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Os caminhos de Claude Debussy, "músico francês"

22 de agosto de 2012

Considerado um dos iniciadores da modernidade na arte ocidental, Debussy é natural de uma cidade próxima de Paris. Inspirado pela natureza e por sonoridades exóticas, era também pensador de rara percepção.

Foto: picture-alliance/dpa

Quem já escutou esse início, não esquece. Um solo de flauta sonhador, vindo do nada – ao mesmo tempo sedutor e indeciso, sensual e indiferente, sobriamente veemente –, que aterrissa sobre um acorde misterioso. Um jorro de arpa que se ergue e resvala. Um chamado distante de trompas. Silêncio.

Russo Nijinsky dançou o "Fauno" de DebussyFoto: picture-alliance / akg-images

Na história da arte, as datas de grandes reviravoltas são, em geral, meras convenções. Impossível dizer: "No dia tal terminou o Renascimento e começou o Barroco", por exemplo. Entretanto, para muitos músicos e músicologos, não há dúvida: com a estreia em Paris da peça orquestral Prélude à l'Après-midi d'un faune, em 22 de dezembro de 1894, inaugurava-se a modernidade na música ocidental.

Organicidade por números

Boa parte da música de Claude Debussy é assim: fluida, evasiva, ambígua em termos de compasso ou tonalidade. É como se o compositor estivesse improvisando ali, extraindo do silêncio esses sons jamais ouvidos – que, por outro lado, soam incrivelmente "certos", infalíveis.

Improvisação? Em seu livro Debussy in proportion, o musicólogo britânico Roy Howat lançou a tese que o francês organizaria suas peças a partir de sofisticados sistemas de proporções geométricas – baseados em especial na seção áurea, na sequência de Fibonacci e na espiral logarítmica, todas elas observáveis na natureza –, garantindo, assim, o equilíbrio formal e a "pontualidade" dos eventos sonoros.

O próprio Debussy jamais se referiu a um método matemático, nem deixou qualquer indício nesse sentido, quer nas composições acabadas, quer em anotações preliminares: se ele realmente utilizava esses andaimes, descartava-os assim que o edifício estava pronto. Mas, se a bem fundamentada argumentação de Howat procede, então números e equações seriam o segredo da organicidade dessa música? É quase como solucionar a quadratura do círculo – em notas musicais.

Proporções áureas conferem harmonia a gravuras do japonês Katsushika Hokusai (1760–1849)Foto: PD

O "antidiletante"

Achille-Claude Debussy nasceu em 22 de agosto de 1862 na cidade de Saint-Germain-en-Laye, antiga residência real a 20 quilômetros da capital. Aos 12 anos de idade, assim era avaliado por seu professor de piano no Conservatório de Paris: "Garoto encantador, verdadeiro temperamento de artista; tornar-se-á um músico distinguido; tem muito futuro". O que não o impedia de ser bastante impontual e relapso.

Aos 17 anos escreve sua primeira composição, um Trio para piano, violino e violoncelo. E na mesma época descobre com fanatismo as óperas de Richard Wagner – na contramão do nacionalismo acirrado do mundo musical parisiense. Essa paixão violenta, ele mais tarde renegará com unhas e dentes. Em 1903, exatamente 20 anos após a morte do mestre alemão, escreve:

Wagner jamais serviu à música. [...] Quando, num impulso de orgulho ensandecido, bradou [à Alemanha] "E agora vós tendes uma arte!", poderia, muito bem, ter dito: "E agora eu vos deixo o Nada, é vosso problema sair dele!". [...] Durante longo tempo, a música guardou, dessa influência, uma febre, incurável para todos os que aspiraram os eflúvios de pântano. [...] Wagner vai... se apagando... sombra fuliginosa e inquietante.

Esse estilo literário, aliás – plástico, cheio de verve e humor muitas vezes corrosivo –, era uma marca registrada de Debussy, o cronista e crítico musical, atividade que exerceu de 1901 a 1917. Nas ocasiões em que julgava necessitar de um escudo para as opiniões especialmente impiedosas, apelava a um interlocutor fictício. "Monsieur Croche, o antidiletante" é quem comenta:

O compositor na juventudeFoto: picture-alliance/dpa

"O senhor já notou a hostilidade de um público de sala de concertos? Já contemplou esses rostos cinzentos de tédio, de indiferença, ou mesmo de estupidez? [...] Essas pessoas, meu senhor, têm sempre o ar de serem convidados mais ou menos bem educados: [...] se não se vão, é por terem que ser vistos à saída; sem isso, por que teriam vindo? Admita que há razão para se ter horror total de música..."

"Impressionismo"

O intelectual-artista Debussy tem, é certo, horror declarado da vulgaridade, do óbvio, da ênfase exagerada. E acima de tudo, do que é supérfluo: o cerne de sua obra não soma muito mais do que as 24 horas de um dia. Bastou-lhe, por exemplo, compor um único quarteto de cordas, uma cantata, completar uma ópera. Mas estas são todas obras irretocáveis, seminais para os respectivos gêneros.

