Ex-chanceler recebeu a mais alta distinção da Alemanha, só concedida antes a dois ex-chefes de governo. Mas crise climática agravada e guerra na Ucrânia abalam reputação de Merkel: para alguns, honraria é prematura.
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A ex-chanceler federal alemã Angela Merkel recebeu nesta segunda-feira (17/04) uma Ordem do Mérito da Alemanha das mãos do presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier. Trata-se da mais alta honraria do país, entre as diversas medalhas e prêmios que o chefe de Estado pode conceder a "indivíduos que prestaram serviços excepcionais à nação". Ela não está associada a um prêmio em dinheiro.
Desde 1951 já foram entregues mais de 260 mil Ordens do Mérito (Verdienstorden) de algum tipo "tanto a alemães quanto a estrangeiros por conquistas nos campos político, econômico, social e intelectual", informou o gabinete presidencial.
Em discurso na cerimônia, Steinmeier disse que Merkel recebeu a distinção pelo seu senso de dever e sua confiabilidade, e por nunca ter se colocado pessoalmente como centro das atenções. "Qualquer vaidade, qualquer elogio, qualquer alvoroço sobre ela sempre a contrariaram", afirmou. "Por 16 longos anos, você trabalhou pela liberdade e pela democracia, por nosso país e pelo bem-estar de suas pessoas – incansavelmente. E às vezes no limite de suas forças físicas."
Merkel agradeceu a honraria mencionando ex-colegas de governo que estavam presentes no Palácio de Bellevue, em Berlim, residência oficial do presidente da Alemanha. Entre eles, a ex-ministra da Educação Anette Schavan e a presidente da Comissão Europeia, Ursula vou der Leyen, que chefiou diversos ministérios no governo Merkel. Ambas a ajudaram a atravessar "tempos difíceis", disse a ex-chanceler.
Ela é apenas a terceira personalidade a receber a distinção mais alta prevista para cidadãos alemães, a Grosse Bundesverdienstkreuzmit Stern (Grã-Cruz do Mérito com Estrela). A categoria acima dessa se destina apenas a dignitários estrangeiros e ao próprio presidente.
Os outros dois laureados também foram chefes de governo da República Federal da Alemanha e pertencentes ao mesmo partido que Merkel, a conservadora União Democrata Cristã (CDU): Konrad Adenauer, primeiro líder nacional depois de Adolf Hitler, em 1954; e Helmut Kohl, que supervisionou a reunificação alemã e deu sinal verde para o euro substituir o marco alemão, em 1998.
Adenauer e Kohl governaram durante períodos turbulentos da história alemã pós-guerra. Independente das visões políticas individuais ou das consequências de suas decisões, para Albrecht von Lucke, comentarista da revista política Blätter, ambos foram obrigados a tomar decisões "ousadas".
A sucessora de ambos entre 2005 e 2021, por outro lado, não teria atingido esse nível de liderança, com seus quatro mandatos consecutivos constituindo uma "era de 16 anos perdidos": "Estamos apenas começando a ver quão problemático é o legado de Angela Merkel", critica Von Lucke. "Conceder-lhe tal distinção agora é totalmente prematuro e não é adequado. Ainda não está claro quais foram seus méritos e seus erros."
Falhas no clima, dependência da Rússia
Tanto o agravamento da crise climática quanto a guerra da Rússia contra a Ucrânia, desencadeada pouco depois de Merkel deixar o cargo, relativizaram a ampla estima em que ela era tida até então, tanto no país quanto no exterior.
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Apesar de apelidada "chanceler do clima", sob Merkel a Alemanha repetidamente deixou de alcançar suas próprias metas de redução de gases do efeito estufa. Segundo críticos, a chefe de governo teria sido leniente demais com a Rússia, e a dependência crescente da Alemanha em relação ao gás russo durante seus mandatos foi um indiscutível erro.
Numa rara aparição em público, em junho de 2022, Merkel denunciou a guerra russa na Ucrânia, mas defendeu seus próprios esforços diplomáticos: "Por isso não vou me desculpar", disse a jornalistas e fãs reunidos no Teatro do Berliner Ensemble, na capital.
