Mesmo para os menores migrantes que já foram reunidos a seus familiares na fronteira, drama continua. Segundo médicos, trauma da separação deve deixar marcas para a vida toda, físicas e psicológicas.
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Seria de esperar que fossem reconfortantes as imagens da reunião de famílias separadas na fronteira dos Estados Unidos. Na realidade, porém, os vídeos de pais migrantes que reencontram seus filhos pela primeira vez, após meses de separação, desencadeiam emoções perturbadoras.
Num deles, o solicitante de refúgio guatemalteco Hermelindo Che Coc revê o filho de seis anos no Aeroporto Internacional de Los Angeles, trazendo um balão de "feliz aniversário" e um presente. Ao confrontá-lo, o garoto o fixa com o olhar vazio, nada de sorrisos nem gritos de alegria. Quando o pai o abraça, seu corpo está rígido.
O jornal The New York Times relatou histórias semelhantes, dos piores pesadelos de qualquer mãe ou pai: espantados, seus filhos não os reconheciam mais, e em vez disso chamavam pelos assistentes sociais dos abrigos para onde haviam sido levados após serem tirados de seus pais que tentavam entrar nos EUA.
"A primeira coisa que se deve registrar é que as crianças estão muito traumatizadas pela separação e pelas condições nos centros de detenção", explica Elizabeth Barnert, professora-assistente de pediatria da Universidade da Califórnia em Los Angeles. "Portanto a reunião é um momento muito atordoante e intenso. As crianças sentem alegria, mas também muita confusão e raiva."
A pesquisadora, que investiga a separação e reunificação de crianças desaparecidas durante a guerra civil de El Salvador, adverte ser possível que elas culpem os pais por abandoná-las. "Na psicologia infantil, a tendência natural é pensar: 'Mamãe, você não me protegeu.'"
"Cada dia agrava os danos"
Nesta quinta-feira (26/07), quando se encerrou o prazo dado por um juiz ao governo de Donald Trump para que crianças de cinco a 17 anos, afetadas pela política de tolerância zero com migrantes, fossem devolvidas a seus pais, autoridades anunciaram que mais de 1.800 foram entregues, mas que outras 711 permanecem separadas de seus familiares.
Os penosos reencontros já ocorridos demonstraram quanto dano a separação de milhares na fronteira acarretou às famílias. Os médicos apontam para a probabilidade de que os pequenos migrantes sofram danos físicos, mentais e emocionais de longo prazo.
O diretor do Centro para a Criança em Desenvolvimento da Universidade de Harvard, Jack P. Shonkoff, divulgou um comunicado em que alerta que privar um menor do apoio de seu ou sua cuidador(a) principal pode ter impacto severo, não só no aprendizado e comportamento, mas também, duradouramente, sobre a saúde.
"Acima e além do sofrimento visível 'do lado de fora', essa experiência devastadora desencadeia na criança uma maciça resposta biológica de estresse, que permanece ativa até o cuidador familiar voltar. [...] Cada dia em que deixamos de restituir essas crianças a seus pais, nós agravamos o dano e intensificamos suas consequências para toda a vida."
Lanre Falusi, do Sistema Nacional de Saúde Infantil de Washington, trata sobretudo imigrantes. Alguns de seus pacientes chegaram aos EUA após sofrer abuso e ameaça de sequestro. Um deles, um menino de dez anos, foi ameaçado de morte se não se juntasse a uma gangue.
Segundo a pediatra, o estresse extremo de ser separado dos pais exacerba o trauma pré-existente. Quando isso resulta em resposta de estresse tóxico, as consequências podem ser devastadoras.
"Vemos mudanças nos hormônios do estresse, no desenvolvimento cerebral. No longo prazo, isso também pode se manifestar na forma de doenças mentais, como transtorno de estresse pós-traumático (TSPT), ansiedade e depressão. Menores que sofreram estresse tóxico têm um risco maior de suicídio à medida que ficam mais velhos."
As crianças mais jovens são especialmente vulneráveis, podendo até desenvolver distúrbios físicos, explica Falusi. "As alterações hormonais na verdade causam mudanças nos corpos delas, como maior risco de doenças cardíacas, diabete, problemas hepáticos e câncer."
