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ReligiãoGlobal

Reação de Bento 16 a investigação sobre abusos é ultrajante

21 de janeiro de 2022

Relatório de 1.900 páginas que faz um balanço do horror de abusos de menores aponta inação do papa emérito quando ele era arcebispo de Munique. E a resposta dele é trágica, escreve Christoph Strack.

Cardeal Reinhard Marx (de preto) é arcebispo de Munique desde 2007. Ratzinger o foi de 1977 a 1982Foto: maria grazia picciarella/infophoto/picture alliance

Antes de Joseph Ratzinger se tornar papa, em abril de 2005, os críticos o chamavam de "cardeal blindado". Alguém agiu resolutamente e com frieza em temas relacionados a teologia e Igreja. Logo após sua eleição, seguiram-se relatos de que o homem supostamente blindado podia rir, era até sensível - algo que causou espanto por todo lado.

Agora, Joseph Ratzinger recebe mais um atributo. Um dos advogados cujo escritório lidou durante muitos meses com abusos na antiga arquidiocese de Ratzinger em Munique atestou ao ancião de quase 95 anos "uma maneira muito concreta de agir". Uma pá de concreto contra a acusação de ter acobertado abusos sexuais.

"Balanço do horror"

As aproximadamente 1.900 páginas compiladas por um escritório de advocacia de Munique sobre o tratamento dado a casos de abuso sexual pela arquidiocese de Munique e Freising são um "balanço do horror", repetiu literalmente um dos advogados várias vezes. Os grossos arquivos são também um documento da história da Igreja − eles representam uma nova dimensão, uma nova etapa no esclarecimento.

Seis arcebispos encabeçaram essa arquidiocese desde 1952. Todos eles já haviam sido cardeais antes ou foram elevados a cardeais ao ocuparem o cargo. Todos os seis, sem exceção, foram considerados culpados em número variável de condutas claramente incorretas ao lidar com casos de abuso sexual. Três dos seis ainda estão vivos. E, de 1977 a 1982, Joseph Ratzinger foi arcebispo de Munique, tendo depois continuado sua carreira em Roma e ascendido ao trono de São Pedro como Bento 16 em 2005. É por isso que todo o mundo católico parecia olhar enfeitiçado para Munique nesta quinta-feira.

Considerando os cinco anos de Ratzinger na arquidiocese, os especialistas falam de quatro casos de má conduta nos quais o arcebispo deveria ter agido mas não o fez. Por exemplo, no caso de clérigos cujos atos de abuso eram conhecidos e continuaram com sua função pastoral.

O próprio Ratzinger se posicionou em uma declaração de 82 páginas, na qual rejeita "alegações", afirma "não ter sabido" ou não se lembrar concretamente. E nega firmemente ter participado de uma reunião na qual foi discutido um caso particularmente desagradável de acobertamento. No entanto, os especialistas provam com detalhes confiáveis que Ratzinger estava lá sim.

A própria Igreja não pode analisar seu passado

A carta de Ratzinger é um documento ultrajante e, ao mesmo tempo, trágico. Não se quer mais lê-la depois que este grande teólogo explica que, como pré-requisito para os procedimentos do direito canônico, seria exigido "um delito consumado destinado a despertar o desejo sexual". Atenção: estamos falando de lidar com menores de idade.

Quatro pontos resultam das revelações:

1 − É importantíssimo que os juristas tenham abordado muito explicitamente a importância das vítimas, os sobreviventes da violência sexual, lhes agradecido, reconhecido sua coragem, sua abertura. Qualidades que eles não atribuíram a nenhum clérigo. E eles têm razão em exigir a criação de um gabinete de ouvidoria para representar os interesses das vítimas. É uma questão de lidar apropriadamente com elas, o que os religiosos dificilmente podem fazer.

2 − É importante observar as paróquias nas quais os sacerdotes infratores trabalharam e às quais a Igreja deveria prestar muito mais atenção. Congregações, amizades, famílias já caíram em descrédito e desapontamento. Aqui também a Igreja está pecando contra sua base.

3 − A Igreja obviamente não pode revisar seu passado ela própria – a Justiça estatal deve intervir de forma mais decisiva. Isto é demonstrado não apenas pelo documento frio de Joseph Ratzinger. Dois dias antes da publicação da perícia de Munique, pela primeira vez foi julgado um arcebispo em Colônia − outro foco de acobertamento e apaziguamento eclesiástico.

E ele foi testemunha. Uma testemunha no processo contra um suposto sacerdote infrator. O dignitário, Dom Stefan Hesse, arcebispo de Hamburgo, apresentou-se subitamente diante do juiz e teve que responder de forma concisa, precisa e − de acordo com os presentes − também de forma mansa. Isso mostra que os advogados ou juízes do Estado devem fazer avançar o esclarecimento. O Estado deve, se assim o desejar, assumir a tarefa de esclarecer as acusações. Isso também para que as vítimas não tenham mais que se arranjar de alguma forma com os perpetradores ou com a organização dos perpetradores.

E finalmente:

4 − Esta Igreja clerical e episcopal, que se esforça para encobrir sua sujeira, não é mais a Igreja do presente. Se se pode perceber uma linha nas declarações ocasionalmente estranhas do papa Francisco, é o esforço de manter vivo o anseio por Deus. E a Igreja? De alguma forma, isso também aparece. Mas a exaltação dos dias passados já ficou para trás. A Igreja Católica dos padres será capaz de lidar com isso?

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Christoph Strack é redator da DW e especialista em religião. O texto reflete a opinião pessoal do autor, e não necessariamente da DW.

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