A União Europeia elaborou um histórico pacote financeiro em velocidade relâmpago, considerando suas circunstâncias. Essa enorme solidariedade mudará o bloco para sempre, opina o correspondente em Bruxelas Bernd Riegert.
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Os últimos quatro dias da Cúpula Extraordinária da União Europeia (UE) foram difíceis. Mas no final ainda acabou sendo alcançado um acordo robusto. E isso é o que importa. Em comparação com outras buscas de consenso na UE, desta vez as negociações orçamentárias foram realmente rápidas. Impulsionadas pela crise do novo coronavírus, elas levaram apenas três meses, desde a apresentação do fundo de reconstrução até a decisão desta manhã.
Não se deve usar a palavra com muita frequência, mas este acordo é realmente histórico. Pela primeira vez, aos países da UE estão contraindo dívidas em conjunto para amortecerem, juntos, a crise econômica dos Estados-membros. O que alguns meses atrás ainda era impensável, ou seja, fundos mútuos e uma união de dívidas, agora é possível. Este passo historicamente correto se tornou possível com a virada da Alemanha, antes do bloco dos austeros, para o conceito de política orçamentária comunitária e de soberania financeira propagada pelo presidente francês, Emmanuel Macron. Esta reviravolta é provavelmente a maior realização da chanceler federal Angela Merkel na política europeia.
As consequências da pandemia forçam os 27 países-membros a uma cooperação que eles mesmos até recentemente consideravam impensável. A contração conjunta da dívida é um meio bem-vindo, pois dificilmente sobrecarrega os orçamentos nacionais hoje, mas é um empréstimo para a próxima geração. É preciso difundir isso e informar os jovens. Em algum momento, eles terão que pagar esta dívida. Por outro lado, este fundo de reconstrução talvez garanta sua formação profissional ou assegure seus empregos.
O rápido êxito da cúpula mostra ao mundo que, apesar de todas as divisões e diferenças de opinião, a União Europeia consegue agir quando é necessário. Nesse caso, a UE serviu como uma espécie de escudo protetor, o que não tem similar no resto do mundo. Nem nas Américas, nem na Ásia, nem na África, países recebem injeções de estímulo econômico de comunidades supranacionais baseadas na solidariedade.
Mesmo que os "cinco austeros" quisessem dar menos e os destinatários quisessem receber mais, no final, triunfaram a solidariedade e o espírito comunitário. O pacote de 1,8 trilhão de euros é uma enorme redistribuição dos mais fortes para os mais fracos. A cúpula em Bruxelas, que não deixa de ser um sucesso da presidência alemã, entrará como guinada memorável para a história da UE.
A única imperfeição: não foi possível usar alavancas financeiras para impor limites à Polônia e à Hungria, que violam os princípios democráticos e são brandas as providências tomadas para a averiguação do Estado de direito. Isso teve que ser aceito para não comprometer a unanimidade de todo o compromisso. Continuam sem solução os problemas com a Polônia e a Hungria, que exploram descaradamente a solidariedade dos demais sem dar nada em troca. A cúpula em Bruxelas não foi capaz de acabar com todos os problemas.
Esse fundo de reconstrução é apenas uma parte das medidas de apoio necessárias na crise do coronavírus. Os números parecem enormes, mas ainda mais dinheiro está fluindo dos programas nacionais e, acima de tudo, das compras de títulos do Banco Central Europeu. Para causar uma verdadeira reviravolta, como deseja o ministro alemão das Finanças, e atingir o efeito desejado, o dinheiro teria de ser repassado já depois de amanhã. O planejado pagamento entre 2021 e 2023 pode ser muito tardio e lento.
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A desigualdade econômica na União Europeia
As diferenças nos padrões de vida entre países da União Europeia são extremas. Mas, dependendo de como a riqueza é medida, há algumas surpresas – até quando se trata das nações em crise do bloco.
