Numa luta marcada por misoginia e ignorância, leis severas contra interrupção da gravidez como a do Alabama não resultarão em menos abortos, mas em mais sofrimento, opina Christina Bergmann.
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A lei antiaborto aprovada pelo Senado do Alabama na terça-feira (14/05) é a mais restritiva em um estado americano. Equivale a uma proibição da interrupção da gestação. E torna crime o aborto a partir do momento em que a mulher descobre que está grávida.
Um médico que realizar um aborto pode ser punido com até 99 anos de prisão. Não há exceções para casos de estupro ou incesto.
Aparentemente, a lei é a última etapa de uma campanha levada a cabo com meios implacáveis para voltar a endurecer o direito ao aborto nos Estados Unidos. Porém, aqueles que são contrários ao aborto e políticos conservadores não se interessam nem pela situação ou direitos das mulheres, nem por fatos. E, apesar de afirmá-lo, também não representam a parte mais numerosa da população. Dois terços dos americanos querem que o aborto seja permitido, a maioria destes favorece restrições legais. Apenas 18% exigem que a interrupção da gravidez seja proibida sob qualquer circunstância.
Mesmo assim, há anos o direito fundamental ao aborto é difamado com imagens aterradoras e histórias de horror sobre bebês despedaçados após uma interrupção tardia da gravidez – embora 34% das gestações nos EUA sejam descontinuadas nas primeiras seis semanas, e 89% dos abortos aconteçam nas primeiras 12 semanas. Mas é mais fácil conquistar adeptos com apelos emocionais do que com fatos.
Se o objetivo fosse mesmo reduzir o número de abortos, os republicanos teriam que adotar medidas bem diferentes. As estatísticas são claras: em países com leis rígidas contra o aborto, não há menos abortos – muito pelo contrário. E, no mundo todo, os países com regras muito duras também têm taxas mais altas de mortalidade materna e infantil.
É que transformar o aborto em crime não leva a menos interrupções – apenas resulta em mais abortos realizados de forma não profissional.
O que é fundamentalmente mais eficaz são o esclarecimento e o acesso a métodos contraceptivos. E se os 27 estados americanos onde se propaga obrigatoriamente a abstinência durante as aulas de educação sexual abolisse essa imposição absurda? E se houvesse um dever de educar jovens sobre métodos anticoncepcionais em mais do que apenas 18 estados (mais o distrito federal americano, onde fica a capital, Washington)?
Em 2010, 57 entre mil adolescentes ficaram grávidas nos EUA. É a maior taxa de todos os países desenvolvidos. É sério que os conservadores têm orgulho disso?
E, dessas gestações de adolescentes, 15 dessas 57 terminaram em aborto. Em termos comparativos, na Suíça – onde vigora uma lei de aborto bastante liberal –, há taxas bem menores: em 2011, apenas 8 entre mil adolescentes engravidaram. E somente 5 dessas 8 gestações foram interrompidas.
Mas os fatos não interessam aos conservadores. Eles se enxergam como os escolhidos para aplicar a vontade de Deus – num país cuja Constituição prevê uma nítida separação entre Estado e Igreja.
Porém, mais uma vez, o debate gira em torno precisamente dessa Constituição. Assim como uma série de leis contra o aborto extremamente restritivas em outros estados americanos, a lei do Alabama não poderá se sustentar sob o atual regime jurídico. É que, em sua decisão fundamental de 1973 no processo que ficou conhecido como "Roe versus Wade", a Suprema Corte americana declarou que a Constituição dos EUA garante às mulheres o direito ao aborto.
Os conservadores agora esperam que a oposição contra essas leis seja encaminhada à Suprema Corte e que o tribunal opte pela cassação da decisão do processo "Roe versus Wade".
O motivo é que, desde o início de seu mandato, o presidente americano, Donald Trump, conseguiu indicar dois novos juízes conservadores na Suprema Corte. Votar no ex-democrata casado três vezes, que aparentemente traiu várias vezes as esposas e que não corresponde em nada aos conceitos morais cristãos-conservadores, valeu a pena para os fundamentalistas cristãos: na mais alta instância jurídica do país, os juízes conservadores agora são maioria.
Ainda não chegamos lá. Mas, se a decisão de "Roe versus Wade" for anulada, as drásticas leis entrarão em vigor imediatamente, tanto no Alabama como em outros estados. E, nesse caso, uma minoria terá se imposto com uma campanha cínica, em vez de refletir sobre regulações moderadas e que fazem sentido. Na Alemanha, por exemplo, um aborto nas primeiras 12 semanas de gestação tem severas restrições, mas mulheres e médicos não são punidos.
Com leis como a do Alabama, não haverá menos abortos – mas sim mais sofrimento, especialmente para as mulheres que não podem arcar com os custos de contornar a lei.
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Do direito ao voto ao espaço na política: ao longo dos últimos cem anos as mulheres alemãs lutaram para derrubar leis e convenções que hoje soam impensáveis.
