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Putin, o dono do Kremlin

26 de março de 2020

O homem que há 20 anos manda na Rússia nunca quis e jamais irá entregar o poder. Vladimir Putin se tornou prisioneiro do sistema que ele mesmo criou, opina Christian F. Trippe.

A campanha eleitoral no início do ano 2000 foi curta e sem emoções. Vladimir Putin pôde disseminar suas mensagens por todos os canais de TV russos quase sem questionamentos e com muito tempo de televisão. O ex-oficial da inteligência prometia estabelecer uma ditadura, mas uma ditadura da lei. A Rússia é um país rico com pessoas pobres, afirmava.

E à pergunta sobre qual país era seu modelo, ele respondeu: Coreia. Putin deixou em aberto a qual dos dois Estados coreanos estava se referindo ‒ o tigre democrático no Sul ou o regime totalitário no Norte. Ele provavelmente gostou das piadas que passaram a circular logo após suas declarações.

Ninguém duvidava da vitória de Putin naqueles dias de março, há 20 anos, mas muitos ainda nutriam ilusões. Aquele homem de São Petersburgo meio tímido e de aparência um pouco desajeitada seria eleito presidente. Isso havia sido acertado entre as elites que de fato mandavam no Estado russo, que na noite mesma da eleição se vangloriavam de suas "reservas administrativas".

E Putin fez o que se esperava dele ‒ aliás, tanto no Ocidente quanto na Rússia: ele interrompeu o colapso do Estado russo, que já estava se desmantelando em algumas regiões do enorme país. Ele estabilizou uma nação que, depois de sua derrota na Guerra Fria, estava mental e socialmente em declínio havia já uma década. E Putin prometia aos seus interlocutores o que eles queriam ouvir. Por isso, o então chanceler federal alemão, Gerhard Schröder, o enalteceu como "democrata impecável" ‒ um equívoco.

Pois, desde o início, era visível na política de Putin que ele não continuaria no caminho rumo ao Ocidente que seu antecessor Boris Yeltsin havia tomado ‒ ainda que às vezes cambaleante, também no sentido literal da palavra.

Putin logo colocou a imprensa livre na corda bamba, onde ela está até hoje. Sob o pretexto da luta contra a oligarquia ‒ o que todos viam com bons olhos ‒ Putin destroçou as empresas privadas de mídia. Dois anos depois, todo mundo podia ver aonde a jornada iria dar: a participação da sociedade civil era indesejada, e os partidos políticos eram apenas tolerados, na condição de oposição "fiel ao sistema".

Começava então o que hoje se reflete na criminalização de tudo e de todos que se revoltam contra Putin. Quem se opõe a eleições manipuladas, quem se manifesta contra a corrupção e a paralisação econômica no país logo sente os golpes dos cassetetes de borracha.

Em 20 anos, Putin criou um Estado policial impecável. Seu governo começou como uma "democracia guiada" ‒ foi assim que seus assessores chamaram a transição gradual para uma forma autoritária de governo, decorada com peças da Rússia czarista e da não menos imperial União Soviética. Ele estava no cargo há apenas alguns meses quando reintroduziu o velho hino soviético, embora com um texto novo, russo-patriótico.

Só recentemente, depois que a política externa de Moscou passou a ser abertamente neoimperial, é que uma pitada de culto à personalidade foi adicionada ao domínio de Putin. Com a anexação da Península da Crimeia, em 2014, com o subsequente estímulo ao conflito separatista no Donbass e com a intervenção militar na Síria, a Rússia de Putin tenta retomar antigos sonhos de potência imperial global.

Desde então, o presidente gosta de ser chamado de "líder nacional" pelo público fiel ao Kremlin. Em 2014, um alto funcionário pôs Putin em pé de igualdade com a Rússia: sem Putin não há Rússia ‒ esse é o slogan, um tanto abreviado, propagado por seus seguidores.

Essa beatificação política em vida só poderia mesmo ser seguida de uma extensão do mandato de Putin para o resto de seus dias. Isso é tão cínico quanto lógico. Para tal, a necessária alteração da Constituição por meio de um referendo é uma questão puramente formal para os tecnocratas políticos no Kremlin. Não é à toa que o termo estabilidade desempenha um papel fundamental na campanha oficial em favor da consulta pública.

Quando Putin sumiu por alguns dias, em março de 2015 ‒ ele simplesmente desapareceu, e até hoje não se sabe por que ‒ Moscou entrou numa espécie de estado de choque. O sistema de domínio de Putin é montado para que ele, como juiz supremo, resolva os conflitos de poder entre os membros do primeiro escalão do Kremlin, para que ele decida sobre a distribuição dos benefícios estatais. Também aqui Putin é uma mistura de secretário-geral do Partido Comunista com príncipe feudal.

Por esse ponto de vista, os apoiadores de Putin estão certos: sem ele, o sistema não funciona e entraria em colapso. Esse colapso, no entanto, afetaria sobretudo aqueles cujos nomes estão associado à criação desse aparato de poder.

Portanto, Vladimir Vladimirovich Putin está condenado a fazer até o fim de seus dias o que faz há 20 anos: ser o presidente de um país ao qual proporcionou orientação no início, mas que há muito tempo deixou de governar em benefício de seus cidadãos e que governa principalmente para o prejuízo de seus países vizinhos. Um interlocutor ocidental perguntou uma vez a Putin como ele imaginava sua aposentadoria. Consta que Putin não respondeu à pergunta.

A estabilidade, que, apesar de todas as tensões políticas, ainda é vista, também no Ocidente, como um ganho do longo governo de Putin, revela-se uma quimera ‒ assim como as declarações ambíguas que acompanharam sua primeira eleição, há 20 anos.

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