Em vez da felicidade, novos traumas
Defensores de leis de imigração rigorosas nos EUA argumentam que a ameaça verossímil de tratamento duro seja o único modo de evitar que eventuais imigrantes tentem atravessar ilegalmente a fronteira.
No entanto, Falusi está convencida de que seus pacientes em fuga da violência não veem alternativa: "Quando esses pais pegam seus filhos e seus pertences no meio da noite e fogem, eles não acham que tenham escolha."
No momento, o foco ainda está na estonteante logística de devolver as crianças que continuam separadas aos pais, o mais rápido possível. De acordo com as autoridades, as 711 que permanecem longe da família não estão elegíveis para a reunião por diversos motivos. Em mais de 400 casos, os pais já não estariam mais nos EUA.
Embora o governo Trump tenha adotado um novo curso, devido à grande indignação pública pelas separações na fronteira, a mudança de política em nada contribui para tratar dos danos já causados ou prover meios de remediá-los.
Para Barnert, é essencial considerar que passos tomar em relação aos menores após a restituição. Ela defende que eles sejam avaliados por profissionais de saúde mental e que lhes seja oferecido tratamento apropriado.
"Além de necessitar apoio psicológico, provavelmente todos esses jovens têm depressão, ansiedade ou algum componente de TSPT." Para famílias que pensavam ter escapado do pior e estar indo em direção a uma vida melhor, os Estados Unidos trouxeram novos traumas.
Em seu mandato, o ex-presidente americano Donald Trump prometeu construir um muro entre EUA e México. Mas, muito antes disso, esta fronteira já havia sido foco de filmes espetaculares. Veja a lista.
Foto: picture-alliance/United Archives/TBM
John Wayne em guerra
Em meados do século 19, EUA e México entraram em guerra sobre o estado do Texas, que pertencia aos mexicanos, mas foi anexado pelos americanos. A longa disputa foi muitas vezes retratada por Hollywood nos faroestes que detalhavam os violentos conflitos entre colonos americanos e o Exército mexicano. Entre os mais espetaculares está "Álamo" (1960), estrelado por John Wayne e Richard Widmark.
Foto: picture-alliance/United Archives/TBM
Dietrich e a fronteira
Em 1958, Marlene Dietrich fez uma breve aparição no brilhante suspense "A marca da maldade". O diretor Orson Welles, que teve o papel principal no filme, fez da região fronteiriça entre México e EUA o cenário para falar sobre corrupção, tráfico de drogas e outros crimes.
Foto: picture-alliance/United Archives/IFTN
"Rio Bravo"
Quando John Wayne apareceu em "Álamo", a grande era do faroeste americano estava quase no fim. Mas, quando o gênero cresceu na década de 1950, muitos faroestes se passaram na fronteira entre Texas, Novo México e Arizona de um lado, e o México, do outro. Um marco simbólico era o rio Grande que, localizado nesta fronteira, rendeu o título do legendário filme do diretor John Ford, de 1950.
Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library
A fronteira em faroestes posteriores
No entanto, a fronteira entre os dois países conseguiu manter sua importância em numerosos faroestes lançados posteriormente. A região desempenhou um papel de destaque em "Meu ódio será tua herança" (1969), do diretor Sam Peckinpah, um épico do faroeste selvagem com muito sangue e que enfoca a ilegalidade em uma terra esquecida.
Foto: Imago/Entertainment Pictures
Variações modernas
O diretor americano Robert Anthony Rodriguez tem uma paixão pela região de fronteira, o que talvez se deva às suas raízes mexicanas. Muitos de seus filmes reproduzem o choque de culturas nesta região fronteiriça. Seu filme "Um drink no inferno", de 1996, viu Quentin Tarantino e George Clooney encenando irmãos que roubam bancos e que tentam fugir para o México.
Foto: picture-alliance/United Archives
Não há lugar para envelhecer
Ganhador de vários Oscars em 2008, entre eles o de melhor filme e direção, "Onde os fracos não têm vez" foi dirigido pelos irmãos Joel e Ethan Coen. A produção aborda as drogas, máfia, assassinatos e fraudes. O filme se passa na fronteira entre EUA e México – um lugar perigoso, onde a morte é comum e poucos envelhecem.