Foto: picture-alliance/akg-images
O direito ao voto
Em 1918, o Conselho dos Deputados da Alemanha proclamou: "Todas as eleições serão conduzidas sob o mesmo sufrágio secreto, direto e universal para todas as pessoas do sexo masculino e feminino com pelo menos 20 anos de idade". Logo depois, as mulheres puderam votar, pela primeira vez, nas eleições para a Assembleia Nacional alemã, em janeiro de 1919.
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Lei de Proteção à Maternidade
A Lei entrou em vigor em 1952. Desde então, passou por várias alterações. O objetivo é assegurar a melhor proteção possível da saúde da mulher e do filho durante a gravidez, após o parto e durante a amamentação. Mulheres não podem sofrer desvantagens na vida profissional por causa da gravidez nem seu emprego pode ser ameaçado pela decisão de ser mãe.
Em 1971, Alice Schwarzer publicou na revista Stern um artigo no qual 374 mulheres confessaram ter interrompido a gravidez; entre elas, Romy Schneider. Após a publicação, dezenas de milhares de mulheres foram às ruas protestar a favor da maternidade autodeterminada. Em 1974, a coalizão social-liberal aprovou no Parlamento a descriminalização do aborto nos três primeiros meses da gestação.
Foto: Der Stern
Mais estudantes e professoras nas universidades
Em 1976, foi realizado em Berlim o evento "1° Universidade de Verão para as mulheres". Entre as exigências, as precursoras pediam o aumento da participação das mulheres entre estudantes e professoras, que era de 3 %. Em 1970, o percentual de estudantes passou para 9%. Hoje, ele chega a 48%. Em 1999, o número de professoras era de cerca de 4 mil. Hoje, elas são 11 mil em toda a Alemanha.
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Livre da obrigação do serviço doméstico
Em 1977, entrou em vigor a nova lei de matrimônio. Até então, a esposa era "obrigada ao serviço doméstico". Ela só poderia trabalhar se não negligenciasse suas tarefas do lar e se o marido consentisse. Em 2014, 70% das mães trabalhavam fora; 30% em tempo integral e quase 40% em meio período. Entre os casais com crianças, a mulher alemã contribui com uma média de 22,6% da renda familiar.
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Igualdade salarial
Em 1979, 29 funcionárias processaram o laboratório fotográfico Heinze, em Gelsenkirchen, pelo direito de ter a mesma remuneração por trabalhos iguais. Elas venceram: em 1980, o Parlamento alemão aprovou a lei sobre igualdade de tratamento de homens e mulheres no trabalho. Mas ainda há muito o que fazer: em , as mulheres ganharam 18% a menos por hora trabalhada do que os homens.
Foto: picture-alliance/chromorange
Pilotas da Lufthansa
Em 1986, a companhia aérea alemã Lufthansa permitiu, pela primeira vez, que duas mulheres completassem a formação de piloto. Elas são: Erika Lansmann e Nicola Lunemann (na foto). Hoje, nas diversas companhias aéreas do grupo, 417 mulheres trabalham como co-pilotas e 114 são comandantes.
Foto: Roland Fischer, Lufthansa
Trabalho noturno
Em 1992, o Tribunal Constitucional Federal revogou a proibição do trabalho noturno para mulheres. O Tribunal declarou que a alegada proteção estava associada com salários mais baixos e "desvantagens consideráveis". Na antiga Alemanha Oriental, as mulheres tinham sido autorizadas a praticar todas as profissões desde o início, a qualquer hora do dia ou da noite.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Gerten
Sexo sem consentimento
Em 1997, a violação sexual no casamento passou a ser considerada crime. O Bundestag decidiu por uma maioria esmagadora que os maridos estupradores já não tinham direitos especiais. A ideia de que seria uma "ofensa menor de coerção" foi abolida. Todos os "atos sexuais" forçados passaram a ser punidos como estupro.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Kästle
Mulheres na política
Depois de conquistarem o direito ao voto na maior parte dos países, as mulheres tentam alcançar a mesma proporção de participação política que os homens. Em 1949, o percentual de alemãs no Bundestag era de 6,8%. Atualmente, elas são 35,3%. A primeira mulher a chefiar o governo foi Angela Merkel, em 2005. Em 2018, ela chegou ao quarto mandato como chanceler federal, cargo que exerceu até 2021.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Tarefas domésticas
Hoje as mulheres alemãs também lutam por direitos iguais em relação às tarefas domésticas e ao cuidado com familiares. Em 1965, elas exerciam esse trabalho durante, em média, quatro horas por dia; os homens, 17 minutos por dia. Atualmente as mulheres ainda gastam 43,8 pontos percentuais a mais de tempo com tarefas domésticas do que os homens: são quase 30 horas semanais, contra 20 dos homens.
Foto: Imago/O. Döring
O futuro
Para despertar o interesse das meninas em profissões antes consideradas masculinas, especialmente na indústria, desde 2001 empresas alemãs convidam meninas do 5º ano para o 'Girls day'. O dia das meninas é considerado o maior projeto de orientação profissional do mundo e, graças a ele, cada vez mais jovens mulheres decidem seguir carreira da área de ciências exatas na Alemanha.