Orgânicos revalorizam agricultura familiar
26 de fevereiro de 2005Com uma pitada de orgulho, a baiana Maria Salgado exibia amostras de café, pimenta, arroz vermelho e feijão mamoninha no estande brasileiro na Biofach, a maior feira mundial de produtos orgânicos, que termina neste domingo (27/02) em Nurembergue. Uma cena que até alguns anos atrás era inimaginável para a agricultora que produz café e pimenta em Abaíra, a 600 quilômetros de Salvador, na Chapada Diamantina.
"A agricultura orgânica nos dá uma nova chance, não só no Brasil. Graças à produção barata e de alta qualidade, usando só insumos produzidos na própria lavoura, temos condições até de competir no mercado internacional", diz Salgado. Ela é sócia do grupo Pinga Pinga, que reúne 70 pequenos produtores da Chapada Diamantina e acaba de lançar o "primeiro café social do Brasil" – 5 centos de euros de cada pacote de 250 gramas vendido são destinados a projetos sociais da região. Este é apenas um exemplo de uma nova consciência em formação no campo brasileiro. (veja link abaixo)
"A comercialização de produtos orgânicos brasileiros cresce, anualmente, o dobro da média mundial, em uma porcentagem estimada em 50%. Já ocupamos a segunda posição em número de propriedades com lavouras orgânicas, com aproximadamente 19 mil agricultores, a maioria de caráter familiar", diz o presidente da Agência de Promoção das Exportações (Apex), Juan Quirós.
Lavrador mais autoconfiante
Segundo a presidente da Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica (Abad), Raquel Soraggi, o desenvolvimento do setor de produtos orgânicos está "fortalecendo a auto-estima dos pequenos agricultores, que estavam condenados ao esquecimento no interior do Brasil". Muitos deles ainda se admiram de que seus produtos, cultivados sem sofisticação, despertem o interesse de importadores do Primeiro Mundo.
"O Brasil tem as melhores condições para se transformar no maior produtor mundial de orgânicos. O que falta é um redirecionamento coletivo das instituições, que ainda são muito pressionadas pelos grupos agroquímicos externos", diz o presidente da Associação dos Produtores e Processadores de Orgânicos do Brasil (Brasilbio), Joaquim Silva. Fundada durante a Biofach 2004, a Brasilibio conta com 300 associados, responsáveis por 40% da produção brasileira de orgânicos.
Excesso de burocracia
Segundo Silva, o Brasil precisa de um programa de incentivo aos orgânicos, divulgação desta opção alimentar para os consumidores e mais investimentos em assistência técnica e logística. O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, prometeu em Nurembergue que o governo fará "o possível e o impossível" para estimular este setor. O primeiro passo será regulamentar até o fim deste ano a lei dos produtos orgânicos aprovada pelo Congresso Nacional.
O Banco do Brasil já oferece linhas de crédito especial, mas há críticas ao excesso de burocracia. "A papelada é tanta que muitos lavradores desistem e o dinheiro fica com o governo", diz Raquel Soraggi. Tanto ela quanto Silva acham que ainda há falta de conhecimento do assunto nas instituições de crédito. "O governo brasileiro só reconheceu os orgânicos em 2003, o que é lamentável, uma vez que se trata de um movimento com forte caráter social, que transforma o entorno e evita passivos ecológicos. É um movimento de retorno às raízes, que combina a sabedoria dos ancestrais com o que há de bom na ciência", diz Silva.
Bioinseticidas da Amazônia
O potencial dessa combinação também começa a ser reconhecido pela pesquisa agrícola, não só da Embrapa. O Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), por exemplo, busca parceiros no setor privado para produzir bioinseticidas. Matéria-prima não falta. Das cinco substâncias recomendadas pelo Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) como bioinseticidas, três vêm de plantas naturais da Amazônia: a rotenona (extraída do Derris), ryanina (da Ryania speciosa) e quassinóides (da Quassia amara). "Queremos que a Amazônia deixe de exportar cascas, raízes e folhas e passe a exportar produtos elaborados e tecnologia", diz o coordenador do laboratório de fitoquímica do CBA, José Augusto Cabral.
Os bioinseticidas, que em parte já eram usados na agricultura de subsistência antes de ser inventada a onda dos "bio", permitem a produção de orgânicos em grande escala e podem ser úteis até à agrodindústria convencional.
"Ecologização da agricultura"
Um exemplo de que produção orgânica é viável também em grandes plantações é a Citrovita, susbsidiária da Votorantim Agroindústria. Na região paulista de Itapetinga, a empresa cultiva quatro milhões de laranjeiras convencionais numa área de 28 mil hectares. Paralelamente, mantém aproximadamente 1,2 milhão de laranjeiras cultivadas pelos métodos da agricultura ecológica, o que a transforma em líder mundial na exportação de laranjas e suco de laranja orgânico. "Da produção orgânica aprende-se muito para a produção convencional", diz o diretor de vendas da Citrovita na Europa, Tim Kaden.
À exceção da Citrovita, os números mostrados pelos expositores brasileiros na Biofach ainda são bastante modestos. O trabalho mais importante que eles estão fazendo, provavelmente ainda não possa ser medido pelas estatísticas: é a conscientização para um novo modelo agrário. Depois de décadas de uso excessivo de agrotóxicos, parece estar começando lentamente o que a ministra alemã da Agricultura, Renate Künast, chama de "ecologização da agricultura".