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Esporte

Uma vitória fácil para Erdogan

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Daniel Heinrich
25 de julho de 2018

Com palavras grandiloquentes, o presidente turco se manifestou pessoalmente no debate sobre a saída do craque Özil da seleção alemã. Um debate tóxico, em que só o governo do autocrata tem a ganhar, opina Daniel Heinrich.

Mesut Özil (esq.) e Erdogan na "foto da discórdia"Foto: picture-alliance/dpa/Presidential Press Service

Um dos pilares do estudo de economia é a análise custo-benefício. Resumindo-se, ela é um instrumento para determinar se o resultado de uma ação justifica o investimento que envolve. À luz desse método, o encontro do presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, com o jogador de futebol Mesut Özil foi um sucesso esmagador para o governo turco.

Quer intencionalmente, quer não, uma só foto do autocrata com um dos melhores atletas da seleção alemã dos últimos anos desencadeou um debate sem igual sobre integração e racismo. E, como demonstram os comentários e resenhas de imprensa da Turquia, até agora esse debate tóxico só tem um vencedor, o qual se encontra no palácio presidencial de Ancara. É preciso tirar o chapéu para o departamento de relações públicas responsável!

Logo após Özil, que participou de 92 jogos da seleção alemã, anunciar no Twitter que se desligaria da equipe, vieram os primeiros comentários exultantes do Partido para Justiça e Desenvolvimento (AKP), do governo turco. Dotados de faro para palavras de ordem populistas, súbito se manifestaram os primeiros líderes da legenda, entre os quais os ministros da Justiça e do Esporte, e o assessor pessoal do presidente. Todos assegurando seu apoio ao craque de 29 anos.

Para completar, na tarde da terça-feira (24/07) o próprio Erdogan tomou a palavra, em seu usual tom patético, referindo-se diretamente ao debate na Alemanha. "Impossível aceitar essa atitude racista perante um jovem que tanto suou para o sucesso da seleção alemã", pontificou. "Isso é algo que "não se pode tolerar".

O líder político de 64 anos não perdeu a oportunidade de louvar a saída da seleção da Federação Alemã de Futebol (DFB): "Seu posicionamento é nacionalista e patriótico. Eu beijo os olhos dele", anunciou, assegurando: "Apoio Mesut e suas declarações."

Está claro que nada disso acontece por acaso. Com base na análise custo-benefício, Erdogan e seus assessores sabem que, em tempos de redes sociais, é facílimo tirar proveito político desse debate, sem grandes esforços. A oposição turca está mais ou menos condenada ao silêncio, pois toda defesa de Özil poderá ser interpretada como respaldo a Erdogan.

Tampouco da parte da política alemã é de se esperar alguma resistência. A clava retórica do racismo – brandida por Ancara com frequência e entusiasmo – paira tão ameaçadoramente sobre os dirigentes em Berlim, que é improvável haver grandes protestos contra essa aberrante instrumentalização política.

Até mesmo na localidade de Devrek, 200 quilômetros ao norte da capital turca, percebe-se claramente que os estrategistas da AKP exploram ao máximo o potencial simbólico da situação. Devrek é a cidade natal do pai de Mesut Özil e, assim como a maioria das municipalidades da Anatólia, desde 2002 sob o firme domínio do AKP.

Uma rua recebeu o nome do jogador, e lá sempre esteve um cartaz do meio-de-campo trajando a camisa da seleção alemã – apesar de no passado Özil ter se encontrado várias vezes lá com Erdogan. Agora, porém, o cartaz foi substituído: em seu lugar, a Mesut Özil Cadessi ostenta a imagem do craque sorrindo ao lado do líder conservador.

Em 2019 transcorrem no país eleições municipais. Em Devrek e no resto da Turquia serão escolhidos os prefeitos e subprefeitos, conselheiros municipais e regionais, assim como os governadores das aldeias. Se resolverem tomar como modelo o debate em torno de Mesut Özil, os estrategistas podem contar com uma campanha bastante bem-sucedida, nos termos da análise custo-benefício.

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