Parece que a ficha ainda não caiu na CDU: derrota estrondosa na eleição deveria acender a luz dentro do partido e levar alguém a questionar o inquestionável, afirma o articulista Felix Steiner.
Anúncio
Na eleição de domingo (24/09), a chefe de governo conservadora Angela Merkel sofreu uma derrota estrondosa, mas parece que nem todos receberam essa notícia. Logo após o fechamento das urnas, diante do júbilo da ala jovem da União Democrata Cristã (CDU) na sede federal do partido, numerosos espectadores se perguntavam que droga aqueles jovens teriam tomado. E no dia seguinte, na entrevista à imprensa em Berlim, veio a estoica constatação da líder de que ela realmente não sabia o que poderia ter feito diferente.
Pode ser que os esfuziantes parabéns do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e do chefe de Estado francês, Emmanuel Macron, tenham contribuído para essa percepção tão distorcida da realidade. Ainda que, a rigor, ambos deveriam saber que os alemães haviam elegido apenas o seu Parlamento, como prevê a Lei Fundamental, e não reeleito a chanceler federal.
Esta, para continuar sendo o que é há 12 anos – já que o Partido Social-Democrata (SPD) não quer mais cooperar –terá primeiro que formar uma coalizão quádrupla entre sua CDU, a irmã bávara União Social Cristã (CSU), o Partido Liberal Democrático (FDP) e o Partido Verde. Uma façanha que, nas atuais circunstâncias, equivale à quadratura do círculo.
Ainda mais importante: se até lá a nacionalista Alternativa para a Alemanha (AfD) não tiver se esfacelado – a saída da presidente Frauke Petry já antecipa isso – tal coalizão de governo seria um formidável programa de incentivo para que os populistas de direita cresçam ainda mais na próxima eleição.
Mas a CSU cuidará para que a coisa não vá tão longe. A perda de votos dela na Baviera foi ainda mais dramática do que a da CDU nos demais estados. Por isso, impera desde domingo em Munique o pavor da perda da maioria absoluta no pleito estadual do próximo ano.
Embora sequer estivesse concorrendo como candidato, o errático líder social-cristão, Horst Seehofer, foi punido na Baviera. Quem acusa a chanceler federal de transgredir conscientemente a lei e não consegue se impor com a penetrante e incondicional exigência de um teto máximo para o ingresso de refugiados na Alemanha deveria abandonar a coalizão em vez de, pouco antes da eleição, voltar a encarnar o "Horst bonzinho".
Se não, que então pelo menos não se admire de os populistas da AfD ganharem tantos eleitores. Mas Seehofer não aprende e agora quer "deixar as coisas bem claras e definidas" e fechar o "flanco da direita". Isso numa coalizão com os verdes e liberais. Só rindo, mesmo!
Chato para Angela Merkel é que, se na coalizão anterior, com os social-democratas, ela contava com maioria de dois terços e poderia passar tranquilamente sem o partido-irmão bávaro, agora a CSU é indispensável para uma maioria. Assim, agora todos vão expressar e mostrar sua responsabilidade perante o Estado, sondar longamente, negociar mais ainda – e, no fim das contas, não chegar a lugar nenhum.
E aí, o que acontecerá? Antes de se lançar numa totalmente imprevisível nova eleição, alguém na CDU ainda vai seguramente se lembrar das palavras do líder do SPD, Martin Schulz, no domingo e na segunda-feira: seu partido não participará de "nenhuma coalizão com Angela Merkel à frente", disse.
A velha raposa Schulz deixou uma portinha dos fundos aberta ao optar pela oposição! Pois ele também sabe que, depois de 12 anos de mandato, nem o povo nem o eleitorado da CDU fazem tanta questão assim de Merkel, como uma ou outra pesquisa de opinião sugere de vez em quando.
A líder conservadora conta com apreciação ilimitada sobretudo entre aqueles que lhe devem os cargos que ocupam ou naqueles círculos que nunca votam na CDU – pois até a CDU, sob Merkel, age conforme a visão de mundo desses círculos.
Duas questões ficam em aberto: quem mais na CDU pode ser chanceler federal? E quem será o primeiro a dizer o inevitável? Se os democrata-cristãos ainda têm a pretensão de, como um atuante partido de massas, não só governar, mas também influenciar ativamente, então é preciso encontrar alguém para essas duas questões. Houve um tempo em que secretários-gerais do partido assumiam esse papel. Alguém aí ainda se lembra?
[Nota da redação: Em 1999, na qualidade de secretária-geral da CDU, Merkel liderou a oposição interna ao então líder honorário e figura de proa do partido, Helmut Kohl, envolvido num escândalo de doações ilícitas. No ano seguinte, ela se sagrava presidente da União Democrata Cristã.]
