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PolíticaNicarágua

Nicarágua, o nascimento de uma ditadura

Gabriel González
5 de agosto de 2021

Daniel Ortega concorre pela quarta vez à presidência. Mas a eleição não passa de um farsa: todos os candidatos promissores foram excluídos. A trajetória do ditador nicaraguense começou há tempo, opina Gabriel González.

Presidente da Nicarágua, Daniel Ortega
Para certos observadores, Daniel Ortega nunca superou a derrota em 1990Foto: Marvin RECINOS/AFP

Em 7 de novembro de 2021 transcorrem as eleições presidenciais na Nicarágua. Na segunda-feira (02/08) encerrou-se o prazo de inscrição junto ao Conselho Supremo Eleitoral. Pontualmente, o presidente Daniel Ortega, de 75 anos, foi incluído na lista como candidato do partido do governo, a Frente Sandinista de Liberação Nacional (FSLN). Como sua vice, volta a concorrer Rosario Murillo, esposa de Ortega e atual vice-presidente.

Soa como um procedimento perfeitamente normal numa democracia ordenada – e é essa a intenção. Bem diferente soou a mensagem procedente da União Europeia, no mesmo dia: por violações sistemáticas dos direitos humanos e por minar a democracia, o bloco impôs sanções contra oito nicaraguenses, entre os quais Rosario Murillo.

As acusações são graves e se aplicam a todos: abuso do poder judicial com fins políticos, exclusão de candidatos da oposição do pleito, detenções arbitrárias e repressão de membros da sociedade civil, da imprensa e de políticos oposicionistas, e, não menos importante, a brutal coibição dos protestos de 2018.

Então se pode definir Ortega como um ditador? Vamos primeiro dar uma olhada no passado.

De líder revolucionário a tirano

Após a vitória da revolução e o fim da brutal ditadura de Anastasio Somoza em 1979, Ortega e a FSLN governaram até 1990, quando perderam as eleições para Violeta Chamorro. Na década de 80, o pequeno país centro-americano se transformara numa vitrine para os sonhos socialistas.

Em praticamente toda cidadezinha da Alemanha parecia haver uma associação de solidariedade com a Nicarágua. Alguns corajosos chegaram a viajar até lá, para ajudar no projeto socialista, trabalhando nas colheitas. Até hoje, muitos esquerdistas da América Latina e da Europa sofrem por ter que se despedir da imagem ideal da utopia sandinista.

Isso é algo que grande parte dos antigos companheiros de Ortega já fizeram há anos. O teólogo da libertação Ernesto Cardenal, antiga figura de proa da Revolução Sandinista, constatou numa entrevista à DW, um ano antes de sua morte, em 2020: "Ortega deve renunciar." Já na época, Cardenal criticava aquilo que denominava "nova ditadura": "Aqui não há nenhum tipo de liberdade. Sequer para mim."

Também a famosa escritora nicaraguense Gioconda Belli participou da resistência da FSLN contra a ditadura de Somoza. Num ensaio recém-publicado pelo New York Times, ela acusa Ortega de trair o "sonho nicaraguense": há muito ele teria se transformado num tirano, afirma.

Eleição pró-forma

Belli é certamente a mais destacada defensora da tese de que Ortega jamais superou a derrota eleitoral por Chamorro em 1990, e que desde então só pensava em retomar o poder. Em 2006 ele finalmente obteve esse retorno, e lá se mantém até hoje.

Os protestos de âmbito nacional em 2018 e sua sangrenta repressão pelo governo apenas solidificaram as tendências autoritárias do dirigente. Quando a eternamente dividida oposição se uniu em torno de Cristiana Chamorro, a filha da ex-presidente, como sua candidata no próximo pleito, a repressão se acirrou em todo o país. Chamorro foi imediatamente colocada sob prisão domiciliar, desde junho mais de 30 oposicionistas foram detidos.

Pode-se definir Ortega como um ditador? O mais tardar desde a última segunda-feira, com toda certeza. Deve-se, até.

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Gabriel González é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.

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