Maduro é, aos olhos do mundo, um ditador sem povo, e o vento sopra a favor da oposição. Mas conflitos são decididos no campo de batalha, onde Guaidó é fraco. Intervenção externa pode ser decisiva, constata Sandra Weiss.
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Há um mês começou a luta pelo poder na Venezuela, com a surpreendente declaração de guerra do líder oposicionista Juan Guaidó. Desde então foi um lance atrás do outro: Guaidó alcançou reconhecimento internacional graças a uma campanha preparada cuidadosamente; protestos em larga escala colocaram o presidente Nicolás Maduro sob pressão; e um embargo de petróleo dos Estados Unidos mira o orçamento de guerra do regime. A turma de Maduro parece surpresa, reage na defensiva e seus assessores brigam até diante das câmeras.
O vento histórico sopra a favor da oposição. No fim de semana, Guaidó completou mais um lance: fotos de centenas de milhares num show beneficente da oposição versus um esvaziado show de Maduro; uma "frente de batalha humanitária" coordenada, na qual se pôde acompanhar como milhares de civis tentavam levar mantimentos para a Venezuela e, do outro lado, milicianos e militares bloqueavam essa ajuda, atiravam em manifestantes e incendiavam caminhões.
Maduro parece ter perdido a guerra da propaganda: o mundo o vê como um ditador inescrupuloso, corrupto e sem povo. As motivações inquietantes de uma reorganização neoconservadora da América e o passado daqueles que estão por trás de Guaidó, como o arquiteto do Caso Irã-Contras, Elliott Abrams, ou o lobby ultraconservador dos exilados cubanos são, porém, raramente tematizados.
Conflitos, porém – mesmo um com pretexto humanitário – são decididos no campo de batalha. E lá Guaidó continua sendo um presidente sem Estado. Primeiro, ele falhou em levar a ajuda humanitária para a Venezuela. E uma ou duas dúzias de desertores, mesmo de altas patentes, como o ex-militar chefe da inteligência Hugo Carvajal, não servem para abalar a lealdade da liderança das Forças Armadas.
Por isso, a estratégia da ajuda humanitária não visa a liderança, mas as patentes medianas, aquelas que comandam os bloqueios. Se elas cederem, como calculado, serão seguidas por tropas desmoralizadas e vão isolar os generais. Aqui entra o fator tempo.
No curto prazo, Maduro e seus assessores cubanos conseguiram encontrar alternativas comerciais no Oriente Médio, na Índia e na Rússia e assim furar o embargo. Mas elas são dispendiosas devido aos custos de transporte, e em médio prazo a crise humanitária vai se intensificar. Se isso levará a população à revolta ou à fuga, ainda não está claro. Quanto mais tempo a resistência de Maduro for bem-sucedida, maior é o risco de que o momento de Guaidó se atenue, a oposição se divida ou uma parte dela se radicalize.
Em longo prazo, o atual regime na Venezuela, assim como a economia deficitária de Cuba no passado, só conseguirá sobreviver se encontrar um aliado disposto a gastar bilhões para ter bases geoestratégicas no Caribe. Isso é duvidoso. A situação geopolítica mundial aponta para um recuo das superpotências para suas esferas regionais de influência.
Trump, Putin e Xi Jingping vão selar entre si o destino da Venezuela? O que pode convencer Trump a atacar a Venezuela é sobretudo possíveis lucros nas eleições de 2020. Até lá a questão tem que estar resolvida a contento. O quão longe ele irá para isso? A opção militar é mais do que uma ameaça verbal? Até que ponto Trump joga com os europeus o jogo do bom policial e do mau policial para obrigar Maduro a negociar?
No pôquer venezuelano, todas as cartas ainda não estão na mesa.
