A liberdade de expressão é um bem precioso, para pessoas privadas, jornalistas e, obviamente, também para políticos. Numa sociedade livre, deve ser possível ter uma opinião que não agrade, argumentar contra a visão das autoridades sem perigo de ser punido por isso. Também procede que muitos assentos parlamentares estariam vazios se se destituísse do cargo todo político que fosse apanhado mentindo.
Contudo, ao contrário do que argumentaram os defensores do ex-presidente americano Donald Trump, esse processo de impeachment não girava em torno da livre expressão, mas sim de nada menos do que o futuro da democracia dos Estados Unidos.
Impunemente, Trump destruiu durante anos a credibilidade das instituições americanas, minando a confiança nas eleições livres e, com isso, o cerne de qualquer democracia. Por pura sede de poder, seguiu difundindo a mentira de que as eleições presidenciais de novembro de 2020 teriam sido "roubadas", quando mais de 60 juízes, entre os quais vários que ele próprio colocara no cargo, confirmaram sem sombra de dúvida que ele havia perdido o pleito contra o democrata Joe Biden por mais de 7 milhões de votos.
Perigo de vida no Capitólio
Essa campanha de incitação populista chegou a um triste clímax em 6 de janeiro de 2021, quando Trump conclamou seus adeptos a obstruírem a última verificação da eleição presidencial e a invadirem a sede do Congresso, o Capitólio de Washington.
Embora desde o início estivesse claro que seria difícil condenar Donald Trump de fato, os políticos do Partido Democrata não tiveram alternativa senão abrir um processo de impeachment. O mais tardar as provas em vídeo apresentadas nos últimos dias no Senado mostraram o perigo real que foi essa invasão do Capitólio.
Elas mostraram que, no fim das contas, só a coragem de alguns agentes policiais impediu que líderes políticos, entre os quais o então vice-presidente Mike Pence, fossem literalmente sacrificados. Cinco vidas se perderam nesse dia: poderiam ter sido muitas mais, e o então presidente dos EUA seria o responsável.
Vergonha para os EUA
É uma vergonha que ele não seja penalizado por isso. E é motivo de preocupação para todos o fato de essas imagens terem até forçado uma parte do eleitorado republicano a repensar, porém não a maioria esmagadora dos senadores e senadoras americanos.
A sentença desse processo deixa claro até que ponto Donald Trump tem o Partido Republicano em suas mãos; quão grande é a preocupação dos deputados de serem castigados pelo eleitorado trumpista, caso tivessem colocado o direito acima da manutenção do próprio poder.
O que poderia ter sido um momento de libertação termina com a sedimentação da divisão deste país. Para a comunidade internacional, trata-se de um claro sinal de quanto os Estados Unidos estarão ocupados consigo mesmos nos próximos anos.
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Ines Pohl foi editora-chefe da DW e atualmente é correspondente em Washington. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.