1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Os desafios da transição após uma presidência radicalizada

Retrato de Magna Inácio, cientista política e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Magna Inácio
25 de novembro de 2022

Nos EUA, a troca de poder entre Trump e Biden foi a mais tumultuada desde o século 20. O Brasil vive um cenário semelhante após Bolsonaro inflamar extremistas que hoje contestam o resultado das urnas diante de quartéis.

"No Brasil, a transição presidencial é relativamente institucionalizada, o que constrangeu movimentos mais radicais de Bolsonaro para inviabilizá-la."Foto: Andressa Anholete/Getty Images

A transição governamental tornou-se o centro dinâmico da política brasileira no pós-eleição, mas numa direção sem precedentes. Apesar das rápidas manifestações de apoio ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, o processo de transição transcorre em um ambiente político relativamente hostil, com protestos violentos e contestação do resultado eleitoral pelo PL , o partido de Jair Bolsonaro.

A transição governamental é uma faceta do ciclo de vida dos governos relativamente ignorada. Gestar condições de governança durante a transição pode ser decisivo para que o presidente chegue à posse com chances de liderar efetivamente o Executivo e a administração pública. Em democracias débeis, com a integridade eleitoral e a transferência do poder muitas vezes sob ameaça, é menos provável que isso ocorra. Mas democracias consolidadas também estão sujeitas a esse risco.

"Desafios não convencionais"

Quando a polarização e a radicalização políticas guiam a disputa pelo poder, transições mais custosas ou disfuncionais também se tornam prováveis em democracias. Para Ted Kaufman, ex-senador e coordenador da equipe de transição presidencial do governo Joe Biden em 2020-2021, esse foi um dos "desafios não convencionais" que tornaram essa transferência de poder pós-Donald Trump a mais tumultuada nos Estados Unidos desde o século 20. O cenário é semelhante no Brasil, em que o presidente, ao longo do governo, inflamou radicais e extremistas que hoje contestam os resultados das urnas nas portas de quartéis.

Manifestantes pró-Bolsonaro protestam contra resultado eleitoral diante do Comando Militar do Leste, no Rio de JaneiroFoto: Silvia Machado/TheNEWS2/ZUMA/picture alliance

Sabemos que regras e liderança política importam para a transferência pacífica e legítima do poder. Mas as lições recentes mostram que elas são ainda mais decisivas quando se trata de transferir o poder de presidências radicalizadas.

No Brasil, a transição presidencial é relativamente institucionalizada, o que constrangeu movimentos mais radicais de Bolsonaro para inviabilizá-la. As regras que balizam esse processo foram introduzidas pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 2002, numa iniciativa para conferir bases mais previsíveis e transparentes às mudanças de governos. O desenho do processo conferiu protagonismo ao governo entrante, assegurando ao presidente eleito, e não ao mandatário, o direito de instituir sua equipe de transição, ficando órgãos e entidades da administração pública federal obrigados a apoiá-la.

Gabinete de transição com ares de governo de fato

Mas a transição depende também das escolhas de quem a lidera. O processo de transição em curso, deflagrado quatro dias após o segundo turno, permitiu ao presidente eleito, Lula, converter, rapidamente, a agenda eleitoral em governamental. Um movimento estratégico para galvanizar as ambições de potenciais aliados e desidratar o campo opositor.

O gabinete de transição, para além de organizar a inauguração da nova Presidência, ganhou ares de um governo de fato. As agendas legislativas prioritárias do presidente eleito dispararam o gatilho das negociações com o Congresso, sinalizando a disposição do novo governo para reposicionar o Executivo no processo decisório. O gabinete de transição ganhou rapidamente as feições da coalizão de governo em gestação, coalescendo o apoio de 14 partidos políticos integrados ao seu Conselho Político.

"Transição de portas abertas"

Mas é na arquitetura de uma "transição de portas abertas" que o presidente tem apostado suas fichas para intensificar a mobilização política em torno do novo governo. Antecipando resistências e gargalos informacionais na interação com o governo em saída, os 31 grupos de trabalho temático foram incumbidos de disparar alarmes de incêndio sobre o estado das políticas públicas, mas também sobre os malfeitos da atual gestão. Para isso, a prerrogativa de nomear assessores e colaboradores foi deliberadamente utilizada para dar voz a segmentos da sociedade civil silenciados no governo Bolsonaro.

Como respostas aos "desafios não convencionais" do ambiente político do país, essas são estratégias que podem suavizar a transferência de poder. Mas cabe ressalvar que elas tornam a transição presidencial mais complexa e desafiante. Deflagrar a dinâmica de governo no contexto da transição precipita o processo decisório, a escolha de ministros e as disputas por espaços na agenda governamental. Algo que pode desviar as energias da equipe de transição do esforço para modelar uma estrutura de governança democrática capaz de assegurar a liderança efetiva e politicamente sustentável do governo Lula diante dos desafios que enfrentará a partir de janeiro.

______________

Planaltices é uma coluna semanal sobre política brasileira. Os textos são escritos por colaboradores do grupo de pesquisa PEX (Executives, presidents and cabinet politics), vinculado ao Centro de Estudos Legislativos (CEL) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenada pela cientista política e professora da UFMG Magna Inácio, a coluna é publicada simultaneamente pela DW Brasil e repercutida no blog do PEX

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

Magna Inácio Cientista política e professora da UFMG e coordenadora da coluna Planaltices.
Pular a seção Mais dessa coluna

Mais dessa coluna

Mostrar mais conteúdo
Pular a seção Sobre esta coluna

Sobre esta coluna

Planaltices

Esta coluna é uma parceria da DW Brasil com o PEX, núcleo de estudos sobre presidencialismo institucional da UFMG e capitaneado por Magna Inácio.