Os defensores da liderança da democrata-cristã argumentam que sua política para a Rússia não foi muito diferente da de outros chanceleres federais, independente de sua filiação partidária. Há muito o país cultiva com Moscou laços econômicos, energéticos e culturais mais estreitos do que muitos de seus aliados europeus, para desgosto destes.
De volta ao incômodo palco público
Enquanto alguns consideram seu quádruplo mandato uma oportunidade perdida, há quem dê a Merkel crédito por meramente defender o status quo durante um período de grande agitação e insegurança. "Ela conseguiu manter a União Europeia coesa, e fortalecê-la em tempos tumultuados", afirma Lucas Schramm, cientista político da Universidade Ludwig Maximilians de Munique.
As crises de endividamento, bancária e migratória atingiram a UE durante o governo Merkel. O Reino Unido separou-se do bloco, enquanto os Estados Unidos sob o presidente Donald Trump eram abertamente hostis em relação à UE.
Segundo Schramm, "recentemente, chefes de Estado e governo atuais disseram que sentem falta de Merkel nas cúpulas do Conselho da UE devido à autoridade dela".
O debate sobre o legado de Angela Merkel está longe de se concluir, e permanece sujeito a eventos cujo desdobramento total ainda está por vir. Quer merecida, quer prematura, a decisão de lhe conceder a Grã-Cruz da Ordem do Mérito coloca a chanceler federal aposentada de volta nas luzes da ribalta pública.
Esse é justamente um lugar que ela tentou evitar quando em exercício, e do qual tem basicamente se mantido longe desde que retornou à vida como cidadã comum da República Federal da Alemanha.
Angela Merkel retratada por artistas
Seja capturada em óleo ou como grafite, as várias abordagens artísticas provam a relevância e poder da chefe de governo conservadora, mesmo além das fronteiras da Alemanha.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/G. Georgiou
Em diálogo
Estudantes de arte búlgaros decoraram paredes de casas da vila de Staro Zhelezare inicialmente com retratos dos habitantes. Mais tarde, foram acrescentados políticos que parecem estar em diálogo com os locais, como aqui a chanceler federal alemã. Entrementes, as paredes também são pintadas com cópias de obras de arte do Museu de Arte Moderna de Nova York.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/H. Rusev
Arte de rua política
A arte começa na rua: na tradição dos "murales" − murais sul-americanos com mensagem política −, o artista de rua italiano Jupiterfab retratou, no muro de uma casa em Atenas, Angela Merkel em estreito contato com o ex-primeiro ministro grego Alexis Tsipras.
Foto: picture-alliance/NurPhoto/G. Georgiou
Pinturas a óleo satíricas
A arte política também pode exibida em museu. Aqui, o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, usando um chapéu como os de Napoleão, está sentado no colo de Angela Merkel nua. O artista e satirista britânico Kaya Mar (também na foto) retratou figoras como Theresa May, Donald Trump e o papa em contextos críticos.
Foto: picture-alliance/Photoshot/B. Strenske
Heroína humanitária
"Conhecemos muitas fotos dela em que parece bastante vazia e fria, mas eu queria ir além disso e retratar sua atitude humanitária", disse o artista norte-irlandês Colin Davidson em 2015, sobre seu retrato de Merkel mais tarde estampado na capa da revista "Time", por ocasião da escolha dela como "personalidade do ano", em parte por causa de seu posicionamento humanitário na crise dos refugiados.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Time Magazine
Ícone pop
A artista americana Elizabeth Peyton pintou um retrato da chanceler federal alemã para a revista de moda "Vogue" em 2017. Em sua representação estilizada, Merkel parece uma jovem. Peyton pinta retratos em formato pequeno de estrelas pop, e figuras históricas e contemporâneas das monarquias europeias, geralmente com pele clara e traços faciais finos.