A história da eleição alemã
Após Segunda Guerra, Alemanha já realizou 18 pleitos para eleger um Parlamento nacional e, subsequentemente, um ou uma chanceler federal. Veja quem ganhou.
Foto: picture alliance/dpa/K. Nietfeld
1949: Adenauer vence eleições pós-guerra
A primeira eleição após a Segunda Guerra Mundial foi, sem dúvida, a mais importante na história da República Federal da Alemanha e, certamente, a mais apertada. Konrad Adenauer, candidato da União Democrata Cristã (CDU), tornou-se o primeiro chanceler federal da então Alemanha Ocidental pela margem de um voto – o seu próprio. Seu governo se mostraria muito estável. E muito popular.
Foto: picture-alliance/dpa
1953: Konrad Adenauer é reeleito
Se a primeira eleição da antiga Alemanha Ocidental foi dramática, a segunda foi arrebatadora. Sob a liderança de Konrad Adenauer, a CDU levou 45,2% dos votos contra 28,8% do Partido Social-Democrata (SPD). Graças à coalizão com três outros partidos, Adenauer desfrutou uma maioria de dois terços no Parlamento.
Foto: picture-alliance/akg-images
1957: Adenauer ganha segunda reeleição
Na terceira eleição da Alemanha Ocidental pós-guerra, a CDU de Adenauer aliou-se ao partido conservador da Baviera, a União Social Cristã (CSU), para formar a CDU/CSU, aliança que muitas vezes é denominada de "União". Juntas, as duas legendas levaram mais de 50% dos votos. Adenauer tinha 81 anos quando iniciou seu terceiro mandato como chanceler federal.
Foto: AP
1961: Última vitória eleitoral de Adenauer
Aos 85 anos, Konrad Adenauer venceu sua última eleição, mas seu mandato não foi feliz. Seus críticos o acusaram de não responder adequadamente à construção do Muro de Berlim. Em 1963, ele renunciou a favor do seu vice e ministro da Economia, o político conservador Ludwig Erhard. Em 1961, o Parlamento alemão era composto somente por três bancadas: CDU/CSU, SPD e Partido Liberal Democrático (FDP).
Foto: picture alliance/Konrad Giehr
1965: Milagre econômico leva Erhard à vitória
Ludwig Erhard (dir.) conseguiu estender a série de vitórias eleitorais dos conservadores, embora isso viesse a acabar em breve. O ex-ministro da Economia ganhou pontos pela prosperidade da Alemanha Ocidental, mas não teve sucesso em política externa e renunciou no meio de seu mandato. Seu substituto, Kurt Georg Kiesinger, foi o único chanceler federal a nunca ter vencido eleição para o cargo.
Os anos 1960 foram um período em que as pessoas na Alemanha Ocidental, como em outras partes do mundo, passaram a questionar tradições e, no último ano da década, o prefeito da antiga Berlim Ocidental, Willy Brandt, se tornou o primeiro chanceler federal social-democrata. Na realidade, o SPD recebera menos votos que a União CDU/CSU, mas uma coalizão com os liberais do FDP lhe garantiu o poder.
Foto: picture-alliance/Wilhelm Bertram
1972: Brandt vence, mas não por muito tempo
As eleições alemãs seguintes foram adiantadas um ano depois que Brandt foi afastado através de uma moção de confiança. Essa medida foi negativa para os conservadores. Pela primeira vez no pós-guerra, o SPD obteve mais votos que CDU/CSU nas eleições gerais. Mas um companheiro próximo de Brandt revelou-se espião da Alemanha Oriental, e Willy Brandt renunciou a favor de Helmut Schmidt.
Foto: picture-alliance/dpa
1976: Helmut Schmidt solidifica o poder
Helmut Schmidt, sucessor de Brandt, conseguiu manter-se à frente da Chancelaria Federal em 1976, apesar de o SPD ter obtido 6 pontos percentuais a menos que a União CDU/CSU. Graças ao parceiro de coalizão, o Partido Liberal Democrático (FDP), a balança pendeu a favor do SPD. Essa foi a primeira eleição na Alemanha Ocidental em que jovens de 18 anos puderam votar. Antes, a idade mínima era 21.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Fischer
1980: Schmidt é reeleito, mas parceiro se vai
A reeleição de Schmidt foi relativamente fácil, em parte porque, pela primeira vez, o candidato dos conservadores vinha da União Social Cristã (CSU). Schmidt, no entanto, não conseguiu apoio popular para o seu governo. Em 1982, o parceiro de coalizão FDP deixou o governo, aliando-se à União CDU/CSU para substituir Helmut Schmidt por um chanceler federal conservador.
