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Opinião: Um vergonhoso espetáculo de hipocrisia

18 de abril de 2016

A despeito de todos os motivos legítimos que existem para ser contra o governo Dilma, o que se viu na votação da Câmara foi um espetáculo de hipocrisia e uma vergonha para a democracia brasileira, opina Francis França.

O dia 17 de abril de 2016 ficará marcado na história. Pela segunda vez desde a redemocratização, a Câmara dos Deputados votou pelo impeachment de um presidente da República. Foram 367 votos a favor e 137 contra. Esse foi o desfecho da mais longa sessão da história da Câmara dos Deputados, com uma dedicação e eficiência que não se viu, por exemplo, para aprovar a tão necessária reforma política ou o pacote de medidas para combater a corrupção.

Dilma Rousseff é acusada de maquiar as contas do governo e fazer a situação fiscal do país parecer mais saudável do que de fato é. Em 2014, isso pode ter lhe rendido a reeleição.

Existem três perguntas-chave sobre as irregularidades cometidas pelo governo: se elas são de fato crime, pois outros governantes também se utilizaram da mesma prática sem serem punidos; se elas podem ser atribuídas pessoalmente à presidente, que não é acusada de corrupção; e se o que está em jogo é apenas o mandato que se iniciou em 2015, quando as pedaladas deixaram de ser praticadas após recomendação do Tribunal de Contas da União.

Nenhuma dessas questões, porém, foi levantada na votação da Câmara. O que se viu neste domingo foram justificativas tão esdrúxulas que rapidamente viraram piada nas redes sociais. Deputados, muitos dos quais têm pendências na Justiça, disseram votar "pela família", "pelo cristianismo" e até "pelos militares". A grande maioria votou por insatisfação com o governo.

Mas mesmo em um Congresso visceral, como é de se esperar do Brasil, os parlamentares deveriam ter consciência de que o que está em questão não é a qualidade do governo, mas sua legalidade. Diferentemente do parlamentarismo, no presidencialismo o chefe de governo não pode ser removido a menos que haja um caso grave de comprovado crime por parte do presidente – o que não se verificou no caso de Dilma.

Grande parte da população, por sua vez, apoia o impeachment porque está cansada da corrupção e do péssimo desempenho da economia, desencadeado por uma série de decisões equivocadas do governo e pela falta de habilidade política de Dilma para aprovar medidas de ajuste no Congresso. Mas aqui é preciso novamente cautela, pois a ânsia pelo necessário crescimento econômico do Brasil não pode se sobrepor ao Estado de Direito.

Aqueles que apoiam o impeachment pelo fim da corrupção precisam lembrar que a linha sucessória da presidente é formada por políticos investigados por corrupção. Para se ter uma ideia, já se fala abertamente no Congresso sobre uma "anistia" a Eduardo Cunha, só pelo fato de ele ter presidido a votação do impeachment. E isso na mesma semana em que surgiram novas evidências de que ele recebeu mais de 50 milhões de reais em propina.

Diante da consciência de que, mesmo que a presidente se salve, suas possibilidades de governar são mínimas, e diante da temeridade que é entregar o país nas mãos de seus sucessores, crescem as vozes pedindo eleições gerais antecipadas. Esta pode ser a única forma de tirar o Brasil deste beco sem saída.

Francis França é editora-chefe da DW Brasil.

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