Alemanha debate se estudantes e imigrantes devem ser obrigados a visitar antigos campos de concentração nazistas. Para o jornalista Marcel Fürstenau, obrigatoriedades podem ter efeitos indesejados.
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O antissemitismo tem muitas faces, todas horríveis: suásticas em fachadas e cemitérios judaicos, bandeiras de Israel queimadas em protestos, ataques a judeus. A Alemanha, ao que parece, está sendo atingida por uma nova onda de ódio contra tudo o que é judeu.
O fenômeno por trás disso é há muito conhecido: posições antissemitas são amplamente disseminadas entre a população alemã há anos. Apesar dos crimes contra a humanidade cometidos em nome da Alemanha durante a era nazista, elas nunca desapareceram do país.
A diferença agora é: os ressentimentos são postos para fora de forma cada vez mais desinibida e inescrupulosa. Na mesma medida é o assombro: como isso pôde acontecer? Afinal, há décadas que a Alemanha lida com sua própria culpa de forma exemplar e é vista como modelo em muitos países, e com razão. Ainda assim, alguma coisa deve ter dado errado. Um diagnóstico comum é que se fala muito pouco sobre a era nazista nas escolas. Uma queixa semelhante, aliás, refere-se à ditadura comunista no Leste.
Se for mesmo assim, a solução para o problema seria muito simples: mais e melhor educação. Só que essa melhora não começa com visitas obrigatórias a antigos campos de concentração, como alguns políticos agora sugerem.
A ideia é bem-intencionada, mas pode ser maçante para muitas pessoas ou, no pior dos casos, gerar rejeição. O antifascismo ordenado de cima, na antiga Alemanha Oriental, nos ensina aonde leva a rememoração determinada pelo Estado. Também a suposta amizade teuto-soviética foi enrijecida em rituais.
Uma sociedade livre também tem dificuldades de lidar da forma correta com a rememoração. Ainda assim ela o faz de forma voluntária e acompanhada de um debate livre. Deve-se lembrar, aqui, o longo e às vezes exacerbado debate sobre a construção do Monumento ao Holocausto, ao lado do Portão de Brandemburgo, em Berlim. Ou os protestos originados pelo escritor Martin Walser em 1998, quando ele falou de uma "clava moral Auschwitz". O lado bom destes e de outros debates foi dar novos impulsos à reflexão alemã sobre a própria e incomparável culpa. Eles se tornam necessários, no mais tardar, quando rememoração e reflexão se tornam rotina.
Se não houvesse nenhuma relação entre passado e presente no tema antissemitismo, não haveria também qualquer debate sobre visitas obrigatórias a antigos campos de concentração. Mas quem visita Buchenwald, Dachau, Sachsenhausen, Auschwitz ou qualquer outros desses centros do terror deveria fazer isso de livre e espontânea vontade. Sobretudo é necessário – tanto para alemães como para imigrantes – um preparo intelectual e emocional. E aí parece ainda haver uma grande defasagem, apesar de todos os esforços.
Diminuí-la de forma considerável seria a primeira e mais importante tarefa. O resto vem por si. Para algumas pessoas, a simples visão de uma pedra de tropeço com o nome de um judeu assassinado pode ter um efeito maior do que a visita a um antigo campo de concentração. Empatia é algo que não se pode determinar de cima – ainda bem.
A arte e os horrores de Auschwitz
Exposição em Berlim mostra a obra de artistas que sobreviveram aos campos de concentração nazistas. Além de documentar atrocidades, eles fizeram arte.
Foto: Staatliches Museum Auschwitz-Birkenau in Oœwiêcim
Os artistas esquecidos
Enquanto a chamada "arte degenerada" dos artistas perseguidos pelo nazismo desperta atenção, quase ninguém conhece o trabalho dos artistas que estavam em campos de concentração. Pintores como Waldemar Nowakowski (foto) estão quase esquecidos. Por isso a importância do livro e da exposição "A morte não tem a última palavra", a ser aberta no prédio do Bundestag em Berlim, a partir de 27 de janeiro.