Foto: dpa
1983: Helmut Kohl dá início a longo reinado
Para ganhar legitimidade, o chanceler federal Helmut Kohl, da CDU, adiantou as eleições gerais para 1983. A jogada valeu a pena, pois os conservadores venceram os social-democratas por 48,8% contra 38,2% dos votos. Muitos esquerdistas consideravam Kohl uma figura grosseira demais para ficar muito tempo no poder. Mas estavam errados. Nesse pleito, os verdes entraram pela primeira vez no Parlamento.
Foto: imago/Sven Simon
1987: Kohl se reelege em onda conservadora
Os anos 1980 foram conservadores, com Ronald Reagan nos EUA, Margaret Thatcher no Reino Unido e Kohl na Alemanha. E o político da CDU aproveitou a onda para se reeleger. Para Kohl, foi uma alegria ter aparecido junto a Reagan em seu famoso discurso "Sr. Gorbachev, derrube este muro". Mas poucos imaginavam que ele iria cair em breve e que aquelas seriam as últimas eleições da Alemanha Ocidental.
Foto: AP
1990: Kohl vence sob signo da Reunificação
Kohl (dir.) brindou a reunificação da Alemanha com o primeiro-ministro da Alemanha Oriental, Lothar de Maizière, em 3 de outubro de 1990, e dois meses depois, eleitores de todo o país foram convocados a votar em outra eleição antecipada. O clima era de euforia, e não havia quem vencesse o "chanceler da Reunificação". Kohl foi eleito para um terceiro período legislativo.
Foto: picture-alliance/dpa
1994: Triunfo final para Kohl
Em 1994, cinco anos depois da queda do Muro de Berlim, os primeiros problemas sociais causados pela Reunificação se tornaram visíveis. Mesmo assim, a reeleição de Kohl foi relativamente confortável. Isso se deveu em parte a um fraco adversário social-democrata, que ficou conhecido, entre outros, por tropeçar na diferença entre líquido e bruto na TV alemã.
Foto: imago/teutopress
1998: Schröder inicia experiência de coalizão
Em 1998, os eleitores estavam cansados de Kohl, e o social-democrata Gerhard Schröder (esq.) soube se aproveitar disso. O SPD venceu a União CDU/CSU por 40,9% contra 35,1% dos votos e formou uma coalizão com o Partido Verde, liderado por Joschka Fischer (c.). Esta foi a primeira eleição em que o PDS (hoje A Esquerda), sucessor do antigo partido socialista alemão-oriental, entrou para o Parlamento.
Foto: picture-alliance/dpa
2002: Schröder vence reeleição após 11/9
Na eleição de 2002, SPD e a União CDU/CSU tiraram a mesma porcentagem de votos: 38,5%. Schröder conseguiu se reeleger por seu parceiro de coalizão, os Verdes, ser mais forte que o FDP. Uma das tarefas mais árduas de Schröder foi lidar com George W. Bush. Depois do 11 de setembro, o chanceler federal proclamou "solidariedade ilimitada" com os EUA, mas a Alemanha não apoiou a Guerra do Iraque.
Foto: Getty Images
2005: Início da era Merkel
Em 2005, Angela Merkel tornou-se a primeira mulher a governar a Alemanha, após Schröder, que em meio a críticas por seus programas de austeridade econômica, antecipou mais uma eleição. A política da antiga Alemanha Oriental ganhou por pouco. A vantagem dos conservadores sobre o SPD foi inferior a 1% e, em seu primeiro mandato, Merkel passou a chefiar uma "grande coalizão" com o principal rival.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Bergmann
2009: Merkel realiza "coalizão dos sonhos"
O resultado do segundo pleito parlamentar de Merkel foi muito mais claro que o primeiro. Enquanto o apoio ao SPD despencava, os liberais do FDP, liderados por Guido Westerwelle, ganhavam votos. Como resultado, os conservadores foram capazes de formar uma coalizão com seus parceiros prediletos. Para a centrista Merkel, essa coalizão parecia ter saído de um sonho.
Foto: Getty Images/A. Rentz
2013: Merkel comemora terceiro mandato
Em 2013, Merkel estava consolidada como a política mais popular da Alemanha, e os conservadores terminaram à frente do SPD nas eleições. Mas como os liberais não conseguiram alcançar o limite de 5% dos votos para entrar no Parlamento, a chanceler federal reeleita teve que formar outra grande coalizão. Isso não impediu "Angie", como é conhecida carinhosamente hoje em dia, de saborear uma cerveja.
Foto: Reuters
2017: Ascensão dos populistas de direita
CDU/CSU e SPD foram os partidos mais votados, mas tiveram seu pior resultado desde o pós-guerra. Enquanto os liberais voltaram a ser representados no Bundestag, a grande vitória foi da legenda populista Alternativa para a Alemanha (AfD) – pela primeira vez desde a 2ª Guerra, um partido nacionalista está representado no Parlamento alemão.