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Os cidadãos comuns nos bloqueios bolsonaristas

DW Sendung | A Fondo 12.11.20 - Isaac Risco
Isaac Risco
11 de novembro de 2022

Após vitória de Lula, milhares foram às ruas pedir intervenção militar. Uma tentativa de entrevista resultou num resumo do bolsonarismo: um movimento hostil aos meios de comunicação e às instituições, relata Isaac Risco.

"Bandeiras do Brasil e fotos de Bolsonaro confirmam que não estamos numa festa, mas sim num protesto político"Foto: Isaac Risco/DW

O ambiente é festivo, quase como uma pacífica festa de rua num vilarejo qualquer. Há crianças brincando na beira da estrada, mães com seus filhos, idosos. As mensagens, porém, nos advertem de que se trata de algo diferente: pelo alto-falante, alguém pede urgentemente aos presentes que se unam aos apelos para as Forças Armadas brasileiras deterem o avanço do "comunismo" com nada menos do que uma intervenção militar. Também as bandeiras do Brasil e uma foto ou outra do presidente Jair Bolsonaro confirmam que não estamos numa festa, mas sim num protesto político.

Três dias após o triunfo eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições, viajei acompanhado de um produtor ao Sul do Brasil para gravar uma história sobre refugiados ucranianos.

Desde a noite das eleições, milhares de seguidores de Bolsonaro bloqueavam estradas em todo o país, em protesto contra a apertada vitória de Lula. O Paraná, assim como os outros estados do Sul, foi um bastião eleitoral do ultradireitista Bolsonaro, que venceu aqui com 62,4% dos votos, contra 37,6% para Lula.

Tratores bloqueiam rodovia próxima a Prudentópolis, no Paraná Foto: Isaac Risco/DW

Antes de chegar à cidade de Prudentópolis, nos deparamos com o segundo bloqueio do dia. Dois tratores obstruíam a via principal. Os organizadores colocaram brinquedos infláveis para crianças e cadeiras dobráveis na via de acesso a um posto de gasolina. Os manifestantes pareciam ser da zona de Prudentópolis e outras localidades vizinhas: gente comum, trabalhadores e trabalhadoras, aposentados e donas de casa.

Bloqueio de vários dias

Alguns nos contam que protestam desde a divulgação do resultado das eleições, na noite de 30 de outubro. Na rodovia se veem restos de pneus queimados. A cada hora se abre o bloqueio para permitir a passagem de alguns veículos, principalmente se há uma emergência.

Eles se revezam em ir para casa descansar. Muitos moradores na vizinhança levam comida para compartilhar. Depois de conversar um pouco conosco, um deles aceita dar um depoimento para a câmera e explicar em detalhe porque protestam e o que exigem. É um homem de meia idade, de trato agradável, disposto a argumentar de forma racional e refletida.

Os eventos a seguir nos impedirão de mencionar seu nome ou de reproduzir suas próprias palavras. Ele está convencido de que no domingo da eleição ocorreu uma fraude eleitoral para favorecer o candidato da esquerda.

Por esse motivo, os manifestantes exigem uma revisão completa do processo eleitoral que, a seu ver, só poderiam ser realizadas pelas Forças Armadas, e não pelas autoridades eleitorais, nas quais não confiam. Por último, esperam que uma nova eleição seja convocada.

Discurso carregado de notícias falsas

Nenhum organismo internacional relatou irregularidades nos locais de votação, tampouco o presidente Bolsonaro apresentou provas dos supostos problemas com as urnas eletrônicas que poderiam permitir uma fraude, como vinha com frequência sustentando durante o último ano e meio.

No Brasil, sem dúvida alguma, se formou nos últimos anos um mundo paralelo, uma esfera pública alternativa que desconfia profundamente dos meios tradicionais e se alimenta de suposições e teorias, com frequência, descabeladas, em grande parte difundidas abertamente como notícias falsas, sobretudo nos grupos de Whatsapp, uma das plataformas mais populares no maior país da América Latina.

O mais preocupante é que se trata de boatos infundados nos quais, contudo, muitos cidadãos acreditam ao pé da letra. Também gente afável como o nosso interlocutor, literalmente convencido de que seu país está sendo vítima de uma conspiração comunista.

Agressividade com a imprensa

Menos amável, em todo caso, era o grupo que nos interrompeu quando estávamos terminando a entrevista em frente ao bloqueio. "É ao vivo?", perguntou alguém, com agressividade. Quando respondemos que era uma entrevista gravada, ele nos exigiu que parássemos, sob a acusação implícita de que poderíamos "manipular" o material.

Jornalista da DW Issac Risco é obrigado a apagar entrevista que fazia com manifestante bolsonaristaFoto: Marcos Böhler/DW

A essa altura, outro membro do grupo havia também feito uma busca na internet com o nome Deutsche Welle e encontrou algo que não lhe agradou: "Eles falam bem do Lula!" A partir daí o clima se tornou abertamente hostil.

O homem que perguntara sobre a entrevista exigiu que a apagássemos imediatamente. "Quero ver você fazendo", disse, em tom ameaçador. Prontamente, se assegurou que o material estivesse irrecuperável. Caminhamos escoltados por dois homens que queriam se certificar de que íamos voltar para o nosso carro.

Um desfecho que é, possivelmente, um bom resumo daquilo em que se converteu o bolsonarismo no Brasil: um movimento hostil à imprensa, aos meios de comunicação e às instituições, que arvora um discurso radical alimentado por notícias falsas, e que, lamentavelmente, está enraizado em amplos setores da sociedade.

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Isaac Risco é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.

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