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Uma conexão milenar

22 de maio de 2009

Platão já relacionava a música e os astros. Kepler falava na "harmonia do mundo". O Ano Internacional da Astronomia é oportunidade para investigar essa fonte de inspiração: de Haydn e Offenbach a Messiaen e Stockhausen.

Foto: AP

Seguindo uma proposta da União Astronômica Internacional (IAU), 2009 foi declarado Ano da Astronomia. Há 400 anos, em 1609, Galileu Galilei (1564-1642) e outros estudiosos utilizaram pela primeira vez telescópios para observações científicas. Além disso, com sua obra Astronomia Nova, Johannes Kepler estabeleceu naquele mesmo ano os fundamentos para que se compreendessem as leis físicas que regulam os corpos celestes.

"Ora – direis – ouvir estrelas!"

O espaço sideral: mistério e fascinação constantesFoto: NASA/JPL-Caltech/J. Rho

Vários séculos antes da era cristã, caldeus, assírios e babilônios já viam na música mais do que uma mera "decoração sonora" do mundo pelas mãos humanas. Até a alta Idade Média, essa arte fazia parte do cânon básico da formação erudita, ao lado da aritmética, geometria e astronomia.

Inúmeros estudiosos das grandes civilizações – em especial, os gregos Platão e Pitágoras – percebiam uma conexão entre o ser humano, seus sons e o cosmo. O estudo da música era encarado como uma chave para a compreensão do mundo.

Uma noção partilhada por esses pensadores era a de "harmonia das esferas". Segundo os filósofos pitagóricos, que se ocupavam da matemática e da harmonia numérica, as proporções e números astronômicos faziam soar as esferas siderais, resultando numa "música das estrelas".

No século 15, Nicolau Copérnico (1473–1543), pai da visão heliocêntrica do mundo, acreditava que através da música se poderia encontrar o caminho até as harmonias que deram origem ao universo. Para o astrônomo italiano, as relações entre as diferentes vozes musicais possuíam o potencial para reproduzir as proporções dos movimentos celestes.

Espelho dos destinos humanos

Bem antes de os caminhos da astronomia e da astrologia se separarem – uma em direção à ciência moderna, a outra relegada ao plano do esoterismo –, as estrelas e constelações representavam um papel importante na música. Na ópera, os corpos celestes frequentemente espelharam os destinos humanos.

Montagem de uma opereta de OffenbachFoto: AP

É assim que, no final de La Callisto, do barroco veneziano Francesco Cavalli (1602-1676), sua casta protagonista, uma ninfa, é elevada às esferas estelares, tornando-se imortal. Da mesma forma, um século adiante, Joseph Haydn (1732-1809) fará a personagem principal de sua ópera bufa Il mondo della Luna ir procurar a felicidade no satélite da Terra.

Passado um século, Jacques Offenbach (1819-1880) se inspirará na obra de Jules Verne para sua Le voyage dans la Lune. Entretanto, para o compositor de operetas, o tema da viagem espacial é apenas pretexto para uma caricatura irônica da condição humana.

A Harmonia do Mundo

Quer na forma de piada, ironia ou significado profundo, a inspiração em temas astronômicos atravessa toda a história da música – operística, sinfônica e de câmara. Por exemplo, a maneira como o compositor inglês Gustav Holst (1874-1934) empregou um coro feminino – vocalizando sem texto –, no final de The Planets opus 32, sua obra mais popular, faz pensar na noção coperniciana de harmonia celeste.

Johannes KeplerFoto: dpa

Note-se que o último dos sete movimentos (a Terra não está incluída) dessa suíte orquestral de 1916 é Netuno, pois o planeta-anão Plutão (classificado como nono planeta, até a redefinição desse conceito pela IAU, em 24 de agosto de 2006) só seria descoberto 14 anos mais tarde.

O astrônomo alemão Johannes Kepler (1571–1630) estava convencido: "A alma humana fica alegre ao escutar sons harmônicos [consonâncias], mal-humorada ao escutar sons não harmônicos [dissonâncias]".

Também teólogo e matemático, ele tratava a música como emanação e alegoria da harmonia do mundo. E é justamente este o título da ópera baseada na vida de Kepler, que Paul Hindemith (1895-1963) escreveu na primeira metade da década de 1920: Die Harmonie der Welt.

Visões sublimes

'Quarteto dos helicópteros', de Stockhausen, a ser executado em pleno voo, estreado na Alemanha em 2007Foto: PA/dpa

Eliminar as dissonâncias da vida através da música: uma bela, sublime visão que durante séculos elevou o valor espiritual da música a níveis astronômicos – no sentido literal do termo. E que seguiu movendo alguns compositores pelos séculos 20 e 21 adentro.

Considerem-se os poemas sinfônicos Des canyons aux étoiles, Couleurs de la cité céleste e outras obras místicas de Olivier Messiaen (1908-1992). Ou Karlheinz Stockhausen (1928-2007), que não só afirmava publicamente ser oriundo da estrela Sirius, como contava entre suas composições desde as miniaturas 12 melodias do Zodíaco até a visionária heptalogia cósmico-operística Licht, a ser executada ao longo de sete dias.

Autor: Dieter David Scholz / Augusto Valente
Revisão: Roselaine Wandscheer

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