O mundo todo fala de uma reviravolta histórica, do fim da era Castro após quase 60 anos. Mas a eleição de Díaz-Canel para a presidência significa uma mera mudança de nome no comando do país, opina Carolina Chimoy.
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Jornalistas de todo o mundo deram entrada num pedido de visto para cobrir esse evento histórico. Mas poucos receberam permissão do Estado cubano para entrar no país. A elite política de Cuba aparentemente acredita que, na realidade, esta eleição não seja nada especial, mas algo bastante normal na ilha caribenha.
De alguma forma, eles estão certos: Cuba ainda é uma ditadura, o resultado da eleição do novo presidente de Cuba pela Assembleia Nacional já era claro muito antes da votação. Miguel Díaz-Canel é o homem que põe fim à era Castro e, ao mesmo tempo, dá continuidade a ela.
O político de 57 anos, engenheiro elétrico por formação, já era aos 33 anos primeiro secretário do Partido Comunista de sua província natal, Villa Clara. Depois, o que se seguiu foi uma carreira exemplar dentro do partido e do Estado. Um homem fiel ao sistema e linha-dura, maciçamente promovido por Raúl Castro e escolhido há muito como seu sucessor. Cinco anos atrás, Castro já o havia tornado o primeiro vice-presidente do Conselho de Estado e de Ministros. Ele é um soldado obediente do Partido Comunista de Cuba.
Mais do que uma mudança de nome e de geração no comando do país socialista não está previsto. E assim, os dois maiores desafios da ilha permanecem: a desesperada situação econômica assim como as relações com os EUA. Não há grandes mudanças à vista também nessas duas frentes. Não só porque se tornou presidente um leal sucessor de Raúl Castro, mas também porque este continua a dar as cartas nos bastidores: ele continua sendo o primeiro secretário do Partido Comunista.
O comentário de Díaz-Canel sobre a visita de Barack Obama à ilha em 2016 foi: "É uma tentativa dos EUA de destruir a Revolução Cubana." Visto dessa forma, o atual presidente dos EUA, Donald Trump, cumpre muito melhor o papel do inimigo americano para a liderança cubana, para a qual, no entanto, a política de abertura do antecessor Obama era muito mais "perigosa", porque aumentava a pressão por maior abertura de Cuba.
A mão mais firme de Trump acaba por fortalecer o regime em Havana. Parte das novas sanções dos EUA contra Cuba proíbe negócios com militares cubanos, que controlam grande parte do setor de turismo. Mas, por sua vez, também atinge as empresas americanas que operam no turismo cubano.
Considerando a sua base estritamente conservadora, no entanto, Trump tem o dever de agir. E no estado da Flórida em particular, decisivo para sua vitória eleitoral, especialmente os cubanos exilados compõe a base do eleitorado de Trump. Uma maior aproximação, como a iniciada por Obama, agora é impensável.
Cuba continua sendo um modelo na América Latina em termos de saúde e educação. Por outro lado, os bilhões arrecadados com o turismo e com as remessas estrangeiras de cubanos que vivem no exílio escorrem por canais obscuros.
Os mais de quatro milhões de turistas que visitam Cuba por ano são, acima de tudo, uma fonte de divisas. O número de pessoas que podem trabalhar no turismo, entretanto, é limitado. Após um período em que o governo emitiu cada vez mais licenças para o funcionamento de pensões privadas e restaurantes, esta pequena reforma econômica de Raúl Castro logo foi freada.
O grande explosivo social está exatamente nesses dois mundos: o salário médio mensal em Cuba é de cerca de 30 euros (125 reais) – tanto quanto é possível se ganhar com o aluguel de um quarto por noite. É por isso que médicos formados preferem ganhar a vida como carregadores de bagagem. Mas como a margem de manobra para o setor privado, por enquanto, não será mais ampliada, crescem a frustração e a inveja em relação àqueles que têm acesso a uma fatia do grande bolo do turismo.
Entre eles estão a elite política de Cuba e os militares, que, por exemplo, administram mais de 29 mil quartos em todo o país, com a sua empresa hoteleira Gaviota. A desigualdade em Cuba está crescendo. Ironicamente, era exatamente a igualdade a grande promessa e base de legitimidade do socialismo. Como resultado, a juventude está ficando cada vez mais inquieta, e a pressão por mais abertura e reforma está crescendo.
A revolução completará 60 anos no ano que vem. Mesmo os Castros dificilmente pensariam na época que sobreviveriam por tanto tempo. A escassez se tornou uma companheira cotidiana – e os cubanos, indiscutíveis campeões mundiais da improvisação. Quem conseguiria recauchutar infinitamente barulhentos carrões americanos de 60 anos de idade? Assim, os velhos automóveis da ilha são quase um símbolo da política cubana – pois o sistema político em Cuba também vem sendo infinitamente recauchutado. Só que um novo motor continua faltando.
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O fim da era Castro em Cuba
Quase nada em Cuba lembra de como era a vida antes dos Castro. O dia 19 de abril de 2018 marca o fim das quase seis décadas de governo dos irmãos Fidel e Raúl.
Foto: Reuters
1959 - A revolução triunfa
O rebeldes liderados por Fidel Castro chegam ao poder depois de derrubar o ditador Fulgencio Batista em janeiro. Os EUA reconhecem o novo governo. Logo, "leis revolucionárias" (como a reforma agrária) afetam empresas americanas. Em dezembro, o presidente republicano Dwight D. Eisenhower aprova um plano da CIA para derrubar Castro em um ano e substitui-lo por "uma junta amiga dos EUA".
