Organização antinuclear japonesa ganha Prêmio Nobel da Paz
Publicado 11 de outubro de 2024Última atualização 11 de outubro de 2024
Movimento pacifista Nihon Hidankyo, fundado nos anos 1950 por sobreviventes de ataques atômicos, foi laureado "por seus esforços para alcançar um mundo livre de armas nucleares".
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A organização japonesa Nihon Hidankyo, que atua contra armas nucleares, recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 2024 nesta sexta-feira (11/10), conforme anunciou a Comitê Norueguês do Nobel, em um evento sediado em Oslo.
Segundo o comitê, a organização, fundada nos anos 1950 por "hibakushas" - sobreviventes de bombas atômicas - foi escolhida "por seus esforços para alcançar um mundo livre de armas nucleares e por demonstrar, por meio de testemunhas, que as armas nucleares nunca mais devem ser usadas".
O prêmio é anualmente atribuído à pessoa ou organização que “mais ou melhor tenha promovido a fraternidade entre as nações, a abolição ou redução de exércitos permanentes e o estabelecimento e promoção de congressos de paz.”
“Os hibakusha [sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki] nos ajudam a descrever o indescritível, a pensar o impensável e a compreender de alguma forma a dor e o sofrimento incompreensíveis causados pelas armas nucleares”, escreveu o Comitê sobre os vencedores.
O Comitê norueguês mantém os nomes dos concorrentes em sigilo durante 50 anos, mas os candidatos elegíveis podem revelar que tiveram seus nomes indicados.
O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, o bilionário Elon Musk, o Papa Francisco, o fundador da WikiLeaks, Julian Assange, e a ONG Repórteres sem Fronteiras estavam entre os nomeados este ano.
A decisão final é dada pelo Comitê Norueguês, composto por cinco pessoas. A pessoa mais jovem a receber o prêmio foi Malala Yousafzai, em 2014.
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O trabalho da Nihon Hidankyo
A organização japonesa foi formada em 1956 para pressionar o governo japonês a prestar apoio aos sobreviventes dos ataques com bombas atômicas contra o Japão em agosto de 1945, que resultaram na destruição das cidades de Hiroshima e Nagasaki. A continuidade de testes atômicos pelas potências nucleares da época também levou o grupo a defender a abolição dessas armas.
A organização descreve que seus objetivos são:
A prevenção da guerra nuclear e a eliminação das armas nucleares, incluindo a assinatura de um acordo internacional para a proibição total e a eliminação das armas nucleares.
Indenização por danos causados pelas bombas atômicas. Reconhecimento da responsabilidade do Estado por ter iniciado a guerra, que levou aos danos causados pelo bombardeio atômico
Melhoria das políticas e medidas atuais de proteção e assistência aos hibakushas.
Segundo o Comitê Norueguês, a ONG formada por sobreviventes trabalha para estigmatizar o uso de armas nucleares como moralmente inaceitável.
Para os organizadores do prêmio, os esforços da Nihon Hidankyo e de outros representantes dos hibakushas "contribuíram muito para o estabelecimento do tabu nuclear" e para frear o uso deste tipo de arma.
Em 2025 o bombardeio americano contra Hiroshima e Nagasaki vai completar 80 anos. "Um número incomparável de pessoas morreu de queimaduras e lesões causadas pela radiação nos meses e anos que se seguiram. As armas nucleares atuais têm um poder destrutivo muito maior. Elas podem matar milhões de pessoas e causariam um impacto catastrófico no clima. Uma guerra nuclear poderia destruir nossa civilização", diz o Comitê.
Em coletiva de imprensa realizada em Tóquio, o diretor da Nihon Hidankyo, Toshiyuki Mimaki, expressou surpresa ao ganhar o prêmio. “Nunca sonhei que isso pudesse acontecer”, disse, com lágrimas nos olhos. Para ele, a situação das crianças em Gaza, onde o conflito entre Israel e o grupo radical islâmico perdura, é semelhante à das crianças japonesas no final da Segunda Guerra Mundial. "Em Gaza, crianças cobertas de sangue estão sendo levadas. É como no Japão há 80 anos”, disse ele.
Já o primeiro-ministro do Japão, Shigeru Ishiba, disse que o prêmio para a Nihon Hidankyo foi “extremamente significativo”.
Prêmio acontece em meio a conflitos
O Nobel da Paz deste ano é entregue em meio à escalada de conflitos em todo o mundo. De acordo com o Programa de Dados sobre Conflitos de Uppsala, em 2023 havia 59 conflitos armados no mundo, quase o dobro do número registrado em 2009.
Diante do problema, havia especulações de que o comitê poderia decidir por não premiar nenhum dos indicados, como forma de destacar a dificuldade de se alcançar a paz. Isso já aconteceu 19 vezes desde 1901.
Histórico
Segundo a organização, o Prêmio Nobel da Paz foi concedido 105 vezes a 142 laureados desde 1901. Foram 111 indivíduos e 28 organizações (o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados foram agraciados mais de uma vez.
Ao longo de sua história, o prêmio já foi entregue a ganhadores controversos. Entre eles, estão o então secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger.
Por que Yasser Arafat, as Nações Unidas ou mesmo Barack Obama receberam o Nobel da Paz? Esta pergunta é feita praticamente após cada anúncio em Oslo. A crítica ao prêmio é tão antiga quanto o próprio Nobel.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Roald
Uma longa discussão
Já no primeiro Prêmio Nobel da Paz, para Henry Dunant, da Suíça (à esquerda), e Frederic Passy, da França (à direita), em 1901, a Comissão do Nobel estava dividida. Dunant fundou a Cruz Vermelha Internacional e, juntamente com Passy, iniciou as Convenções de Genebra. Os membros da comissão temiam que, ao tornarem a guerra "mais humana", as Convenções de Genebra pudessem torná-la mais aceitável.