Foto: Elizabeth Peyton
Na Coleção Federal de Arte
Arte que pertence a todos é o que busca a Coleção Federal de Arte (Bundeskunstsammlung), que desde 1970 coleciona arte alemã do pós-guerra, abordando temas como apropriação cultural, simbolismo de poder e questões de pertencimento nacional. Denominado "Sem título (A Ilha)", este desenho de Merkel, com boca vermelha e olhar crítico, foi feito pelo pintor holandês Erik van Lieshout em 2015.
Foto: Erik van Lieshout
Bush pinta Merkel
Não só artistas famosos, mas também pintores amadores retrataram Merkel. Um dos mais conhecidos foi o ex-presidente americano George W. Bush. Orgulhoso de sua arte, ele já pintou mais de 30 líderes políticos mundiais.
Foto: picture-alliance/dpa/L. W. Smith
Uma entre muitos
Há também numerosas de esculturas de Merkel, algumas polêmicas, como "Cidadania europeia", de Alexander Nikolic e Michael Kalivoda, que mostra Merkel defecando. Provocadora também é a série "Global Players", de Peter Lenk, mostrando a líder conservadora nua. Comparativamente bem comportada é a instalação "Transit", de Georg Korner, em que Merkel é uma entre 2.600 figuras.
Foto: Courtesy Georg Korner
O peso do cargo
A fotógrafa Herlinde Koelbl imortalizou Merkel em sua série "Traços do poder", como já fizera antes com o também chanceler federal Gerhard Schröder e e seu vice, Joschka Fischer. Em seu estudo de longo prazo, que examina a "transformação da pessoa através do cargo", Koelbl fotografou e entrevistou 15 personalidades da política e dos negócios, ao longo de anos. Na foto, Merkel em 1991 e 2006.
Foto: Herlinde Koelbl
Garota-propaganda para hipsters
Em sua série de fotos "Hipstory", o ilustrador israelense Amit Shimoni apresenta os poderosos e influentes como jovens hipsters. Na foto, uma série em com o ex-chefe de governo alemão Konrad Adenauer, o primeiro presidente dos EUA, George Washington, Merkel usando batom preto e vermelho, chapéu, casaco preto e piercing no nariz e, ao seu lado, o ex-presidente Barack Obama de dreadlocks.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Vítima de violência de gênero
Uma foto manipulada, em que Angela Merkel aparece com contusões e cicatrizes, integrou a campanha de arte de rua "Só porque sou mulher", do artista italiano AleXsandro Palombo. Espalhada pelo centro de Milão, em 2020. a série retratava personalidades femininas mundiais como vítimas da violência de gênero.
Foto: Antonio Calanni/AP Photo/picture alliance
No teatro musical
A atriz Annelinde Bruijs se apresenta como Europa durante um ensaio fotográfico para a peça "Merkel" no palco do Teatro Kikker. O coletivo de teatro holandês Nineties escreveu e produziu o retrato musical da chefe de governo alemã, Angela Merkel. A coprodução com a renomada companhia de teatro musical holandesa Orkater estreou em Utrecht em março de 2019.
O refugiado afegão Farhad Nouri, de dez anos, é conhecido como o pequeno Picasso, por sua precoce aptidão para o desenho. Na Sérvia, onde sua família se refugiou, ele passa os dias desenhando personalidades mundiais como Angela Merkel, Salvador Dali e Pablo Picasso.
Foto: picture-alliance/Pixsell/S. Ilic
Como personagem infantil
Merkel com cabelos e manta no pescoço lembrando a popular figura Píppi Meiaslongas, de Astrid Lindgren. A obra de Galina Schierholz fez parte da exposição "Retratos da chanceler federal − Leitores pintam Angela Merkel". A mostra com 80 obras foi uma campanha do jornal "Bild" por ocasião dos 60 anos da líder, em 2014.
Foto: picture-alliance/dpa/C. Welz
Festa para os caricaturistas
Modelo nato para caricaturas, ao longo dos anos, os desenhistas apenas tiveram de acrescentar algumas rugas em volta dos olhos e da boca de Angela Merkel. A enorme quantidade de ridicularizações e deturpações que cartunistas de todo o mundo lhe dedicaram só confirma sua importância. Afinal, durante anos ela ocupou o primeiro lugar na lista das 100 mulheres mais poderosas do mundo.