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Maduro reprime tentativa da oposição de entrar no país com ajuda humanitária a partir da Colômbia e do Brasil. Confrontos entre manifestantes e militares deixam mortos e centenas de feridos em cidades fronteiriças.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/H. Matheus
Comboios de ajuda humanitária
A oposição liderada por Juan Guaidó com apoio dos governos brasileiro, colombiano e de outros países da região buscou reforçar a pressão sobre o regime de Nicolás Maduro com o envio de ajuda humanitária para a Venezuela a partir do Brasil e da Colômbia, mas a tentativa foi duramente reprimida pelo governo venezuelano ao longo do sábado (23/02).
Foto: Getty Images/AFP/N. Almeida
Fronteiras reforçadas
Maduro mandou fechar as fronteiras da Venezuela com o Brasil e com a Colômbia para impedir a entrada de ajuda humanitária, reforçando os bloqueios com militares das Forças Armadas venezuelanas instalados nas divisas. O líder chavista alega que o ingresso de ajuda não passa de um pretexto para os Estados Unidos promoverem um golpe de Estado no país.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Llano
Confrontos na fronteira brasileira
Na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, conflitos irromperam quando dois veículos carregados de ajuda humanitária foram impedidos de prosseguir. Militares do regime chegaram a lançar gás lacrimogêneo contra manifestantes opositores que estavam do lado brasileiro, enquanto estes atiraram coquetéis molotov contra soldados venezuelanos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/I. Valencia
Mortos e feridos
Choques na cidade fronteiriça de Santa Elena de Uairén, na divisa com Roraima, teriam deixado ainda ao menos quatro mortos, segundo informações de uma ONG e de um deputado venezuelano da oposição. Além disso, vários feridos foram levados para hospitais no Brasil, muitos com ferimentos a bala. Na véspera, outras duas pessoas já haviam sido mortas por forças do regime na região.
Foto: Reuters/R. Moraes
Choques na fronteira colombiana
Confrontos violentos também foram registrados na fronteira da Venezuela com a Colômbia. Na cidade venezuelana de Ureña, onde fica uma das pontes que conectam os dois países, tropas chavistas dispararam gás lacrimogêneo e balas de borracha contra manifestantes.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Llano
Veículos incendiados
Caminhões carregando ajuda humanitária também foram impedidos de entrar na Venezuela a partir da fronteira com a Colômbia. Na ponte Francisco de Paula Santander, que liga a cidade de Cúcuta a Ureña, pelo menos dois veículos foram incendiados. Manifestantes conseguiram salvar parte da carga. A oposição culpou membros de grupos paramilitares chavistas pelos incêndios.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Abd
Centenas de feridos
Na ponte Simón Bolívar, mais ao sul, também houve uma série de confrontos, com manifestantes atirando pedras e coquetéis molotov nos militares venezuelanos a partir do lado colombiano. Os choque ao longo de toda a fronteira entre a Colômbia e a Venezuela deixaram ao menos 285 feridos, sendo 255 cidadãos venezuelanos e 30 colombianos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Llano
Maduro em Caracas
Enquanto os confrontos eclodiam nas fronteiras, Maduro resolveu encenar uma demonstração de força na capital, Caracas. Em um discurso de mais de uma hora diante de uma multidão de apoiadores, ele lançou acusações contra os Estados Unidos, prometeu defender a Venezuela de intervenções estrangeiras e anunciou o rompimento das relações diplomáticas com a Colômbia.
Foto: Reuters/M. Quintero
Guaidó em Cúcuta
Por sua vez, o líder oposicionista Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente interino da Venezuela e foi reconhecido por 50 países, defendeu a entrada de ajuda humanitária em seu país e ajudou a organizar uma procissão de caminhões carregando mantimentos a partir da Colômbia. Após o fracasso das tentativas de furar os bloqueios militares, ele acusou Maduro de crime de lesa humanidade.
Foto: Reuters/M. Bello
Deserção de militares
O dia de tensões também foi marcado pela deserção de dezenas de militares venezuelanos. Segundo Bogotá, mais de 60 membros das Forças Armadas da Venezuela fugiram do país e buscaram refúgio na Colômbia ao longo do sábado. Entre eles há oficiais do Exército, da Marinha, da Guarda Nacional, da Polícia Nacional Bolivariana e das Forças Especiais.