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Não há como negar, o Chile não vai bem

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Emilia Rojas Sasse
21 de outubro de 2019

A explosão social chilena evidencia a falácia do triunfalismo econômico, mas não vai gerar as mudanças exigidas por grande parte do povo. Isso é trabalho para órgãos políticos numa democracia, opina Emilia Rojas.

Manifestante carrega bandeira do Chile em protesto na capitalFoto: Reuters/I. Alvarado

"Estamos bem, amanhã melhor": esse slogan, cunhado na época da ditadura chilena, era toda uma profissão de fé no modelo neoliberal estabelecido pelo general Augusto Pinochet – um modelo que se manteve por décadas, assim como a citada palavra de ordem, pelo menos entre os setores mais privilegiados. Agora, a falácia oculta foi revelada.

Vamos bem? "Não", diz a população nas ruas de Santiago e outras cidades. Estaremos melhor amanhã? Poucos acreditam nisso, a julgar pelas dimensões dessa explosão social, ocorrida de forma inesperada, mas não surpreendente, considerando a enorme desigualdade econômica e social que afeta muitas famílias chilenas.

De oásis de estabilidade, em poucos dias o Chile se tornou outro foco de crise na região. Existem, no entanto, alguns aspectos surpreendentes. Primeiro, a virulência dos protestos que, em alguns casos, degenerou em explosões de violência e vandalismo, inaceitáveis e repudiáveis sob todos os pontos de vista, e que já custaram vidas.

Segundo, a incapacidade do governo de reagir aos piores distúrbios que o Chile se recorda desde o retorno da democracia. O presidente Sebastián Piñera ainda teve tempo de ir a uma pizzaria para comemorar o aniversário de um neto na sexta-feira (18/10), enquanto as primeiras estações de metrô de Santiago já estavam em chamas.

Claramente, ele não avaliou corretamente a gravidade da situação, como tampouco o ministro do Interior, que passou horas primando pela ausência. A decisão oficial de cancelar o aumento das tarifas do metrô, o gatilho dos protestos, chegou tarde demais para frear as manifestações de descontentamento, que vão muito além.

Especialmente por muitos terem a impressão de que as autoridades realmente não entendem o que está acontecendo. Um exemplo: antes das primeiras queixas sobre o aumento do transporte ferroviário metropolitano, o ministro da Economia recomendou que os usuários saíssem mais cedo para aproveitar as horas em que as tarifas são mais baixas.

Essa não foi a única declaração infeliz dos últimos tempos. Na mesma categoria pode ser incluída a do presidente Piñera, que no domingo (20/10), falou de uma "guerra" contra um "inimigo poderoso e implacável que não respeita nada ou ninguém". Com essa lógica, a resposta é o estado de emergência e o toque de recolher.

E aqui vale mencionar outro fato surpreendente: os manifestantes desafiam a proibição de sair às ruas depois de uma certa hora e não mostram sinais de intimidação. Eles são, em sua grande maioria, jovens que não viveram a ditadura e não sentem aquela sensação perturbadora que se produz nos mais velhos ao verem um general encarregado de manter a ordem.

Porém o mais perturbador é que não se vislumbra um canal político que se encarregue deste mal-estar transformado em rebelião. As demandas sociais, muitas delas legítimas, não podem ser contempladas da noite para o dia. As reformas substanciais dos sistemas de saúde, educação ou previdência estão pendentes há anos e não há por que esperar mudanças imediatas.

Nem os panelaços, nem as manifestações, nem as greves podem gerar essas transformações – especialmente se elas forem obscurecidas por uma violência repudiável. Só os legítimos representantes dos cidadãos, eleitos nas urnas, podem e devem dar corpo à vontade popular nesse nível. É assim que funcionam as democracias.

Contudo o governo se sente encurralado e recorre ao estado de emergência. E a oposição tampouco parece saber o que fazer. E isso desanima, pois é necessário articular respostas políticas ao descontentamento dos cidadãos, para que essa crise possa gerar uma oportunidade. De qualquer forma, os chilenos estão cada vez menos convencidos de que "estamos bem, amanhã melhor".

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