Assim como todos os demais ditos "impressionistas", Debussy abominava essa denominação. Cabe recordar: originalmente cunhado por um crítico de arte, para zombar da série de pinturas de Claude Monet intituladas Impressions, o termo foi importado das artes plásticas para a música, e muito a contragosto.

Porém, filho do século 19 e admirador de Chopin, ele não deixou de escrever dois cadernos de prelúdios para piano com títulos evocativos como: A catedral submersa, A menina dos cabelos cor de linho, Os passos na neve, Véus, Brumas, "Os ventos e os perfumes giram no ar da noite".

Só que – sutileza tipicamente debussyana – em vez de encabeçar as 24 peças, impondo uma imagem e induzindo a uma determinada interpretação, esses títulos só aparecem ao fim de cada prelúdio, como epígrafes a posteriori.

"Amanhecer", uma das "impressões" de Claude MonetFoto: PD

Ruídos naturais e exotismo

A natureza é, desde sempre, fonte de inspiração para o músico francês. Numa declaração a um jornalista austríaco, em 1910, ele afirmaria:

Todos ou ruídos que se fazem ouvir em torno do senhor podem ser expressos. Pode-se representar musicalmente tudo o que o ouvido refinado percebe no ritmo do mundo ao redor. Certas pessoas querem logo se conformar às regras; quanto a mim, não quero expressar senão aquilo que ouço.

Mas os sons debussyanos também evocam o que está distante, a música de outras culturas. E aqui é possível citar uma data precisa: entre outras amostras de mundos inauditos e "exóticos", em 1889 a Exposição Mundial trouxe a Paris música chinesa, africana e, sobretudo, o gamelan, orquestra de percussões afinadas de Java. E não só revolucionou a cabeça dos músicos, mas também impulsionou a moderna pintura e poesia europeias.

"Eu sou eu"

Em contrapartida, definir e preservar a essência de uma música que fosse inconfundivelmente francesa sempre foi uma preocupação central para Debussy. Suas últimas obras, três quase neobarrocas "sonatas para instrumentos diversos", ele assina ostensivamente: Claude Debussy, musicien français.

Falando ao mesmo jornalista austríaco, fez questão de afirmar: "Não há uma 'Escola Debussy'. Não tenho discípulos. Eu sou eu". E ainda: "Não revoluciono nada. Não estou demolindo nada. Sigo tranquilamente o meu caminho, sem fazer a menor propaganda para minhas ideias".

E, no entanto, sem ele dificilmente a música francesa teria tomado os rumos que tomou a partir da virada do século 20. Maurice Ravel, Edgard Varèse, Olivier Messiaen, Pierre Boulez, são quase impensáveis sem as suas explorações – na harmonia e ritmo, no piano, na voz, na orquestra. E mais além, o polonês Karol Szymanowski, o russo Igor Stravinsky, os norte-americanos George Gerwshwin e Duke Ellington, o japonês Toru Takemitsu, o romeno György Ligeti, os brasileiros Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim: eles e muitos outros foram direta ou indiretamente influenciados pelo pioneiro de Saint-Germain-en-Laye.

Sonhar a revolução

No fim da vida, em plena Primeira Guerra Mundial, essa preocupação assume aspectos bizarramente nacionalistas. Em 1915, ele escreveria:

[...] desde Rameau, não temos uma tradição nitidamente francesa. [...] Desde então, deixamos de cultivar nosso jardim, e sim, pelo contrário, apertamos a mão dos caixeiros-viajantes do mundo inteiro. [...] Pedimos perdão ao universo por nosso gosto pela clareza leve e entoamos um coral à glória da profundidade [...] e estávamos às vésperas de assinar naturalizações ainda bem mais suspeitas, quando o canhão exigiu bruscamente a palavra!...
Saibamos compreender sua eloquência brutal. Hoje, quando se exaltam todas as virtudes de nossa raça, a vitória deve dar aos artistas o senso da pureza e da nobreza do sangue francês.

Achille-Claude Debussy faleceu em decorrência de um câncer, em Paris a 25 de março de 1918, menos de oito meses antes do fim da Primeira Guerra Mundial.

Pierre Boulez, paladino da música debussyanaFoto: Harald Hoffmann/DG

É justo que o epílogo caiba a um dos maiores "discípulos à revelia do mestre", o compositor e regente Pierre Boulez. Pois, como Debussy, ele é dos bem poucos a poderem se gabar de, além de músico perfeccionista, desbravador e meticuloso, ser também um verdadeiro pensador da arte, consequente e original.

Assim Boulez conclui seu verbete para a Encyclopédie de la Musique:

Debussy permanece um dos músicos mais solitários de todos os tempos, [...] o único músico universal da França, pelo menos nos séculos 19 e 20. [...] Não há como derivar nenhuma lei vinculativa a partir dele; mas sem dúvida Debussy queria dar a entender que primeiro ele precisava sonhar sua revolução, antes que ela pudesse ser posta em prática.

Autor: Augusto Valente
Revisão: Carlos Albuquerque

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