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Os cem dias de Lula na prisão

16 de julho de 2018

Ex-presidente da República segue líder nas pesquisas eleitorais e continua sendo o candidato do PT, que investe na narrativa da perseguição política e faz suspense sobre possível plano B.

Lula da Silva
Lula discursa para apoiadores em São Bernardo do Campo, poucas horas antes da sua detenção, em 07 de abrilFoto: Reuters/L. Benassatto

Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se entregou para a Polícia Federal, em 7 de abril, a dúvida era quanto tempo ele permaneceria preso. Alguns analistas chegaram a apostar que o petista passaria apenas alguns dias atrás das grades. O cálculo levava em conta o leque de recursos que a defesa tinha à disposição e o humor de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) simpáticos ao ex-presidente ou que são contra a execução de penas após decisão em segunda instância.

No entanto, a defesa do ex-presidente vem acumulando desde abril seguidas derrotas no Judiciário e, nesta segunda-feira (16/07), Lula completa cem dias preso na sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.

No dia 15 de agosto, vence o prazo para os partidos registrarem seus candidatos. Mesmo com Lula preso e virtualmente inelegível por causa da condenação, o PT ainda insiste que ele será candidato à Presidência. Por enquanto, a situação legal do petista não diminuiu significativamente seu apelo eleitoral. Pesquisa do Ibope divulgada em junho o coloca na liderança da corrida presidencial, com 33% dos votos. Ele também venceria em qualquer cenário de segundo turno, segundo o Datafolha.

Lula também segue mantendo sua influência sobre o PT. Pouco antes de ser preso, ele escolheu a presidente do partido, a senadora Gleisi Hoffmann, como sua porta-voz. Desde então, Hoffmann vem censurando publicamente membros do partido que defenderam a adoção de um plano B nas eleições. O PT também transferiu simbolicamente a sede do seu diretório nacional para Curitiba, para que os membros da Executiva fiquem próximos do ex-presidente.

O petista também transformou a sala da PF onde permanece preso num comitê eleitoral informal. No início de julho, ele nomeou cinco coordenadores para sua campanha: o ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli; os ex-ministros Ricardo Berzoini, Luiz Dulci e Gilberto Carvalho; e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto. Mas a estratégia de manter uma campanha a partir da sede da PF também sofreu um revés na semana passada, quando a Justiça negou pedido para que Lula pudesse participar de "atos de pré-campanha", como entrevistas, sabatinas e participação por vídeo na convenção do PT no final de julho.

Um prisoneiro de destaque

Nos últimos cem dias, o PT se esforçou para manter o ex-presidente em evidência na imprensa e agitar a militância. Logo após sua prisão, apoiadores montaram uma vigília nos arredores da sede da PF em Curitiba. Todos os dias, os manifestantes gritam "bom dia", "boa tarde" e "boa noite" para Lula. O ritual provocou conflitos com moradores da região. No início, mais de 2 mil pessoas se revezavam no acampamento. Hoje o total não passa de 200 por semana.

Lula tem uma televisão na sala em que permanece preso. Não foram divulgadas fotos dele desde a chegada a Curitiba. O cuidado também é seguido pela PF. Agentes acompanham o ex-presidente em seus banhos de sol e ficam atentos para a presença de drones que sobrevoam o prédio. No caso de algum ser avistado, o ex-presidente é retirado do pátio interno.

Nas primeiras semanas de prisão, a Justiça só concedeu autorização para que familiares de Lula o visitassem na prisão. Personalidades como a ex-presidente Dilma Rousseff, o teólogo Leonardo Boff e o prêmio Nobel da paz Adolfo Perez Esquivel tiveram seus pedidos iniciais para ver o petista negados. Cada negativa foi divulgada pelo partido como um indício de que Lula seria um preso político. A juíza Carolina Lebbos, responsável pela execução da pena, passou a ser alvo de ataques na blogosfera pró-PT.

Apenas no início de maio a Justiça autorizou a visita de "amigos" uma vez por semana, sempre às quintas-feiras. Ele também recebeu autorização para visitas de "assistência religiosa" todas as segundas. Ao todo, 40 pessoas foram ver Lula em Curitiba, entre elas o ex-presidente uruguaio José Mujica e o ator americano Danny Glover.

