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O mundo precisa acordar para o horror do antissemitismo

Kyra Levine
11 de outubro de 2019

Ataque a sinagoga na Alemanha no dia mais sagrado do judaísmo tem que servir como um despertar. É necessário um esforço da sociedade como um todo para evitar a repetição dos horrores do passado, opina Kyra Levine.

Policial vigia sinagoga em Berlim
Policial vigia Nova Sinagoga de BerlimFoto: picture-alliance/dpa/C. Soeder

Quando, na quarta-feira (09/10), saiu a notícia do ataque frustrado a uma sinagoga no Leste da Alemanha, veio a lembrança das palavras de Martin Luther King Jr: "Injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar [...] o que afeta uma pessoa diretamente, afeta todos indiretamente."

Da mesma forma, o antissemitismo em qualquer lugar é uma ameaça às liberdades religiosas em todo lugar. Mas seu surpreendente ressurgimento parece ter sido ignorado em todo o mundo. Os judeus que não andam por aí com um quipá ou uma Estrela de Davi podem não perceber toda a extensão do problema.

Recentemente, crianças judias foram intimidadas em escolas alemãs, um rabino foi atacado numa rua em Berlim – e judeus foram assassinados em dois massacres em sinagogas em meu país natal, os Estados Unidos, no ano passado.

Ainda assim, como muitos outros, caí na tentação de considerá-los incidentes horríveis, mas isolados. Porque eu, uma judia não imediatamente reconhecível como tal, me sinto segura na minha vida quotidiana.

Mas depois do que aconteceu na cidade alemã de Halle, percebi: eu estava errada.

Em 2017, 78% dos judeus na Alemanha declararam se sentir sob ameaça crescente, e entre 2017 e 2018 o número de ataques contra o grupo no país aumentou 10%, para 1.646 incidentes. Atentados a sinagogas ocorreram inúmeras vezes desde o Holocausto, e as atitudes antissemitas persistem em ampla escala.

Em 2013, participei como convidada da exposição Toda a verdade: tudo o que você sempre quis saber sobre os judeus, do Museu Judaico de Berlim. Numa exibição incomum, vários judeus ficaram sentados numa vitrine aberta, respondendo a perguntas e comentários dos visitantes.

Fiquei impressionada com a profunda falta de consciência sobre o judaísmo - perguntaram-me, por exemplo, se fui circuncidada (como nasci biologicamente mulher, não); outros exigiram que eu justificasse religiosamente a política de Israel (sou judia, não sou cidadã ou especialista no Estado de Israel).

Embora o Holocausto tenha terminado em 1945, a ignorância e as atitudes repulsivas que o alimentaram foram silenciosamente transmitidas às gerações seguintes. Em 2017, uma pesquisa mostrou que mais da metade dos alemães de 14 a 16 anos entrevistados não tinha ideia do que aconteceu em Auschwitz.

Quase um em cada sete adultos foi igualmente incapaz de dizer o que era ou o que aconteceu lá. A negação do Holocausto é crime na Alemanha, mas o país não conseguiu educar adequadamente sobre os horrores do passado todos que vivem aqui.

Só em 2019 Berlim adotou o primeiro plano estatal de combate ao antissemitismo. E o resto dos estados e o governo federal? O governo alemão levou quase 80 anos para nomear um comissário que se ocupasse do antissemitismo, e quando um foi escolhido, em 2018, ele não era judeu.

Com o devido respeito ao Dr. Felix Klein, que tem considerável experiência com comunidades judaicas no país e no exterior: como é que alguém sem a experiência de vida específica de ser judeu na Alemanha pode se ocupar das ameaças que os judeus encaram todo dia? Em maio, ele advertiu que os judeus na Alemanha não deveriam usar símbolos religiosos, como quipás, em público. Como é que isso ajuda? E o que é que a Alemanha vai fazer a esse respeito?

A intolerância religiosa – antissemitismo, islamofobia ou qualquer outra forma – não estará erradicada até que cada pessoa na Alemanha compreenda por que ela é inaceitável e conheça o genocídio a que deu origem. Devido à sua história, a Alemanha tem de assumir a liderança neste tema.

O assassinato em massa de milhões de judeus e de muitos outros grupos está infinitamente bem documentado. Se alguém não está ciente desses fatos inegáveis, é uma vergonha para todos nós, por não termos educado suficiente e sistematicamente as gerações mais jovens sobre o assunto.

A importância dada ao Yom Kippur não é exagerada: judeus seculares como eu saem da obscuridade neste dia, contemplamos quem magoamos no ano que passou, como nós podemos fazer reparações e ser um mensch – essa maravilhosa palavra alemã e iídiche que usamos para um ser humano justo.

Este ano, eu passei o Yom Kippur noticiando sobre um ataque que me abala até o fundo da alma. O judaísmo pede aos pais que ajudem os filhos a entender nossa fé, tradições e história, que os levem à sinagoga como um lugar para aprender. Pela primeira vez, na quarta-feira eu estava apavorada de fazer justamente isso.

Kyra Levine é jornalista da DW.

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