Foto: Staatliches Museum Auschwitz-Birkenau in Oœwiêcim
Horrores de Theresienstadt em gravura
Por mais de 15 anos, o autor, curador e historiador de arte Jürgen Kaumkötter se dedicou à arte dos perseguidos entre 1933 e 1945. Para isso, não considerou apenas quadros que surgiram nessa época, mas também aqueles que tematizaram os acontecimentos em retrospecto. Leo Haas executou esta gravura sobre Theresienstadt em 1947. Mas há também obras feitas no campo de concentração.
Foto: Bürgerstiftung für verfolgte Künste – Else-Lasker-Schüler- Zentrum – Kunstsammlung Gerhard Schneider
Pinturas no "museu do campo"
É sabido que artistas pintaram em Theresienstadt. Mas também em Auschwitz 1 houve um "museu do campo". Lá havia lápis, papel, pincéis à disposição dos artistas, para que executassem encomendas para a SS. Outros motivos surgiram secretamente. Em contrapartida, praticamente não há obras de arte oriundas de Auschwitz 2. Na foto: "Autorretrado de Marian Ruzamski", de 1943/44.
Foto: Staatliches Museum Auschwitz-Birkenau in Oœwiêcim
Imagem de sonhos em Auschwitz
O artista Jan Markiel criou esse retrato, em 1944, sem os materiais que tinha oficialmente à disposição em Auschwitz 1. A filha do padeiro do vilarejo próximo de Jawiszowice ajudou o prisioneiro trazendo pão e intermediando mensagens para a resistência. A têmpera utilizada pelo artista veio de pigmentos raspados da parede. O tecido grosso dos colchões de palha serviu como tela.
Foto: Staatliches Museum Auschwitz-Birkenau in Oœwiêcim
Testemunha dos crematórios
Em 1942, aos 13 anos, Yehuda Bacon (na foto, à dir.) veio para Theresienstadt e, em dezembro de 1943, para Auschwitz-Birkenau. Ele foi utilizado como mensageiro – podendo se aquecer nos fornos dos crematórios no inverno. O que testemunhou, ele relatou não somente durante o célebre Julgamento de Auschwitz em Frankfurt, mas também expressou nos desenhos que executou após a guerra.
Foto: Bürgerstiftung für verfolgte Künste – Else- Lasker-Schüler-Zentrum – Kunstsammlung Gerhard Schneider
Símbolo da morte
Yehuda Bacon mostrou esse desenho aos juízes em Frankfurt, como prova dos crimes cometidos em Auschwitz: chaminés retangulares dos crematórios, um chuveiro, pessoas que são apenas esboços. Para o historiador da arte Kaumkötter, esse desenho é um símbolo da morte nas câmaras de gás e da sepultura nos céus. Trata-se não somente de um testemunho, mas também de uma grande obra de arte.
Foto: Yehuda Bacon
A segunda geração
Michel Kichka é um dos cartunistas mais influentes de Israel. Em 2014, ele publicou a novela gráfica "Segunda geração – o que o meu pai nunca me contou", sobre o menino Kichka e o seu pai, sobrevivente de Auschwitz. Os traumas do pai passaram para o filho. Somente quanto ouve o pai contar piadas sobre o campo, Kichka consegue superar seus pesadelos.
Foto: Egmont Graphic Novel
Metáforas do Holocausto
Também os pais da artista israelense Sigalit Landau são sobreviventes do Holocausto, e o professor de desenho dela foi Yehuda Bacon, que trabalha até hoje como artista e professor de arte em Israel. Os trabalhos de Landau são repletos de alusões metafóricas ao Holocausto, como estes sapatos, que logo lembram a montanha de calçados que ainda hoje pode ser vista na exposição permanente de Auschwitz.
Foto: Sigalit Landau
A morte não tem a última palavra
Sigalit Landau coletou cem pares de sapatos em Israel e os afundou no Mar Morto. O mar os envolveu com uma camada de sal curativa – eles se tornaram símbolo da vida, em vez da morte. O desejo da artista era mostrá-los em Berlim, como sinal de que a esperança derrota o desespero. A mostra "A morte não tem a última palavra" está em cartaz até o dia 27 de fevereiro no prédio do Bundestag, em Berlim.