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Os desafios para o futuro da democracia

Helle Jeppesen
15 de setembro de 2019

Regime político enfrenta descrédito e objeção até mesmo em países nos quais está enraizado na sociedade. Falta de representatividade de parcelas da população em parlamentos contribui para esse cenário.

Cédula de votação sendo coloca numa urna
Segundo estudo, menos de 5% da população mundial vive nos únicos 20 países classificados como "democracias plenas"Foto: picture-alliance/Chromorange/E. Weingartner

Em Londres, o primeiro-ministro Boris Johnson suspendeu o Parlamento britânico, na Alemanha cresce a preocupação com a ascensão do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) e na Rússia houve recentemente semanas de protestos após muitos candidatos da oposição terem candidaturas negadas nas eleições regionais.

As democracias estão cada vez mais sob pressão em todo o mundo, como mostrou também o Índice de Democracia, publicado pela empresa britânica de análise Economist Intelligence Unit (EIU) no começo do ano. De acordo com o ranking, menos de 5% da população mundial vive nos únicos 20 países classificados como "democracias plenas".

"Se os governos não implementam as políticas que os eleitores desejam, e esses, por sua vez,  perdem a confiança na democracia, teremos então um problema", disse Fiona Mackie, da EIU.

Em muitos países, cada vez mais partidos políticos tradicionais estão perdendo apoio popular. Parcelas da população, como imigrantes ou jovens, não têm direito ao voto, além de não serem representadas nos parlamentos.

"Ao olhar para quem ocupa os assentos nos parlamentos, notamos um forte desequilíbrio. São, sobretudo, acadêmicos ou pessoas que podem se dar ao luxo de se envolver na política", comentou a  cientista política Norma Tiedemann, da Universidade de Kassel, na Alemanha.

Este não é um fenômeno exclusivamente europeu. Em todas as democracias, sejam elas consideradas completas ou incompletas, os parlamentos não refletem a sociedade como um todo, o que acaba influenciando as decisões tomadas por governos e pelo legislativo.

"Aqueles que são eleitos e que deveriam representar toda a sociedade tomam, com frequência, decisões que não são do interesse da nação em geral ou dos segmentos da população de baixa e média renda", ressaltou Tiedemann.

Muitos deixam de votar quando sentem que seu voto não tem influência. A participação nas eleições municipais de Moscou ficou abaixo de 22%. Por outro lado, mais de 60% dos eleitores foram às urnas nas últimas eleições estaduais alemãs em Brandemburgo e na Saxônia. O fato de a AfD ter sido a segunda legenda mais forte nos dois pleitos foi classificado por especialistas como um sinal de protesto.

Há ainda diferenças sociais no comportamento eleitoral. "A maioria dos estudos sobre a participação dos eleitores nas últimas décadas mostra que pessoas com renda e nível escolar mais baixos tendem a votar menos", apontou Tiedemann.

Sufrágio universal?

Mas quem tem permissão para votar? Na maioria dos países, o direito ao voto em pleitos parlamentares é garantido a partir de 18 ou 20 anos. No Brasil, Equador, Nicarágua, Argentina e Cuba, essa idade mínima cai para 16 anos, enquanto em Timor Leste, Sudão e nas Ilhas Seychelles para 17 anos. Existem ainda regras especiais, por exemplo, na Sérvia e em Montenegro, trabalhadores podem votar a partir dos 16 anos, e na Indonésia somente casados podem ir às urnas.

Na maioria dos países, com exceção do Chile, Uruguai, Nova Zelândia e Malaui, imigrantes sem cidadania do Estado onde residente não tem direito ao voto. Na Alemanha, cidadãos alemães com mais de 18 anos podem votar. Em alguns estados, no entanto, o direto ao voto nas eleições municipais e estaduais é a partir de 16 anos de idade.

Cidadãos de outros países da União Europeia (UE) residentes na Alemanha podem participar de eleições municipais e europeias. Os cidadãos de países que não pertencem ao bloco e que não possuem cidadania alemã, porém, não têm direito ao voto. Na Alemanha, isso significa que cerca de 8 milhões de pessoas não podem votar.

Desde que a Arábia Saudita introduziu o sufrágio feminino em 2015, mais de um século de luta de mulheres pela participação eleitoral chegou ao fim. O país era o último do mundo que ainda negava esse direito às mulheres.

Apesar de poderem votar, nos parlamentos em todo o mundo, as mulheres tem ainda pouca representatividade. Já é considerado um sucesso quando uma parcela de 20% dos assentos é ocupada por mulheres.

"O nível de participação das mulheres é muito baixo", disse Mackie, ao comentar as últimas descobertas do Índice de Democracia. "Mas o número em si não conta a história toda. A relevância dessa participação também é importante. Por exemplo, vemos uma alta proporção de mulheres no Parlamento de Ruanda, mas os parlamentares não têm muito poder no país", acrescentou.

Autodeterminação coletiva

Apesar de tudo, as instituições democráticas existentes são um enorme sucesso emancipatório e é essencial que sejam defendidas, ressaltou Tiedemann. "Nelas residem a promessa de igualdade e de uma autodeterminação coletiva, nas quais nós, como sociedade, organizamos e administramos racionalmente nossa vida comum."

De acordo com uma pesquisa recente, oito em cada dez alemães pensam de maneira semelhante e consideram a democracia a melhor forma de governo para a Alemanha. No entanto, segundo a mesma pesquisa, quatro em cada dez alemães estão insatisfeitos com a implementação da democracia. Eles se queixam principalmente sobre a falta de oportunidades de participação direta.

No mundo globalizado, decisões importantes são cada vez menos tomadas nos parlamentos, ficando a cargo de empresas focadas em privatizações, lucros e concorrências. "Isso significa que sequer temos formalmente direito de participação em grandes áreas que afetam nossa vida cotidiana", disse Tiedemann. "A democracia, como a temos, nos promete algo que não pode manter, porque seu âmbito de ação é incrivelmente limitado."

Apesar disso, a cientista política vê esperanças. Em seu doutorado, Tiedemann mostra que há novas abordagens para fortalecer a democracia por meio da participação popular. "Na Espanha, em particular, depois dos protestos massivos contra a gestão da crise, que teve consequências sociais devastadoras, as pessoas uniram forças e voltaram a praticar tradições antigas da organização local", contou Tiedemann. Assim surgiram novas alianças que estão ancoradas localmente nas cidades e que buscam promover a democratização das instituições democráticas a partir de baixo.

Segundo Tiedemann, há na Croácia uma iniciativa para criar uma instituição "ética" de crédito, na qual se decide democraticamente quais projetos locais devem ser apoiados, por exemplo, na criação de empresas. Existem muitos exemplos semelhantes no mundo. "O ponto importante é que as pessoas se organizam em suas vidas cotidianas e tentam viver nesse cotidiano a democracia todos os dias", destacou a cientista política.

Mackie, de EIU, confirma que o envolvimento político dos cidadãos está crescendo em todo o mundo – uma das poucas tendências positivas no Índice de Democracia deste ano. "Não se trata apenas de participação eleitoral. Trata-se de interesse por notícias políticas, engajamento político e sobre pessoas que levam a política e a democracia a sério", completou.

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