Foto: AP
1960 − Aproximação com a União Soviética
Eisenhower proíbe exportações para Cuba (exceto de alimentos e remédios) e suspende a importação de açúcar. Cuba responde nacionalizando bens e empresas americanas e estabelecendo relações diplomáticas e comerciais com a União Soviética. No funeral das vítimas da explosão do cargueiro francês La Coubre (foto), Cuba responsabiliza a CIA, e Castro lança seu lema "pátria ou morte!"
Foto: AP
1961 − Ruptura e invasão fracassada
Os EUA rompem relações diplomáticas com Cuba e fecham sua embaixada em Havana em 3 de janeiro. Após uma série de bombardeios em aeroportos e incêndios em estabelecimentos comerciais, cuja autoria Cuba atribui aos EUA, Fidel proclama o caráter socialista da revolução em 16 de abril. Entre 17 e 19 daquele mês, cubanos treinados pelos EUA tentam invadir a ilha pela Baía dos Porcos, mas fracassam.
Foto: AP
1962 - A crise dos mísseis
"Não sei se Fidel é comunista, mas eu sou fidelista", disse em 1960 o líder soviético Nikita Kruchov. Moscou reata relações diplomáticas com Havana e eleva seu apoio. A URSS instala bases de mísseis nucleares em Cuba, desencadeando a "crise dos mísseis". Moscou cede à pressão de Kennedy em troca de os EUA se comprometerem a não invadir Cuba e desativarem suas bases nucleares na Turquia.
Foto: imago/UIG
1971 – Fidel Castro no Chile
O episódio da Baía dos Porcos acelera a proclamação do caráter socialista, marxista-leninista, da revolução. Cuba acaba sendo expulsa da Organização dos Estados Americanos. Castro fica isolado no continente, mas não para sempre. Ele é recebido no Chile pelo presidente Salvador Allende (foto), que iria ser derrubado por Augusto Pinochet em 1973.
Foto: AFP/Getty Images
1989 – A hora da Perestroika
A chegada ao poder de Mikhail Gorbatchov em Moscou marca o início da era da Glasnost e Perestroika. A Cortina de Ferro começa a ruir, e o império soviético se esfacela. Cuba perde sua principal base de sustentação no exterior, entrando em crise aguda. Milhares de cubanos tentam fugir para Miami em embarcações precárias. Muitos analistas preveem o fim do regime castrista.
Foto: picture-alliance/dpa
1998 – Primeira visita do papa
Um decreto de Pío 12 proibia aos católicos o apoio a regimes comunistas. Em virtude disso, o Vaticano excomungou Fidel Castro em janeiro de 1962. Mas, com o fim da Guerra Fria, chega o momento da reaproximação: em 1996, Castro visita o papa João Paulo 2°, e este retribui a visita dois anos depois, em viagem considerada histórica.
Foto: picture-alliance/AP/Michel Gangne
2002 - Fidel Castro e Jimmy Carter jogam beisebol
Desde que os EUA impuseram seu embargo comercial, econômico e financeiro, em 1962, houve poucos momentos de distensão entre Washington e Havana. Um deles foi a viagem do ex-presidente americano Jimmy Carter a Cuba, em 2002, motivada pela intenção de encontrar pontos de aproximação.
Foto: Adalberto Roque/AFP/Getty Images
2006 - Fidel e Hugo
A partir dos anos 90, Cuba deixa de ser vista como uma perigosa exportadora de revoluções. Com a derrocada do bloco comunista no Leste Europeu, as ideologias de esquerda entram em crise. Mas, na Venezuela, chega ao poder um novo dirigente, disposto a propagar a "Revolução Bolivariana". Hugo Chávez, declarado admirador de Fidel, passa a dar a Havana um respaldo importante, também na área econômica.
Foto: picture-alliance/dpa/dpaweb
2006 - A entrega do poder
A doença forçou Fidel Castro a abandonar o poder. Em 2006, ele o deixa nas mãos de seu irmão Raúl, uma garantia de que não haveria reviravoltas num sistema que, apesar dos avanços em educação e saúde, cobrou um alto preço: o da falta de liberdade e repressão. Fidel foi se despedindo do poder aos poucos, defendendo até o fim sua visão, através das páginas do jornal "Granma".
Foto: picture-alliance/AP Photo/Cristobal Herrera
2014 - Degelo temporário
Em dezembro de 2014, os presidentes dos EUA, Barack Obama, e o de Cuba, Raúl Castro, anunciaram que retomariam as relações diplomáticas. Obama visitou Cuba em março de 2016. Haviam se passado 88 anos desde a última vez que um presidente americano viajara à ilha. EUA retirou Cuba da lista de terrorismo, dando início ao processo de retomada das relações diplomáticas.
Tantas vezes anunciada e desmentida, a morte do líder foi inicialmente recebida com desconfiança. Entretanto, em 25 de novembro de 2016, os bares fecharam mais cedo e as reuniões de amigos nas ruas se dispersaram com a notícia. Durante anos, Fidel Castro desmentiu rumores de sua morte com a publicação de fotografias ou artigos de opinião.
Foto: Getty Images
2018 – A sucessão
Depois de dez anos, Raúl Castro se retira do poder. Em 19 de abril, o Parlamento cubano elegerá um sucessor que, pela primeira vez em quase 60 anos, não leva o sobrenome Castro: o vice de Raúl, Miguel Díaz Canel. Entretanto, analistas julgam improvável que o curso político em Cuba se modifique logo.