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Vitória da violência no Chile

1 de novembro de 2019

Após quase duas semanas de protestos violentos, presidente Piñera cancelou as cúpulas do clima e da Ásia-Pacífico. Uma derrota para o país e a América Latina, e uma séria ameaça à democracia em geral, opina Uta Thofern.

Fogo e manifestantes nas ruas em protestos em Santiago do Chile
"Não se pode falar de descontentamento espontâneo quando os ativistas trazem consigo combustíveis"Foto: imago-images/Aton Chile/D. Yankovic

O que ocorre no Chile não é uma vitória dos protestos sociais, pelo contrário. O cancelamento da Conferência sobre Mudança Climática (COP25) e do Fórum de Cooperação Ásia-Pacífico (Apec) não cuidará para que as justas reivindicações dos manifestantes majoritariamente pacíficos sejam atendidas de forma mais rápida ou melhor.

Embora seja assim que o presidente chileno, Sebastián Piñera, vendeu sua decisão, a verdade é: seu governo recua diante da violência de uma pequena e brutal minoria. Uma minoria de que a maioria dos manifestantes pacíficos não se distanciou até agora, e que também tem recebido atenção insuficiente no noticiário da mídia.

As figuras mascaradas – que não só jogam paus e pedras, mas neste ínterim destruíram intencionalmente quase todas as estações de metrô da capital Santiago, saquearam supermercados e incendiaram tanto lojas quanto edifícios de vários andares com numerosos habitantes dentro –, elas venceram.

São essas figuras as responsáveis – segundo todas as informações disponíveis até o momento – pela maioria dos mortos das últimas semanas, assim como por grande parte dos feridos. E agora conseguiram, ainda por cima, demolir de modo duradouro a imagem internacional do Chile, prejudicar suas relações econômicas, cuidando assim para reduzir ainda mais a prosperidade que deveria ser partilhada com maior justiça.

O cancelamento dos dois megaeventos talvez permita ao governo chileno economizar alguns gastos, mas que não compensam os mais de 1,2 bilhão de dólares em danos já causados pelos agressores. Muito pior, contudo, são os efeitos de longo prazo: quem vai querer investir num país forçado a desmarcar uma cúpula econômica por não ter sob controle os problemas de segurança?

E quem ainda pensará em promover uma cúpula internacional na América Latina? Primeiro a COP25 foi recusada pelo presidente radical de direita do Brasil, para quem a mudança climática não existe; depois recebeu uma candidatura de Costa Rica, mas que o pequeno país não tem como arcar sozinho. E agora, o Chile.

Ativistas do clima linha-dura talvez até mesmo saúdem o cancelamento da COP, já que é realmente de se questionar se vários milhares de pessoas precisariam sair voando pelo mundo a cada ano, justamente em nome da proteção climática.

A próxima questão, contudo, é quem vai tomar as rédeas da tão urgente implementação das metas climáticas, se não for a política. E que sentido faz jogar para o alto uma conferência de cúpula já planejada a altos custos. Portanto, tampouco entre os ambientalistas há motivo para alegria secreta com um fracasso da COP25.

As ocorrências no Chile são, antes, motivo de apreensão para todos que pretendam fazer valer metas legítimas através de protestos pacíficos. Pois a violência também contamina seu objetivo, cria resistência entre aqueles que, em princípio, talvez solidarizassem com suas intenções.

O presidente Piñera tem tido níveis de popularidade catastróficos, mas a declaração do estado de exceção e o toque de recolher encontraram concordância de uma maioria dos chilenos – e isso, apesar de uma mobilização militar no Chile ser extremamente problemática, devido à vivência da ditadura.

Piñera suspendeu as medidas assim que as manifestações se tornaram menos violentas. O resultado foi os mascarados voltarem a aparecer já no dia seguinte, e violência voltou a dominar as imagens dos protestos.

Não se pode falar de descontentamento espontâneo quando os ativistas trazem consigo combustíveis; e protesto legítimo acaba onde os incendiários dominam. No Chile, uma pequena minoria paralisou intencionalmente o Estado e forçou uma decisão política que não serve a ninguém. Se no futuro isso se tornar regra, então não só o direito de manifestação estará em grave perigo, mas também a democracia.

Uta Thofern é chefe do Departamento América Latina da DW

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Uta Thofern Chefe do Departamento América Latina. Democracia, Estado de direito e direitos humanos são seu foco.
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