Obama dissipa dúvidas sobre estratégia contra o "Estado Islâmico"
Miodrag Soric (md)11 de setembro de 2014
Discurso do presidente dos EUA sobre plano de combate aos jihadistas pode não ser garantia de sucesso, mas serviu para mostrar liderança, opina o correspondente da DW em Washington, Miodrag Soric.
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Presidentes americanos se tornam patéticos quando anunciam novas guerras ou conflitos militares. Eles explicam por que a luta é necessária, como vencerão no final e por que os Estados Unidos devem liderá-la. Esse padrão também foi seguido pelo presidente Obama em seu discurso na Casa Branca nesta quarta-feira (10/09).
Ele descreveu os crimes do "Estado Islâmico" (EI) e esboçou seu plano para derrotar os islamistas com a ajuda de iraquianos, curdos, do Exército Livre da Síria e de vários outros aliados. Ele falou com emoção, explicou por que só os Estados Unidos são capazes de liderar uma coalizão contra o EI.
Obama deixou clara a diferença entre esta ação contra o "Estado Islâmico" e as guerras no Afeganistão e no Iraque: não serão enviadas tropas de combate americanas. Mas ele comparou a iminente "destruição" do EI com as operações dos EUA no Iêmen e na Somália. Só que, na Somália, o caos continua a reinar. No Iêmen, diversos grupos lutam uns contra os outros, e grupos da Al Qaeda encontram refúgio no país, que ainda não tem um governo que funcione. Se uma vitória contra o EI – ou como quer que ela seja definida – resultar numa segunda Somália ou num segundo Iêmen, ela seria um desastre.
Obama até mencionou os riscos envolvidos na luta contra o "Estado Islâmico", mas o fez apenas marginalmente. Pois a coalizão costurada às pressas contra os terroristas está longe de ser estável. O Iraque tem um novo governo, como o presidente ressaltou, mas a divisão entre xiitas e sunitas ainda é profunda. O governo iraquiano ainda não tem um ministro da Defesa. Atualmente, os curdos cooperam com Bagdá, mas, no final, querem sua autonomia, seu próprio Estado.
Obama pintou uma imagem demasiado otimista do treinamento do Exército Livre da Síria na Arábia Saudita. Mas quem pode saber se os combatentes realmente conseguirão superar as tropas fanáticas do EI, compostas em grande parte por soldados profissionais iraquianos? Obama não seria o primeiro presidente americano que entra numa guerra com otimismo demasiado e mais tarde descobre que tudo saiu diferente do esperado.
Com o discurso desta quarta-feira, o presidente quis dissipar dúvidas sobre sua vontade de liderança. Dúvidas de que ele tem uma estratégia na luta contra o "Estado Islâmico". Dúvidas de que ele não acredita mais no papel especial reservado aos Estados Unidos no mundo. Dúvidas de que ele pode ser um comandante supremo que sabe liderar, que também toma decisões difíceis. E ele conseguiu tudo isso.
Suas palavras, no entanto, terão mais peso caso o Congresso o apoie nos próximos dias e lhe conceda dinheiro para o iminente confronto com os islamistas. Aí suas palavras já não seriam mais apenas esperanças de um presidente americano, mas uma perspectiva de uma estratégia real dos Estados Unidos, respaldada por toda a elite política do país.
"Estado Islâmico": de militância sunita a califado
Origens do grupo jihadista remontam à invasão do Iraque, em 2003. Nascido como oposição ao domínio xiita e inicialmente um braço da Al Qaeda, EI passou por mudanças e virou uma ameaça internacional.
Foto: picture-alliance/AP Photo
A origem do "Estado Islâmico"
A trajetória do "Estado Islâmico" (EI) começou em 2003, com a derrubada do ditador iraquiano Saddam Hussein pelos EUA. O grupo sunita surgiu a partir da união de diversas organizações extremistas, leais ao antigo regime, que lutavam contra a ocupação americana e contra a ascensão dos xiitas ao governo iraquiano.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Braço da Al Qaeda
A insurreição se tornou cada vez mais radical, à medida que fundamentalistas islâmicos liderados pelo jordaniano Abu Musab al Zarqawi, fundador da Al Qaeda no Iraque (AQI), infiltraram suas alas. Os militantes liderados por Zarqawi eram tão cruéis que tribos sunitas no Iraque ocidental se voltaram contra eles e se aliaram às forças americanas, no que ficou conhecido como "Despertar Sunita".