O PT também tratou de pintar de maneira simpática a rotina do ex-presidente na prisão. Interlocutores do presidente divulgaram os livros que ele leu no cárcere – 21 nos primeiros 57 dias de prisão. Entre os títulos estão obras de apoiadores do ex-presidente, como o sociólogo Jessé Souza, o jornalista esportivo José Trajano, a filósofa Márcia Tiburi e o cientista político Alberto Carlos Almeida. Outras obras incluem uma história em quadrinhos sobre a cadela Laika, o primeiro animal enviado ao espaço; uma biografia do cantor Belchior; e o best-seller Homo Deus: uma breve história do amanhã.

Durante a Copa do Mundo, o ex-presidente também atuou como comentarista de futebol, enviando análises para o programa de Trajano na TVT, o canal de televisão da CUT. No entanto, a ação durou poucos dias, e o ex-presidente anunciou que não poderia mais contribuir para o canal por causa da legislação eleitoral, que veda a partir de 30 de junho a participação de pré-candidatos em programas televisivos e de rádio como apresentadores ou comentaristas.

Essas iniciativas para manter o cotidiano de Lula em evidência, no entanto, têm como efeito colateral banalizar a situação do ex-presidente e diminuir a força do discurso de perseguição política. No dia 8 de julho, no entanto, três deputados petistas criaram um fato novo ao apresentarem um pedido de habeas corpus em favor de Lula para um juiz plantonista com um histórico de ligação com o PT. O pedido foi aceito e deu início a uma batalha de decisões entre juízes federais. Lula permaneceu preso, mas o episódio voltou a agitar a militância, colocou o ex-presidente no centro do noticiário e provocou novos questionamentos sobre a conduta do juiz Sérgio Moro. Para os apoiadores de Lula, a ação contra sua soltura reforçou a narrativa de perseguição.

Possível soltura

Por enquanto, a saída do ex-presidente da prisão permanece uma incógnita. Sua defesa aguarda a análise de um pedido de habeas corpus apresentado ao STF. O pedido foi liberado para julgamento em plenário pelo relator da Operação Lava Jato no tribunal, Edson Fachin, mas não tem data para ser julgado e depende de uma decisão da presidente do STF, Cármen Lúcia, para ser colocado na pauta. O ex-presidente já teve quatro pedidos negados pelo tribunal em decisões individuais ou do plenário, incluindo rejeições de habeas corpus preventivos.

Alguns petistas torcem para que a situação se reverta com a chegada do ministro Dias Toffoli à presidência do STF, em setembro. Na chefia, Toffoli, que já foi advogado do PT, terá o poder de pautar eventuais habeas corpus de Lula ou colocar em votação uma das ações que pedem a revisão da autorização para o cumprimento da pena em segunda instância. Há possibilidade de isso ocorrer até mais cedo, já nesta segunda quinzena de julho. Toffoli deve assumir temporariamente a presidência do tribunal quando o presidente Michel Temer viajar ao exterior e Carmen Lúcia ocupar a Presidência da República.

Mas mesmo que Lula seja solto pelo STF, a situação eleitoral do ex-presidente vai continuar complicada. A condenação em janeiro por um órgão colegiado o colocou na rota para ser declarado "ficha suja" nas eleições. Mesmo solto, ele deve se limitar a ser um cabo eleitoral e articulador. A insistência de Lula e do PT na candidatura vem mantendo a estratégia oficial do partido em suspenso conforme as eleições se aproximam e dificultando a formação de alianças. Segundo o ex-governador Tarso Genro, o partido e até Lula pensam em um "plano B", mas "evitam verbalizar" as opções porque mantêm a esperança de que o ex-presidente possa reverter a condenação.

No final de junho, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad passou a fazer oficialmente parte da equipe de defesa de Lula. Como advogado, ele passou a poder ver Lula em qualquer dia da semana. Haddad é encarado por alguns membros do partido como um possível "plano B" quando Lula provavelmente for declarado inelegível. Na avaliação de alguns petistas, Lula deve manter a candidatura até o prazo final para substituição e então escolher outro candidato e tentar transferir seus votos. A dúvida é se Lula fará isso a partir da sede da PF ou em liberdade.

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