Todo dia um novo enterro, jovens que são carregados até a sepultura por suas famílias. Mas também crianças que acompanham as mães até a sepultura. Essas imagens difíceis de suportar marcam há semanas as notícias do Irã.
Atualmente roda o mundo a foto de uma menina de cinco anos. Sua mãe, Fereshteh Ahmadi, foi morta a tiros pelas forças de segurança. A menina está sentada no túmulo e chora amargamente. É de cortar o coração, para mim como mãe, para qualquer mãe. Para qualquer ser humano – é o que se pensaria.
Até agora, pelo menos 270 iranianas e iranianos, entre os quais 30 crianças, foram espancados até a morte ou fuzilados, por terem ido às ruas, cheios de raiva pela morte de Jina Mahsa Amini, em 16 de setembro. Assassinados por lutar por valores liberal-democráticos. Gente que quer viver segundo esses valores, e paga com a vida.
Cada dia marca os 40 dias de luto por alguma vítima do movimento de protesto. Apesar do grande número de agentes de segurança, dezenas de milhares se reúnem nos cemitérios, pranteando Jina Mahsa, Nika, Sarina, Hananeh, Asra e Hadis – para só mencionar algumas dessas corajosas meninas e mulheres.
Gente cujas famílias sofrem pressão ou são presas, para prestar confissão sob torturas, para afirmar que seus filhos morreram de parada cardíaca, derrame cerebral ou suicídio. Todos eles merecem ser mencionados pelo nome e homenageados. Ao lado das universidades, agora os cemitérios são os maiores locais de protestos. A cada nova vítima cresce a fúria, a determinação e a coesão das iranianas e iranianos contra a República Islâmica.
Também deveriam ser mencionados nominalmente os cerca de 14 mil – segundo organizações de direitos humanos – que sofrem maus tratos em prisões superlotadas, como o famigerado presídio Evin, em Teerã. Ativistas, defensoras dos direitos humanos, músicos, colegiais e universitárias que foram arrancados de suas casas, escolas e casas de estudantes, e agora devem temer, em parte, até a pena de morte.
Por que tanta passividade do Ocidente?
Justamente no Ocidente, numerosos tomadores de decisões parecem não escutar esses gritos. Ou não querem escutar? Por que o Ocidente continua se aferrando a possíveis cenários reformistas, quando para as cidadãs e cidadãos do Irã está claro que não é possível reformar esse sistema?
No momento, o Irã atravessa uma revolução feminista sem igual no mundo inteiro. Assim, as expectativas e o foco estão sobre a política externa feminista da ministra do Exterior alemã Annalena Baerbock. Mas como pode ser que o chefe de governo Olaf Scholz se cale durante cinco semanas? Apenas em 31 de outubro, ele condenou, num tuíte, a "violência desproporcional das forças de segurança" contra os manifestantes no Irã.
E por que o Ocidente ainda deposita esperanças na retomada do acordo nuclear firmado em 2015 e cancelado em 2018? Para todas as iranianas e iranianos que no momento estão colocando a vida em risco, isso é um tapa na cara. Os manifestantes não querem reformas nem concessões. Pois, que acertos se pode fazer com um regime que prende, violenta, fuzila e espanca até a morte meninas de escola?
Na qualidade de iraniana e jornalista que acompanha diariamente as fotos, vídeos e a avalanche de notícias que vem do Irã, falo em nome de todos os meus compatriotas que há semanas vão às ruas, quando digo: eles querem uma mudança de regime. Eles querem viver com autodeterminação num país liberal-democrata. Com o atual regime em Teerã, isso não é possível.
Não exijo uma ingerência do Ocidente, nem participação externa na queda da República Islâmica. Isso é assunto exclusivo dos habitantes do Irã. O que exijo agora é: escutem as reivindicações deles! Não contribuam para fortalecer o regime.
Fortalecer ou legitimar um regime que não recua diante de nada para permanecer no poder, é irresponsável. Um regime que não encontra mais qualquer legitimação entre o próprio povo não pode ser legitimado pela comunidade internacional como interlocutor diplomático.
O mito da "segunda Síria" e da guerra civil
É paradoxo: justamente no Ocidente grassa o temor de uma mudança de regime. Ouço repetidamente advertências de que uma revolução no Irã traria instabilidade a toda a região, poderia desencadear uma guerra civil e transformar o país numa segunda Síria.
Eu me pergunto em que se baseiam tais advertências. A região já é mesmo tudo, menos estável – um estado de coisas para que a República Islâmica e sua Guarda Revolucionária respaldada pelo Hisbolá tiveram participação decisiva. A narrativa de "uma segunda Síria" ou de uma guerra civil iminente, como únicas alternativas ao atual regime, serve há anos de freio de mão, dentro e fora do país.
O fato é que – excetuado o aparato de poder das Guardas Revolucionárias e das milícias Basij, que dariam a última camisa pela ideologia religiosa e seu líder, o aiatolá Ali Khamenei – a grande maioria da população está unida na luta contra a República Islâmica do Irã como um todo.
Poucas vezes isso esteve tão claro como nas últimas seis semanas: indivíduos de todas as etnias e minorias, curdos, beluchis, mulheres e homens, velhos e jovens, muçulmanos, membros de outras religiões e ateus protestam em conjunto e por todo o país – também sem o véu islâmico.
Apesar de todas as represálias, nas últimas décadas o Irã desenvolveu uma sociedade civil forte. Grande parte dos ativistas, advogados, ativistas dos direitos femininos, e outros que poderiam oferecer uma alternativa à República Islâmica, se encontra atualmente no presídio Evin. Se forem libertados a tempo, poderão construir um novo Irã liberal, uma chance para toda a região se tornar mais estável. Se não forem soltos, estão sob ameaça de processos de fachada e execuções.
Desde sua fundação, a República Islâmica tem consolidado o próprio poder com brutalidade, repressão e violações dos direitos humanos. E ainda continua fazendo o mesmo, 40 anos depois, diante dos olhos da comunidade internacional. Por quanto tempo, ainda?
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Yalda Zarbakhch é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.