Opinião: Munique marca início de nova Guerra Fria
8 de fevereiro de 2015A Rússia persegue uma estratégia de longo prazo? Ou o presidente russo age antes de forma situacional e espontânea, para chegar mais perto de seu objetivo de ressuscitar a Rússia como uma superpotência?
Especialistas e analistas de política externa se fazem essa pergunta já há um ano, desde que Vladimir Putin passou a sacudir os fundamentos da ordem europeia com a anexação da Crimeia e uma estratégica bélica híbrida na região de Donbas.
O ministro russo do Exterior, Serguei Lavrov, é um convidado bem-vindo na Conferência de Segurança de Munique, que se encerrou neste domingo (08/02). No círculo íntimo do Kremlin, ele é o único que cultiva contatos no Ocidente – tornando assim mais suportáveis algumas tensões políticas dos últimos anos.
Mas, desta vez, seu desempenho na Conferência sobre Segurança de Munique foi motivo de decepção, incompreensão e risos. Por vezes, Lavrov soou como se estivesse recitando algo decorado. Ele se apropriou de alguns elementos de uma propaganda cínica, que leva a conclusões falsas e perigosas: o Ocidente é culpado de tudo, pois humilhou sistematicamente a Rússia após o colapso da União Soviética.
A consequência lógica dessa abordagem: tudo o que a Rússia faz agora serve para compensar esta humilhação vivida ao longo de duas décadas – e, portanto, é algo legítimo. Reveladora também é a máxima exasperada de Lavrov de que, após a queda do Muro de Berlim, o Ocidente teria se comportado como vencedor da Guerra Fria. Sim, e daí? Na política, o autoengano já levou muitas vezes a arrogância e aventura.
Já em 2007, o chefe de Lavrov usou a Conferência sobre Segurança de Munique como palco de um ardente discurso. Há oito anos, Vladimir Putin agrediu os EUA e a Otan – o que para muitos pareceu algo gratuito na ocasião. Fica claro, em retrospecto, que a rejeição de Putin a um "mundo unipolar" foi mais do que um desafio retórico ao Ocidente: Putin antecipou programaticamente o que nos anos seguinte viria a marcar a política externa russa – na Geórgia, na Moldávia, na Crimeia, no leste da Ucrânia. O comparecimento perturbador de Lavrov neste ano em Munique enfatiza ainda mais essa postura.
No futuro, quando os historiadores questionarem quando e sob quais circunstâncias a nova Guerra Fria teve início, eles poderão se referir confiantemente à capital da Baviera. Munique é sinônimo de um novo confronto Leste-Oeste que aparece, no entanto, somente como um fantasma deformado.
Desta vez, ninguém no Ocidente quer esse conflito, despido de qualquer contorno ou competição ideológica. A Rússia não tem nenhum outro modelo ou ordem social a oferecer. A tentativa de contrapor um mundo ortodoxo-russo aos valores ocidentais parece, na melhor das hipóteses, algo muito forçado, sem nenhum brilho.
A liderança política da Rússia está agindo contra os interesses do próprio país, rejeitando argumentos e propostas racionais, resgatando uma política de puro poder e violência. Aqui entra em campo um sinônimo pelo qual a capital da Baviera ficou conhecida: a Munique de 1938.
Na ocasião, as potências ocidentais acreditavam poder acalmar Hitler ao lhe prometer a região dos Sudetos, sem ao menos consultar a então Tchecoslováquia. Na Ucrânia, esta "Munique" corresponde a um cenário de horror que se instala quando um país se torna brinquedo de potências maiores.
De qualquer forma, o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, estará em Minsk na próxima quarta-feira para participar de um encontro de cúpula de quatro chefes de Estado e governo com vista a negociar um cessar-fogo para o leste da Ucrânia. Não importa o que será acordado na ocasião: o novo confronto Leste-Oeste não será resolvido. As linhas divisórias que a Rússia traçou em Munique são forte demais para que se chegue a uma distensão.