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Solidariedade é o verdadeiro antídoto para o coronavírus

27 de março de 2020

É difícil acreditar, mas tem gente dizendo que uma crise econômica é pior do que os milhares de mortos pela covid-19. Isso não faz o menor sentido, opina o jornalista da DW Henrik Böhme.

Caminhões militares transportam mortos na Itália Foto: picture-alliance/Photoshot

É uma pergunta para a qual não há resposta. Eu, pelo menos, não tenho nenhuma. Alguns acham que têm. A questão em torno da qual atualmente se desenrola um debate que mete medo é: o que vale mais para nós? Proteger a saúde de todos ou proteger a economia de uma crise devastadora?

Faz décadas eu eu escrevo sobre o impacto econômico de crises de todos os tipos. Após os ataques de 11 de Setembro, após a falência do banco Lehman Brothers. Eu presenciei até mesmo o colapso completo de um sistema, em 1989, na antiga Alemanha Oriental. E agora esse vírus invisível, imperceptível, ainda desconhecido.

Esse desconhecimento é o que o torna tão perigoso, que nos deixa tão assustados, que nos faz suportar proibições de contato social e de circulação, restrição da liberdade de movimento, paralisação da vida econômica e pública. São imagens apocalípticas.

Aprendemos a lidar com cifras ainda maiores do que nos tempos da crise financeira global. O pacote de ajuda dos EUA é de 2 trilhões de dólares, o Banco Central Europeu (BCE) está disponibilizando 750 bilhões de euros de resgate; o governo alemão, 600 bilhões de euros.

Tais pacotes estão sendo preparados em todo o mundo. E, é claro, muitos se perguntam: quem vai acabar pagando a conta? Vai acontecer o mesmo que aconteceu após a crise financeira, da qual muitos países saíram completamente endividados?

Aí, a ordem passou a ser economizar, especialmente nos benefícios estatais, na saúde, na educação e também nos investimentos públicos. Existem estudos sérios realizados por médicos britânicos que afirmam que a crise financeira entre 2008 e 2010 resultou em mais de 500 mil mortes adicionais apenas por câncer porque os pacientes não receberam o tratamento médico necessário devido a medidas de austeridade ou pelo desemprego (e a subsequente perda de cobertura do seguro de saúde).

Agora, de novo, as coisas são postas na balança. Quantos mortos queremos e quanto podemos nos permitir? A pergunta também pode ser feita de outra maneira: quanto vale uma vida humana para nós? Podemos mesmo fazer esse tipo de conta, como fez o analista financeiro Alexander Dibelius (gestor de private equity, ex-chefe da Goldman Sachs na Alemanha), que perguntou: é correto salvar os 10% da população particularmente ameaçados pelo coronavírus, enquanto o restante, incluindo toda a economia, é extremamente prejudicado, com a possível consequência de que a base da nossa riqueza fique para sempre corroída?

Dá pra ser mais frio do que isso? Mais calculista? E isso que ele estudou medicina. E o juramento de Hipócrates? São necessárias imagens ainda mais contundentes do que aquelas que nos chegam da Itália? Onde os médicos são confrontados com a decisão desumana de quem tratar e quem deixar morrer.

Impedir o colapso dos sistemas de saúde é o objetivo central do atual isolamento social e da paralisação da vida pública. Pois se essas mesmas condições prevalecerem em outros países, muitos outros pacientes também irão morrer, por exemplo os que deram entrada com um ataque cardíaco agudo ou um AVC. Meros danos colaterais, para o Dr. Dibelius. Também as mais de um milhão de mortes nos EUA, projetadas pelo Imperial College de Londres? E mais uma pergunta para o Dr. Dibelius: o senhor leu sobre os estudantes de medicina que tiveram de embalar os mortos em sacos e removê-los em Mühlhausen, na França?

Claro que a paralisação econômica é um enorme problema. Para o bar da esquina, que mal conseguia sobreviver. Para a diretora que viu todas as suas apresentações do próximo meio ano serem canceladas. Para as agências de eventos, para os serviços de catering. A lista é interminável. Ou para as empresas realmente grandes: a Lufthansa, que está com quase toda a frota em terra porque voar simplesmente não é um bom negócio no momento.

A Volkswagen, que queria festejar o lançamento do seu novo carro elétrico em meados do ano, parou as linhas de produção. Tudo cancelado. Mas também isso deixa clara a dimensão da crise. Claro que as fábricas da VW e de muitas outras empresas foram fechadas porque a saúde dos funcionários é prioridade. Mas, por outro lado, se ninguém está mesmo comprando carros, a produção iria parar no depósito.

E assim o vírus entra em nossos sistemas, em nossas sociedades, corta nossas liberdades, leva-nos a uma perda de controle, estremece nossa crença de que temos uma solução para todos os problemas. E nos traz a grande recessão.

Mesmo assim, não é hora de fazer triagem nem de confinar idosos (a propósito, jovens também morrem pelo coronavírus) para que a economia volte a crescer. Os cientistas estão cientes dos danos sociais e econômicos causados pelas medidas atuais. Mais tarde serão necessários ajustes na economia.

Não, temos que respirar fundo e seguir em frente com a paralisação, proteger a plantinha da solidariedade que brotou durante a crise no meio de uma sociedade profundamente egoísta. Esse é o verdadeiro antídoto para o coronavírus.

Quanto à economia, vamos conseguir pô-la novamente nos trilhos. Disso eu tenho certeza.

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