Os alemães que lutaram contra Hitler na Iugoslávia
Rüdiger Rossig | Goran Gazdek
31 de agosto de 2021
Formado por alemães étnicos da Sérvia e Croácia e desertores da Wehrmacht, Batalhão Ernst Thälmann combateu ao lado dos guerrilheiros do marechal Josip Broz Tito.
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Vlado Juric pega pedacinhos de mármore do chão. Eles pertencem ao monumento em homenagem aos guerrilheiros da resistência no vilarejo de Slatinski Drenovac, que, como tantos memoriais antifascistas da Eslavônia e outras partes da Croácia, está danificado. O presidente da Associação de Antifascistas e Combatentes Antifascistas da pequena cidade de Slatina limpa cuidadosamente com um pano a placa comemorativa quebrada, que anuncia: "Aqui descansam 42 combatentes da 18ª brigada de choque".
A cena se repete todos os anos na véspera de 15 de agosto. Neste dia, em 1943, foi fundado batalhão Ernst Thälmann do exército de resistência iugoslavo – a única unidade militar formada inteiramente de alemães.que lutou ao lado dos Aliados contra a Alemanha de Hitler na Segunda Guerra Mundial.
"Os integrantes do batalhão, chamados Telmanovci ["a gente de Thälmann" em croata] vinham principalmente de aldeias alemãs em torno de Pakrac, Osijek, Slatina e Orahovica, assim como de povoados mistos de teuto-croatas e teuto-sérvios, como Levinovac, Trnava e Gasinac", explica Juric. Alguns outros eram desertores da Wehrmacht, o Exército da Alemanha nazista. No total, mais de 2 mil alemães lutaram nas unidades da resistência iugoslava sob o comando de Josip Broz "Tito".
"Durante a invasão alemã de 1941, cerca de meio milhão de alemães viviam na Iugoslávia, uns 100 mil deles, na Croácia", diz o historiador da Universidade de Leipzig Carl Bethke. "Por um lado, a associação cultural apoiada pela Alemanha nazista tinham franco sucesso entre os alemães na Iugoslávia. Por outro lado, os alemães tiveram uma grande participação na fundação do movimento operário da Croácia. Na Eslavônia, cidades inteiras eram tradicionalmente consideradas 'vermelhas'", explica o especialista em Sudeste Europeu.
Alemães étnicos e desertores
O batalhão Ernst Thälmann foi criada com o objetivo de motivar o maior número possível de alemães étnicos ou "volksdeutsche" – como os membros da minoria alemã na Iugoslávia eram chamados pelos nazistas – a participar da luta contra os ocupantes. A unidade recebeu o nome do secretário-geral do Partido Comunista da Alemanha (KPD) durante a República de Weimar, preso em 1933 e assassinado em 1944. Antes da invasão da Iugoslávia, alemães antinazistas já haviam formando um "batalhão Ernst Thälmann" que combateu ao lado dos republicanos na Guerra Civil Espanhola (1936-1939)
O emblema da nova unidade de resistência era a bandeira preta, vermelha e dourada da República de Weimar, com uma estrela vermelha no meio. A linguagem de comando era o alemão. Os membros da divisão receberam do Alto Comando Partidário uma máquina de escrever e uma copiadora, com as quais produziam panfletos convocando os soldados da Wehrmacht a se juntarem aos guerrilheiros.
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Linguagem perigosa
A maioria dos integrantes já havia lutado em outras unidades guerrilheiras. A primeira missão começou em 18 de agosto de 1943. Houve um incidente noturno: os guerrilheiros alemães foram atacados por outros guerrilheiros, que os ouviram falando alemão. Foi pura sorte, ninguém se feriu.
"Além dos combatentes, a divisão Thälmann também incluía as enfermeiras Emilia e Irma Mayer e um menino de 15 anos da Alsácia, de nome Carlo, que foi engajado como mensageiro", relata Petar Kavgic. "Aos poucos, outros combatentes foram se juntando. Um alemão da Holanda, desertor da Wehrmacht, que era chamado 'Karl Pequeno', por causa de sua estatura. Ou Wilhelm Jung de Vukovar, que assim evitou ser convocado para a SS", prossegue o historiador local, que há anos pesquisa a história da Eslavônia.
Mais de 100 caídos
A divisão Thälmann operou com sucesso até 27 de novembro de 1943, quando os guerrilheiros eslavos entraram em confronto com divisões de tanques da Wehrmacht. No combate pesado, a maioria dos combatentes foi morta, incluindo os dois filhos do comandante político da divisão, Johann "Ivan" Mucker, de Daruvar.
Cerca de metade dos mortos foi enterrada em duas sepulturas, uma no cemitério católico e outra no cemitério ortodoxo na aldeia de Mikleus, a 15 quilômetros de Slatina. Os locais de sepultamento dos outros guerrilheiros são desconhecidos. Os poucos alemães que sobreviveram foram integrados a outras unidades do Exército de Libertação do Povo Iugoslavo.
O legado dos guerrilheiros
Após a vitória sobre Hitler em 1945, milhares alemães que permaneceram na Iugoslávia foram internados em campos de concentração. Outros perderam a nacionalidade e foram expulsos com suas famílias. Suas propriedades foram confiscadas. "Quando os campos foram gradualmente fechados entre 1946 e 1948, a maioria emigrou para a Alemanha Ocidental", explica o historiador Bethke. Após a
O fato de que também havia alemães entre os guerrilheiros da resistência caiu no esquecimento.
Foi só em 1984 que Nail Redzic publicou Telmanovci, uma obra sobre a unidade alemã entre os guerrilheiros iugoslavos da resistência a Hitler. O livro foi publicado pelo então Exército Popular Iugoslavo. Em 1997, o historiador Heinz Kühnert e o ex-diplomata Franz-Karl, ambos da Alemanha Oriental, publicaram o livro Deutsche bei Titos Partisanen (Alemães entre os combatentes de Tito).
Em 1986, o romance Lass mich doch eine Taube sein (Deixa que eu seja uma pomba), de Wolfgang Held, foi publicado na Alemanha Oriental. A história de um comerciante eslavo-alemão cujo filho está na SS e a filha com os Telmanovci foi filmada pela Iugoslávia e pela Alemanha Oriental.
Os antifascistas de Slatina agora querem divulgar a história dos Telmanovci para um público mais amplo, e enviaram uma carta à chanceler federal alemã, Angela Merkel. "Somos da opinião que a senhora devia ser informada sobre esses notáveis eventos da Segunda Guerra Mundial, porque eles merecem divulgação e mais pesquisas históricas detalhadas. Queremos pesquisar os nomes de todos os combatentes da Divisão Thälmann e encontrar todos os cemitérios onde foram enterrados."
Cronologia da Segunda Guerra Mundial
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
Foto: Getty Images
1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.