Foto: picture-alliance/dpa/D. Kalker
Bulgária: salários baixíssimos
A Bulgária é considerada o país mais pobre da União Europeia e também aquele onde a corrupção é mais generalizada no bloco. Segundo a Germany Trade and Invest (GTAI), a renda bruta média em 2018 foi de apenas 580 euros por mês. Desde que o país ingressou na UE, vários jovens búlgaros deixaram sua terra natal, sendo muitos deles profissionais qualificados.
Foto: BGNES
Romênia: o penúltimo lugar no ranking econômico da UE
Não se deixe enganar pela riqueza de cidades pitorescas cuidadosamente restauradas, como Brasov (foto), na Transilvânia. Com um Produto Interno Bruto (PIB) de 11.440 euros per capita (2019), o país está, de fato, numa posição melhor do que a Bulgária (8.680 euros). Mas com um salário médio bruto de 1.050 euros em 2019, ainda fica bem atrás da Alemanha (3.994 euros).
Foto: Imago Images/Design Pics/R. Maschmeyer
Grécia: saindo de uma crise para entrar em outra
Quando o país estava apenas começando a se recuperar dos efeitos da crise da dívida, em grande parte graças ao turismo dos últimos anos, veio a crise do coronavírus. Ainda que tenha um PIB per capita de cerca de 17.500 euros - aproximadamente o dobro do da Bulgária -, o país é considerado pobre se comparado à Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/VisualEyze
França: país de proprietários de imóveis
Quando o assunto é riqueza média, os franceses estão muito à frente dos alemães. Com um patrimônio líquido de 26.500 euros (2018) per capita, os franceses possuem quase 10.000 euros a mais, de acordo com dados da Allianz, em parte devido à baixa participação imobiliária dos alemães. Na França, muitos chegam a ter até uma segunda casa no interior.
Foto: picture alliance/prisma/K. Katja
Itália: sem crescimento e altas dívidas
Entre os países europeus, a Itália foi particularmente atingida pela covid-19, com a cidade de Bérgamo rendendo manchetes como o epicentro da pandemia. Após cerca de duas décadas de estagnação econômica, o país é hoje um dos que defendem a distribuição de ajuda devido à pandemia entre os membros da UE. Com um PIB de 29.610 euros (2018) per capita, a Itália fica pouco abaixo da média do bloco.
Foto: AFP/P. Cruciatti
Espanha: o pavor de uma segunda onda
Após um forte aumento nas infecções por covid-19, as autoridades da Catalunha reimpuseram limitações de circulação em julho. O país é extremamente dependente do turismo, que representa cerca de 15% do PIB. Com uma produção econômica per capita de 26.440 euros (2018), a Espanha fica abaixo da média da UE, de pouco menos de 31.000 euros.
Foto: Reuters/N. Doce
Suécia: muita prosperidade, altos impostos e sem confinamento
A Suécia resolveu enfrentar a crise do coronavírus sem lockdown, o que, em comparação com seus vizinhos, acabou provocando muitas mortes. Com um PIB de 46.180 euros per capita, a Suécia fica em quinto lugar na Europa, atrás de Luxemburgo, Irlanda, Dinamarca e Holanda. Apesar dos altos impostos, os suecos ficaram à frente dos franceses em 2018, com um patrimônio líquido de 27.511 euros.
Foto: imago images/TT/J. Nilsson
Países Baixos: riqueza e produção econômica elevadas
Ao lado da Suécia, Dinamarca e Áustria, os holandeses estão entre os países que rejeitam transferências bilionárias sem contrapartida de reformas para países como a Itália. Com um PIB de 46.800 euros per capita (2019) e um patrimônio líquido de mais de 60.000 euros per capita (2018), eles estão no topo do ranking da UE.
Foto: picture-alliance/robertharding/F. Hall
Alemanha: uma nação rica, mas os cidadãos nem tanto
Até agora, o país tem contornado a pandemia com sucesso. Os custos econômicos, no entanto, são enormes: as exportações caíram, e muitas empresas lutam para sobreviver. Detentora da maior economia da UE, a Alemanha teve um PIB de 41.340 euros (2019) per capita. Em 2018, porém, os alemães possuíam um patrimônio líquido de apenas 16.800 euros per capita - metade do observado na Itália.