1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Rússia deve arcar com reconstrução da Ucrânia

24 de maio de 2022

Os bilhões de dólares em divisas russas congelados no exterior devem ser usados para reerguer a Ucrânia após a guerra de Putin. E os invasores que não venham apelar ao direito internacional, opina Miodrag Soric.

Em três meses, guerra de Putin deixou longo rastro de destruição e morte na UcrâniaFoto: Alexander Ermochenko/REUTERS

Não, ao solicitar a filiação à Otan, a Finlândia não cometeu um "erro", como afirma o presidente russo, Vladimir Putin. Quem cometeu um erro foi antes ele, ao atacar a Ucrânia. É só por isso que também a Suécia está se candidatando à aliança ocidental de defesa: sem a guerra da Rússia, os escandinavos jamais teriam tido a ideia de procurar proteção junto a ela.

Só que Putin não pode admitir seu fracasso político em desvantagem do próprio país. Como sempre, ele culpa outros – portanto desta vez são os finlandeses. Dizer a verdade seria uma admissão de culpa. E para o ex-oficial da KGB, a verdade em si é algo perturbador: na Rússia ela é negada, recalcada, distorcida.

Como no 1984 de Orwell

Os russos não podem chamar a guerra de Putin pelo nome. A mídia de Moscou, controlada pelo Estado, fala de "operação especial", "ataques preventivos", da suposta "libertação" dos russos no país vizinho. Ela tem que calar o fato de que mesmo os russos da Ucrânia insultaram as tropas russas como invasoras.

Para o chefe do Kremlin, até o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, que é de fé judaica, se transforma em "nazista". Ele afirma que tudo está correndo de acordo com os planos, mesmo que seu Exército esteja engolindo uma derrota atrás da outra.

Putin é como o "Grande Irmão" do romance de George Orwell 1984, no qual a massa também é convencida de que ignorância é força, a história é manipulada. A TV russa é a imagem do "Ministério da Verdade": ela propaga ódio, mentiras, teorias de conspiração.

Assim como no romance, as forças de segurança fazem desaparecer os "inimigos do povo". Todas as mentiras, o ódio contra inimigos inventados, contra a Ucrânia, o "Bloco da Otan", os liberais, contra quem quer que seja, tudo isso visa manter os russos unidos, preparar para tempos difíceis, mobilizar. Espalha-se o medo.

O modelo para o romance de Orwell foi a União Soviética, cujo fundamento era a mentira. O Partido Comunista propagava a paz mundial e travava guerra no Afeganistão; a mídia louvava o patriotismo soviético; cinismo e economia de penúria determinavam o dia a dia.

No fim, o império dos operários e agricultores implodiu. E desta vez o colapso da Rússia será pior do que em 1991: Putin isola seu país do resto do mundo, a futura potência mundial China está só aguardando.

Gerações de inimigos mortais

As sanções do Ocidente não são uma finalidade em si: sua meta é dar fim à guerra da Rússia. Mas sanções econômicas precisam de meses até lograr efeito. A Rússia é como um peixe num aquário em que se fez um pequeno furo, e a água vai vazando lentamente. Muitos russos ainda acham que seu dia a dia quase não será afetado pela guerra. Isso vai mudar.

Esquerda, direita, Brasil e a guerra na Ucrânia

08:27

This browser does not support the video element.

Além disso, o próprio conflito enfraquece o país. Guerras custam bilhões, os efeitos de longo prazo para a economia nacional serão devastadores, sem se falar da moral da população.

Putin conseguiu transformar os russos em inimigos mortais para a maioria dos ucranianos, por gerações: eles não vão esquecer o que lhes fizeram, vão lembrar que, de Kaliningrado a Vladivostok, tantos russos aceitam indiferentes essa carnificina e destruição sem sentido, ou até a apoiam.

Quanto tempo a guerra ainda vai durar, ninguém sabe. Só uma coisa é certa: a cada dia as Forças Armadas da Ucrânia se tornam mais fortes, pois só pouco a pouco as armas ocidentais estão chegando até os defensores, que ficam cada vez mais confiantes.

Rússia deve dar suas divisas por perdidas

Membros do governo ucraniano já começam a profetizar uma vitória até o fim do ano, fazem planos para a reconstrução do país. Esta custará centenas de bilhões, com os quais os causadores dos danos – ou seja, os contribuintes russos – terão que arcar.

Centenas de bilhões de dólares em reservas de divisas russas estão presas em contas no exterior, verbas estatais congeladas no âmbito das sanções. Normalmente o direito internacional protege esse dinheiro, pois originalmente ele pertence à Rússia. Porém Putin não pode mais apelar ao direito internacional: por demasiadas vezes ele próprio o massacrou a golpes de botas, a cada dia o mundo testemunha os crimes de guerra do Exército russo.

Por isso se deve transferir esse dinheiro para a Ucrânia, em parcelas mensais, para que Kiev possa cobrir os custos correntes do país que sofre sob a guerra: pensões para os aposentados, salários do funcionalismo público, reparos e reconstrução da infraestrutura destruída pelos russos.

Transferir gradualmente esse dinheiro teria a vantagem de prevenir a corrupção. Seja como for, a Rússia deve dá-lo por perdido. Para a Ucrânia, ele seria a ajuda para um recomeço.

--

Miodrag Soric é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.

Pular a seção Mais sobre este assunto