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O caso do cardeal Pell e o ocaso da Igreja

13 de março de 2019

Papa Francisco fez do arcebispo australiano um dos principais homens do Vaticano. A condenação do religioso por abuso sexual mostra que é hora de a Igreja se reformar, opina Christopher Strack.

Papa Francisco
Papa Francisco promoveu o cardeal George Pell para chefe das finanças do Vaticano em 2014Foto: AP

O ex-número três do Vaticano, ex-poderoso chefe das finanças da instituição, foi condenado a seis anos de prisão – o que leva o escândalo mundial sobre a violência sexual contra menores cometida por homens da Igreja a uma nova dimensão.

O caso do cardeal australiano George Pell ainda não está encerrado, pois seus advogados entraram com recurso. Mas, por enquanto, o clérigo deverá conviver com o encarceramento e com a culpa, assim como suas vítimas têm de conviver com a violência que sofreram. Vítimas estas, que durante muito tempo a Igreja não enxergou, ou não quis enxergar.

As ações legais contra o cardeal Pell abalaram e dividiram a sociedade e a Igreja na Austrália. Para alguns, a condenação veio tardiamente, enquanto para outros, ele é um bode expiatório em meio a um grande acerto de contas com a Igreja. Mas, chega a ser ridículo, e não cínico, quando as vozes distantes da Igreja em Roma rotulam as acusações como "absolutamente inacreditáveis". Essa é a arrogância eclesiástica das últimas décadas, nas quais, aliás, Pell foi alvo de várias acusações de abuso em sua terra natal.

A Austrália é um Estado de direito. O juiz qualificou os casos de abusos de Pell de "cruéis" e de uma "arrogância impressionante". O magistrado não aparentou preocupação com a apelação ainda pendente. Que bom que o direito civil dispõe de seus procedimentos comprovados.

O caso de Pell demonstra a dimensão e o choque que o escândalo representa para a Igreja mundial. O colegiado dos cardeais possui atualmente 122 homens habilitados a eleger um novo papa, na ocasião de um conclave. Dois deles foram condenados em um período de poucos dias: Pell está preso como perpetrador de abusos, enquanto o arcebispo de Lyon Philippe Barbarin recebeu pena de seis meses de prisão por acobertar casos semelhantes.

É difícil aceitar que pessoas como eles ainda estejam aptas a participar de um conclave. Barbarin já anunciou sua renúncia como arcebispo. No caso de Pell, o Vaticano quer aguardar o julgamento da apelação, mas já iniciou procedimentos sob as leis canônicas.

O papa João Paulo 2º (1978-2005) ordenou George Pell como arcebispo, Bento 16 (2005-2013) o incluiu em eventos importantes em Roma e o papa Francisco o promoveu para chefe das finanças do Vaticano em 2014. Tudo isso revela um problema estrutural e bastante fundamental de como desconfianças em relação a homens da Igreja são deixadas de lado, além da crença usual dos clérigos de que a partir de Roma se pode cancelar até mesmo determinações da Justiça australiana.

A sentença de Pell foi anunciada no sexto aniversário da eleição do papa Francisco. Ele, que veio do "fim do mundo", impressionou e gerou irritação com suas declarações teológicas. Ele sacode, inquieta e revitaliza a Igreja.

Talvez, ele tenha suspeite de que, diante da crise da Igreja, a questão não é mais apenas a participação das mulheres, o celibato ou a moral sexual antiquada. Uma instituição que destrói com tanta brutalidade a sua credibilidade têm um impacto sobre aqueles que buscam a Deus, os faz duvidar. E isso passa a ser uma questão existencial para a Igreja – mesmo que ainda soem os cânticos e ainda emane o cheiro de incenso. 

Quando as objeções críticas partem do argumento de que a Igreja Católica precisa de uma reforma, seus representantes afirmam com orgulho que a instituição está constantemente se reformando. Isso se chama "Ecclesia semper reformanda", como afirma o grande discurso da Igreja.

Talvez, após mais de 150 anos de centralização clerical e dos casos de Pell e Barbarin, seja exatamente isso que venha a ocorrer, ainda de maneira cínica: uma reforma da Igreja. Para muitos, é difícil imaginar que isso venha a ocorrer, ainda que haja esperanças.

Os que cometeram os abusos merecem passar tempo na prisão. Afinal,  nem mesmo padres e bispos acreditam mais no fogo e nas torturas do inferno, como descritos pela Igreja durante séculos – senão não teriam a capacidade de cometer esses atos repugnantes. A prisão é certamente mais humana que o inferno, mas no mínimo essa justiça deve haver.

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