Foto: AP
Aparente contenção
Em junho de 2006, as Forças Armadas dos EUA mataram Zarqawi numa ofensiva aérea e ele foi sucedido por Abu Ayyub al-Masri e Abu Omar al-Bagdadi. A AQI mudou de nome para Estado Islâmico do Iraque (EII). No ano seguinte, Washington intensificou sua presença militar no país. Masri e Bagdadi foram mortos em 2010.
Foto: AP
Volta dos jihadistas
Após a retirada das tropas dos EUA do Iraque, efetuada entre junho de 2009 e dezembro de 2011, os jihadistas começaram a se reagrupar, tendo como novo líder Abu Bakr al-Bagdadi, que teria convivido e atuado com Zarqawi no Afeganistão. Ele rebatizou o grupo militante sunita como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL).
Foto: picture alliance/dpa
Ruptura com Al Qaeda
Em 2011, quando a Síria mergulhou na guerra civil, o EIIL atravessou a fronteira para participar da luta contra o presidente Bashar al-Assad. Os jihadistas tentaram se fundir com a Frente Al Nusrah, outro grupo da Síria associado à Al Qaeda. Isso provocou uma ruptura entre o EIIL e a central da Al Qaeda no Paquistão, pois o líder desta, Ayman al-Zawahiri, rejeitou a manobra.
Foto: dapd
Ascensão do "Estado Islâmico"
Apesar do racha com a Al Qaeda, o EIIL fez conquistas significativas na Síria, combatendo tanto as forças de Assad quanto rebeldes moderados. Após estabelecer uma base militar no nordeste do país, lançou uma ofensiva contra o Iraque, tomando sua segunda maior cidade, Mossul, em 10 de junho de 2014. Nesse momento o grupo já havia sido novamente rebatizado, desta vez como "Estado Islâmico".
Foto: picture alliance / AP Photo
Importância de Mossul
A tomada da metrópole iraquiana Mossul foi significativa, tanto do ponto de vista econômico quanto estratégico. Ela é uma importante rota de exportação de petróleo e ponto de convergência dos caminhos para a Síria. Mas a conquista da cidade é vista como apenas uma etapa para os extremistas, que pretenderiam avançar a partir dela.
Foto: Getty Images
Atual abrangência do EI
Além das áreas atingidas pela guerra civil na Síria, o EI avançou continuamente pelo norte e oeste iraquianos, enquanto as forças federais de segurança entravam em colapso. No fim de junho, a organização declarou um "Estado Islâmico" que atravessa a fronteira sírio-iraquiana e tem Abu Bakr al-Bagdadi como "califa".
Foto: Reuters
As leis do "califado"
Abu Bakr al-Bagdadi impôs uma forma implacável da charia, a lei tradicional islâmica, com penas que incluem mutilações e execuções públicas. Membros de minorias religiosas, como cristãos e yazidis, deixaram a região do "califado" após serem colocados diante da opção: converter-se ao islã sunita, pagar um imposto ou serem executados. Os xiitas também eram alvo de perseguição.
Foto: Reuters
Guerra contra o patrimônio histórico
O EI destruiu tesouros arqueológicos milenares em cidades como Palmira (foto), na Síria, ou Mossul, Hatra e Nínive, no Iraque. Eles diziam que esculturas antigas entram em contradição com sua interpretação radical dos princípios do Islã. Especialistas afirmam, porém, que o grupo faturou alto no mercado internacional com a venda ilegal de estátuas menores, enquanto as maiores eram destruídas.
Foto: Fotolia/bbbar
Ameaça terrorista
Durante suas ofensivas armadas, o "Estado Islâmico" saqueou centenas de milhões de dólares em dinheiro e ocupou diversos campos petrolíferos no Iraque e na Síria. Seus militantes também se apossaram do armamento militar de fabricação americana das forças governamentais iraquianas, obtendo, assim, poder de fogo adicional.