Em todo o mundo, os ideais de Mandela se deparam com muros de egoísmo. A questão que ele deixa para nós é: até onde vai a nossa solidariedade?, afirma o chefe do Departamento África da DW, Claus Stäcker.
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Barack Obama sempre homenageou Mandela como a bússola de sua carreira. Num estádio de críquete em Johanesburgo, Obama voltou a falar disso. Por uma soma de cinco dígitos – em dólares – era possível comprar um lugar em sua mesa. Mas ainda se aguarda a apreciação histórica de para onde a agulha magnética de Mandela direcionou Obama.
Mandela não era nenhum santo. Porém, do lado dele, qualquer personalidade ganhava dimensões apenas humanas. Mandela respeitava músicos e presidentes, tratava rainhas e carcereiros do mesmo jeito. Quando foi libertado, após 27 anos de prisão, havia se tornado uma marca, um ídolo mundial, uma área de projeção sobrecarregada de expectativas. Subiu ao palco sem querer e usou esse palco. E, diferentemente de outras pessoas, ele tinha uma visão e uma bússola moral, como Obama reconheceu, com justiça.
Mandela descreveu os infindáveis anos na prisão como "universidade da vida". Nela, não se transformou nem num cidadão furioso nem num populista. Segundo ele, aprendeu disciplina, humildade, paciência e tolerância – até demais, de acordo com líderes radicais como Julius Malema, presidente da formação de extrema esquerda Economic Freedom Fighters (EFF), popular entre os perdedores da África do Sul atual.
Os partidários de Malema pregam um contrarracismo inflamável, mas também possuem um argumento forte: mesmo depois de duas décadas de democracia, os sul-africanos ainda não têm chances iguais. Em nenhum outro país do mundo a diferença entre pobres e ricos é tão grande. As elites locais e os expatriados europeus vivem em bairros e mansões com altos esquemas de segurança. São as chamadas gated communities, ou "comunidades cercadas", miniparaísos fechados e vigiados. Na base da pirâmide econômica, sul-africanos e imigrantes vivem numa concorrência brutal e xenófoba.
Aqui, no Ocidente, também não estamos mais muito longe disso. Também na Europa, as comunidades cercadas vêm surgindo, os ricos se enclausuram, cidadãos de classe média politicamente corretos mantêm suas áreas residenciais com casas idênticas, enquanto bairros inteiros sofrem mutações, se transformando em focos de problemas sociais, e nascem mundos paralelos.
Os fossos entre pobres e ricos estão se espalhando. Na Alemanha, onde as receitas tributárias são efervescentes, a vantagem que as elites têm na área da educação é cada vez maior. Crianças de famílias com problemas sociais já nascem no prejuízo e nunca conseguem recuperar o atraso. Se a Alemanha já não consegue eliminar essa brecha, como esperar que sociedades menos abastadas consigam fazê-lo?
Hoje em dia, em todo o mundo, os ideais de Mandela se deparam com muros de egoísmo. Em seu próprio país, um clã presidencial inteiro se apropriava desenfreadamente, até há pouco, das reservas do Estado. De Ancara a Washington, passando por Budapeste e Moscou, líderes concentrados no "eu" definem o curso da política. Paralelamente, o modelo de aliança entre uma economia social de mercado e uma democracia representativa, que fez sucesso durante anos, parece ter saído dos eixos, e a fachada social parece estar desmoronando.
Obviamente, toda sociedade precisa se perguntar sobre o quão generosa pode ser. Se estão se aproveitando dela. Se suas regras e leis são aceitas e cumpridas. Quanto estrangeirismo ela pode suportar. Se o direito ao refúgio não está servindo ao público errado. Mas o debate sobre a migração na Europa se deteriorou numa simples discussão sobre a distribuição, num mecanismo de autodefesa. Levantem os muros e fechem os olhos! Depois parte-se para a busca por si mesmo num curso de ioga.
A retórica social nem tenta mais esconder a perda da solidariedade. A linguagem política é descaradamente crua e parcialmente misantrópica. Nossa indiferença diante do sofrimento alheio é espantosa.
Nenhum muro pode acabar com o desejo de uma vida melhor. Claro que não são todos os que podem fugir, que é preciso encontrar soluções locais. E nunca o orçamento da ajuda ao desenvolvimento será suficiente para isso.
A grande "questão Mandela" da atualidade é: quanta solidariedade nós queremos e temos de prestar?
O maior mérito de Mandela foi se dissociar de modelos ideológicos. Saber ouvir. Não entender um pensamento diferente como agressão. Assim, transformou-se num modelo para negros e brancos, comunistas e empresários, calvinistas e muçulmanos.
Hoje só nos resta lamentar que não haja mais Mandelas. Mas, no Dia Internacional de Mandela, talvez baste a pergunta: quanto de Mandela há em cada um de nós? Pelo que estamos dispostos a nos engajar? Estamos prontos a dividir a nossa riqueza? E a quanto estaríamos dispostos a renunciar? Ou será que preferimos nos salvar erguendo fortalezas em torno de nós?
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Nelson Mandela: Uma vida pela liberdade
Sorridente: assim a maior parte dos sul-africanos pensa em Nelson Mandela. Até os 95 anos e carinhosamente apelidado de "Madiba" (seu nome xhosa), ele foi símbolo da nova África do Sul e de tolerância e paz para o mundo.
