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Opinião: Silêncio nos cem anos da Revolução Russa

Karl Schlögel
5 de novembro de 2017

Feriado que um dia ensejou grandes celebrações poderia hoje servir ao menos para a reflexão na Rússia. Mas Putin tirou apenas uma lição da queda do Império, opina o historiador Karl Schlögel.

Lenin
Foto: picture alliance/CPA Media Co. Ltd

O 7 de Novembro, aniversário da "Grande Revolução Socialista de Outubro", era o feriado mais importante do calendário soviético, antes até do 1º de Maio e também do Dia da Vitória, o 9 de Maio. Havia desfiles, corais e fogos de artifício. Agora, no jubileu de cem anos, o clima não é de festa. Em muitos países haverá ao menos exposições e conferências sobre esse "evento único a cada século", mas, nos palcos originais, na Rússia, predominam o desinteresse e a indiferença. A ideia de encenar o "Ataque ao Palácio de Inverno", em São Petersburgo, foi rejeitada.

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Isso faz surgir a pergunta: o que significa esse silêncio a respeito de um evento que, ao longo de quase cem anos, foi festejado como marco fundador da União Soviética e cisão na história mundial? E por que, no lugar da celebração da revolução, foi criado um novo feriado, em 2005: o Dia da Unidade Popular, em 4 de novembro? O dia lembra a expulsão dos poloneses de Moscou, em 1612, e, com ela, o fim do período conhecido como Tempo de Dificuldades e o começo do domínio da dinastia Romanov.

Uma espiada nos jubileus passados mostra que cada época teve sua própria interpretação do Outubro Vermelho. Em 1927, no décimo aniversário, Sergei Eisenstein produziu as imagens do ataque ao Palácio de Inverno, que nunca aconteceu daquele jeito, e um dos heróis, Leon Trótski, foi vitimado em favor dos retoques na história. Em 1937, os festejos coincidiram com o Grande Expurgo desatado por Josef Stalin, o qual incluiu também o assassinato de figurões da "Velha Guarda" revolucionária. A parada militar de 1941, na Praça Vermelha, tornou-se lendária porque ela demonstrou que Moscou poderia resistir ao ataque dos alemães. Em 1957, ou 20 anos depois do Congresso que condenou o culto à personalidade de Stalin, já não se falava mais sobre o suposto papel de liderança dele no Outubro Vermelho, mas do retorno ao "leninismo autêntico".

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No jubileu de 50 anos, em 1967, o destaque era a presença de personalidades, principalmente do então chamado Terceiro Mundo. A partir daquele ano, o jubileu se tornou cada vez mais um feriado com tons populares, longe da política. E em 1987, depois do início da Glasnost e da Perestroika, ganhou peso o debate sobre uma interpretação radical da Revolução Russa e suas consequências: pessoas que até então eram tabus, como Nicolai Bucharin, reapareceram, e escritos proibidos durante décadas voltaram a ser impressos em larga escala.

Nos anos 1990, o interesse pelo feriado arrefeceu, e ele passou a ser lembrado apenas por membros do diminuto Partido Comunista. Pelo jeito, as pessoas estavam mais ocupadas com os problemas cotidianos do período pós-soviético do que com os "ideais de outubro".

E hoje? Na verdade, a crescente desigualdade social, a violência e a instabilidade – também mundo afora – recomendam a reflexão sobre os motivos dessas tensões e sobre a necessidade urgente de reformas. A evocação da unidade contra o inimigo externo e seus agentes não conseguiu salvar o Império Russo, que desabou sob o peso da Primeira Guerra Mundial. E também hoje não oferece nenhuma perspectiva para a Rússia pós-soviética. Todos sabem que as dificuldades para a modernização do país estão nos problemas internos.

A recriação do Império Russo, em 1922, sob a forma da União Soviética, mais uma vez sobrecarregou a Rússia com o peso de um império multiétnico e bloqueou por décadas a sua transformação numa nação de cidadãos modernos e autoconfiantes. A política de Vladimir Putin tirou apenas uma lição do fracasso do império do czar: o medo da mudança e a manutenção da ordem a quase qualquer preço. Mas isso é muito pouco em tempos em que a modernização do país só pode ocorrer com os cidadãos e as instituições para isso necessárias, e não contra eles ou sem eles.

Karl Schlögel é historiador especializado em história russa moderna e stalinismo e ex-professor na Universidade Viadrina, em Frankfurt ao Oder.

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