Foto: public domain
Beligerante e pacificador
O ex-presidente americano Theodore Roosevelt nunca foi considerado um pacifista, por causa de seu envolvimento na Guerra Hispano-Americana. Ele ajudou os cubanos a se libertarem do colonialismo, mas logo tropas americanas chegariam a Cuba, garantindo aos EUA o controle da ilha. Roosevelt recebeu o prêmio em 1906 por outro motivo: seus esforços de paz na guerra russo-japonesa.
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Pacificador racista
O 28º presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, recebeu o Nobel da Paz de 1919 "por suas contribuições para o fim da Primeira Guerra Mundial e a fundação da Liga das Nações", precursora da ONU. Mas ao mesmo tempo, ele acreditava na supremacia dos brancos e era um defensor da segregação racial
Foto: Getty Images
Prêmio da paz sem paz
O então secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, e o líder norte-vietnamita Le Duc Tho tiveram papel decisivo nos Acordos de Paz de Paris de 1973, para acabar com a guerra no Vietnã. Mas Tho se recusou a aceitar o prêmio, alegando que ainda não havia paz. De fato, enquanto os EUA se retiraram em grande parte após os acordos, o conflito no Vietnã, no Laos e no Camboja duraria mais dois anos.
Foto: picture-alliance
De golpista a Nobel da Paz
Em 1978, Anwar Sadat (esq.), do Egito, e Menachem Begin (dir.), de Israel, acertaram um acordo de paz entre os dois países, sob mediação de Jimmy Carter (centro). No mesmo ano, Sadat e Begin receberam o Nobel. O prêmio para Sadat, no entanto, causou polêmica, pois ele participou do golpe de 1952, que derrubou o rei Farouk.
Foto: AFP/Getty Images
Manutenção da paz e omissão
Os capacetes azuis são as forças de paz das Nações Unidas. Pelo seu trabalho, eles receberam o Nobel em 1988. No entanto, não faltaram críticas nos anos seguintes: as tropas foram acusadas de abusar sexualmente de mulheres e crianças e forçá-las à prostituição. No genocídio de Ruanda e no massacre de Srebrenica, foram criticados por não intervirem.
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Heroína vencida
Quando ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1991, Aung San Suu Kyi era um símbolo da luta sem violência pela democracia na sua terra natal, Myanmar. Nos anos de 2010, no entanto, ela caiu em descrédito, acusada de não proteger a minoria muçulmana rohingya do genocídio em 2017. Não lhe foi permitido tomar o poder, mas o seu partido tem a maioria no parlamento.
Foto: picture-alliance/AP Photo/D. Wong
O homem de duas caras
Embora tenha sido considerado um defensor do apartheid antes de ser presidente da África do Sul, Frederik de Klerk desempenhou um papel fundamental para o fim do regime de segregação racial em seu país. Ele tirou da prisão Nelson Mandela e outros políticos do Congresso Nacional Africano, defendeu a liberdade de imprensa e aboliu as leis do apartheid. Em 1993, ele e Mandela receberam o Nobel.
Foto: Getty Images/R.Bosch
"Ganhador indigno"
Também houve polêmica em 1994, quando o chefe da Organização para a Liberação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, juntamente com o então premiê israelense, Yitzhak Rabin, e seu ministro de Relações Exteriores, Shimon Peres, recebeu o prêmio por seus esforços de paz no Oriente Médio. Um político norueguês até renunciou em protesto contra o Comitê do Nobel, chamando Arafat de "ganhador indigno".
Foto: Getty Images
Um mundo melhor graças à ONU?
As Nações Unidas e seu então secretário-geral, Kofi Annan, receberam o Nobel da Paz de 2001 "por seu trabalho para um mundo melhor organizado e mais pacífico". Mas os críticos acusam a ONU de não defender esses ideais e de fracassar frequentemente, porque alguns países podem bloquear resoluções e ações conjuntas no Conselho de Segurança.
Foto: Reuters
Louros antecipados para Obama
Barack Obama estava na presidência dos EUA há nove meses quando ganhou o prêmio em 2009 por seus "esforços extraordinários para fortalecer a diplomacia internacional e a cooperação entre os povos". Os críticos consideraram a homenagem prematura. Mais tarde, Obama se notabilizaria por expandir ataques com drones no Iêmen e na Líbia, algo altamente controverso, de acordo com o direito internacional.
Foto: Reuters/C. Barria
"Luta não-violenta" e ajuda a criminoso de guerra
O ex-presidente da Libéria Charles Taylor foi condenado por crimes de guerra vinculados a milhares de assassinatos, estupros e tortura. Os críticos acusam sua sucessora, Ellen Johnson Sirleaf, ministra das Finanças de Taylor, de tê-lo apoiado na violência e corrupção. No entanto, em 2011, ela ganhou o Nobel por sua "luta não violenta pela segurança das mulheres".
Foto: T. Charlier/AFP/Getty Images
Tratamento questionável a requerentes de asilo
Cercas de arame farpado, detenção, condições desumanas nos campos de refugiados: ativistas dos direitos humanos criticam as políticas de refugiados da União Europeia há anos. Mesmo assim, a UE foi homenageada em 2012 pelo "avanço da paz e da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa".
Foto: picture-alliance/dpa/K. Nietfeld
Um pouco de paz
Abiy Ahmed mudou muito desde que se tornou primeiro-ministro etíope em 2018. No impasse do conflito fronteiriço com a vizinha Eritreia, a aproximação diplomática e a abertura das fronteiras foram incluídas. Mas o processo de paz estagnou - e enquanto Abiy goza da fama do Prêmio Nobel, na Eritreia Isayas Afewerki continua governando com mão de ferro.