desafia aquilo em que o sistema da República Islâmica se baseia: o controle do corpo feminino.

Martírio de Mahsa Amini inspira protestos

Por isso, jovens inocentes como a totalmente apolítica Mahsa Amini são amedrontadoras para a polícia moral. Também por isso a morte da moça de 22 anos une gente de todas as classes sociais e tendências.

Ela se transformou num símbolo do movimento de protesto, todas conseguem se identificar com ela, pois o que lhe aconteceu poderia ter acontecido a qualquer outra mulher, já que no Irã não há praticamente nenhuma que não tenha tido vivências humilhantes e violentas com a polícia da moralidade.

E, apesar de tudo, desta vez veem-se cenas inéditas, nessa forma: mulheres que protestam sem hijab ou queimam seus véus publicamente; que cortam os cabelos demonstrativamente, bradando "Abaixo a República Islâmica" ou "Morte ao ditador". Comparado com os protestos de anos anteriores, a cólera e a determinação das manifestantes são maiores. Elas enfrentam as forças de segurança e em parte até obrigam a bater em retirada os policiais que as agridem.

O povo do Irã tem cada vez menos a perder: em 2009 reivindicavam-se mais liberdades e reformas, porém dentro do sistema; em 2018-19 tratava-se da economia dilapidada, a inflação galopante e os preços escabrosos da gasolina. Na época, as palavras de ordem já visavam, em parte, a liderança religiosa e a República Islâmica.

O que se vê hoje, contudo, alcança uma nova dimensão: manifestantes arrancam e ateiam fogo aos cartazes dos líderes revolucionários Ali Khamenei e aiatolá Khomeini, exigindo em alto e bom som a derrubada de todo o sistema político. Cada vez mais são os que deram as costas ao regime, a sua ideologia, até mesmo ao islã, atualmente inclusive integrantes das camadas mais tradicionais da sociedade.

Prenúncios de repressão brutal

As primeiras notícias indicam Teerã já restringiu radicalmente o acesso à internet, e a experiência das grandes ondas de protesto de 2019 ensinou ser esse um mau sinal. Também na época, a internet foi censurada, em parte inteiramente desativada. Longe dos olhos da comunidade internacional, houve brutal repressão dos manifestantes, centenas foram fuzilados, inúmeros foram presos.

Desta vez anuncia-se um procedimento semelhante: já se registraram mais de 20 mortos, inclusive crianças e adolescentes; participantes dos protestos foram espancados, apreendidos em suas casas.

O rigor dos mulás tem um motivo compreensível: este é um ponto de inflexão para a população civil iraniana. Pela primeira vez, os manifestantes atacam aberta e conjuntamente um símbolo religioso da República Islâmica, para a qual o velamento da mulher é um dos mais importantes fundamentos.

Nesse ponto, os donos do poder não farão qualquer concessão, pois a abolição do hijab compulsório equivaleria ao começo do fim da República. Sem a pressão do Ocidente e da comunidade internacional sobre Teerã, também desta vez eles acabarão esmagando os protestos de modo brutal e sangrento.

Aqui, não bastarão mensagens de solidariedade. Mesmo que se trate de decidir sobre a ressurreição do acordo nuclear, o Irão precisa ser chamado à responsabilidade nessa questão. Os Estados Unidos já dão o exemplo, ao impor sanções à polícia da moral. Também o governo da Alemanha tem que se posicionar.

No momento, o povo do Irã, sobretudo as mulheres, estão colocando muito em risco. Sua coragem necessita nosso reconhecimento, suas vozes têm que ser escutadas. E o risco precisa ter valido a pena.

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Yalda Zarbakhch. é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.

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