Foto: picture-alliance/dpa/Paramount Pictures
Ao sul de Albuquerque
Albuquerque, no Novo México, é o cenário da extremamente popular série de televisão "Breaking Bad", que foi produzida entre 2008 e 2013. Ela enfoca histórias na região envolvendo drogas. Ao sul de Albuquerque, fica a lendária fronteira entre Estados Unidos e México.
Foto: Frank Ockenfels 3/Sony Pitures
O lado obscuro do comércio
No filme "Desaparecidos" (2007), o diretor alemão Marco Kreuzpaintner escolheu contar a história de crianças mexicanas que atravessam a fronteira para os Estados Unidos como parte do tráfico de escravos sexuais. A estrela de Hollywood Kevin Kline desempenhou o papel principal.
Foto: picture-alliance/kpa
Guerra de drogas na fronteira
"Sicario: terra de ninguém" examina o impacto das guerras do narcotráfico na área de fronteira entre Arizona e México. O cineasta canadense Denis Villeneuve fez o agitado suspense em 2015, tendo Benicio del Toro no papel principal. A obra foi filmada no sul do Arizona.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Lionsgate/Richard Foreman Jr.
Filmes sobre drogas
A questão do narcotráfico parece atrair diretores de forma mágica. Em 2013, o cineasta britânico Ridley Scott filmou um suspense também nesta região fronteiriça. "O conselheiro do crime", estrelado por Brad Pitt e Michael Fassbender, foi filmado em El Paso, no Texas, e na Espanha.
Foto: picture-alliance/dpa
Crime e política
Há 17 anos, o diretor Steven Soderbergh lançou o renascimento dos filmes sobre a guerra das drogas. Em "Traffic", ele retrata a complexa relação entre polícia, traficantes e políticos – cujos laços uns com os outros estão indissociavelmente interligados para além das fronteiras geográficas.
Foto: picture-alliance/United Archives
Histórias de detetive
Além de faroestes e suspenses sobre drogas, inúmeras histórias de detetives e assassinatos misteriosos decorrem na fronteira entre EUA e México. Um clássico do gênero é o filme "O perigoso adeus" (1973), de Robert Altman, baseado em um romance de Raymond Chandler. O filme foi gravado na Califórnia, mas também em Tepoztlán, no México.
Foto: picture-alliance/United Archives/Impress
A fronteira em tempos de globalização
Em 2006, o diretor mexicano Alejandro González Iñárritu filmou o drama narrativo múltiplo "Babel". A obra traça os destinos entrelaçados de várias pessoas de diferentes regiões do mundo, e é uma parábola cinematográfica sobre a questão do significado da fronteira para as pessoas em tempos de globalização.
Foto: picture alliance/kpa
Comédia de fronteira
Não há muito o que rir quando se trata de uma fronteira. A maior parte dos filmes que lida com os laços entre EUA e México tendem à seriedade. Mas, em 2004, James L. Brooks fez a comédia "Espanglês" sobre um encontro com muito clichê entre um americano rico (Adam Sandler) e uma faxineira mexicana (Paz Vega).
Foto: picture-alliance/United Archives
Drama sobre imigração
Nos últimos anos, mais e mais filmes foram produzidos sobre imigração e pobreza na região. No ano passado, a coprodução Alemanha-França-México "Soy Nero" estreou na Berlinale. O diretor Rafi Pitts, com raízes iranianas, conta a história de um jovem mexicano que atravessa a fronteira para os EUA em busca de uma vida melhor.
Foto: picture-alliance/dpa/Neue Visionen
Um clássico moderno
Talvez o filme mais impressionante sobre a imigração do Sul para o Norte tenha sido feito por Cary Fukunaga, em 2009. "Sem identidade" retrata o destino de vários jovens do México que estão tentando chegar aos EUA. Enquanto alguns estão tentando escapar de bandos criminosos de suas cidades, outros procuram o paraíso na Terra.