Foto: Getty Images
Primeiro escritório de advocacia para negros
Nelson Rolihlahla Mandela nasceu em 18 de julho de 1918 na província do Cabo Oriental, na África do Sul. Já durante os estudos de Direito, mostrava-se politicamente ativo, lutando contra o sistema de segregação racial apartheid. Em 1952, passou a trabalhar no primeiro escritório de advocacia do país dirigido por negros – que oito anos mais tarde seria consumido por um incêndio.
Foto: AP
Apartheid
O apartheid – a separação estrita entre negros e brancos na África do Sul, na época governada pela minoria branca – marcou a infância e juventude de Nelson Mandela. Seu pai lhe deu o nome Rolihlahla, que na língua xhosa significa "o que quebra ramos", ou, figurativamente, "agitador". A placa mostra uma "área branca" numa praia sul-africana.
Foto: AP
O boxeador
Na juventude, Mandela foi um entusiasta do boxe. "No ringue, classe, idade, cor da pele e prosperidade não representam nada" – assim ele explicava o seu amor pelo esporte. Mesmo durante os anos de prisão, ele se manteve em boa forma física. Treinamento com pesos, abdominais e flexões faziam parte de seu programa diário.
Foto: Getty Images
Prisão perpétua
A polícia contém uma multidão reunida diante do tribunal onde se realizam as audiências contra Mandela e outros ativistas anti-apartheid, em 1964. No chamado Processo Rivonia, Nelson Mandela é condenado à prisão perpétua por suas atividades políticas.
Foto: AP
Décadas de confinamento
A vida em cinco metros quadrados: nesta pequena cela na Ilha de Robben, Mandela passa 18 de um total de 27 anos de pena. Ele é o detento número 46664. "Lá, eu só era conhecido como um número", comentou, após sua libertação em 1990.
Foto: cc-by-sa- Paul Mannix
A luta continua
Enquanto Nelson Mandela estava na prisão, outros faziam avançar a luta contra o apartheid, sobretudo a sua então mulher, Winnie Mandela (c.). Ela se tornou líder ativista contra o governo minoritário branco.
Foto: AP
Apoio mundial
No Estádio de Wembley, em Londres, promove-se em julho de 1988 um concerto beneficente por Mandela. Músicos de renome internacional celebram seu 70º aniversário e protestam contra a segregação racial. Cerca de 70 mil espectadores assistem no estádio às dez horas de show, outras centenas de milhares acompanham pela televisão o evento transmitido para 60 países.
Foto: AP
Enfim, livre
Após 27 anos de prisão, Nelson Mandela é libertado em 11 de fevereiro de 1990. Ele e a esposa Winnie erguem os punhos em sinal de orgulho pela luta de libertação negra contra o regime de minoria branca do apartheid.
Foto: AP
Retorno à política
De volta à liderança do Congresso Nacional Africano (CNA), em maio de 1990 Mandela inicia as primeiras conversas com o então presidente sul-africano, Frederik Willem de Klerk (e.). Juntos, eles preparam o caminho para uma África do Sul sem apartheid. Por esses esforços, ambos são laureados com o Prêmio Nobel da Paz em 1993.
Foto: AP
Companheiros de luta
Oliver Tambo (e) und Walter Sisulu (d) contam entre os companheiros mais próximos de Mandela. Em 1944, fundaram a ala jovem do CNA e organizaram manifestações contra o regime racista. Sisulu foi condenado à prisão perpétua, juntamente com Mandela; Tambo passou 30 anos no exílio, principalmente em Londres. Após 1990, todos os três ocuparam cargos de liderança no CNA.
Foto: AP
Posse como presidente
Em 10 de maio de 1994, a África do Sul escreve história: após as primeiras eleições livres e democráticas, Nelson Mandela é eleito primeiro chefe de Estado negro do país. Ele permanece no cargo até 1999, quando passa a presidência ao seu herdeiro político, Thabo Mbeki.
Foto: AP
Reconciliação em vez de vingança
Para esclarecer os crimes do apartheid, Mandela cria a Comissão da Verdade e Reconciliação em 1996. O arcebispo sul-africano e futuro Prêmio Nobel da Paz Desmond Tutu é indicado para presidi-la. A atuação da comissão não fica livre de críticas: muitas vítimas não conseguem aceitar que basta os criminosos admitirem seus atos publicamente para ficarem impunes.
Foto: picture-alliance/dpa
A caminho da Copa 2010
Em 15 de maio de 2004, a África do Sul é escolhida como sede da Copa do Mundo de Futebol de 2010. Orgulhoso, Nelson Mandela ergue a taça. O país inteiro o aclama, em júbilo, como aquele que abriu os caminhos para o grande evento esportivo. Tratou-se do primeiro Mundial de futebol realizado em solo africano.
Foto: AP
Sombras sobre a Nação do Arco-Íris
Em 2008, a xenofobia e a violência eclodem em diversos bairros pobres das metrópoles sul-africanas. A brutal caça aos imigrantes leva à morte de várias pessoas. Muitos se perguntam: terá fracassado a "Nação do Arco-Íris" fundada por Mandela, em que todos deveriam conviver em paz?
Foto: AP
Da política à família
Nos últimos anos de vida, Nelson Mandela ficou mais afastado dos palcos públicos, recolhendo-se cada vez mais ao círculo familiar. Aqui, em 2011, ele festeja seus 93 anos, ao lado dos netos e bisnetos.