Não me surpreendeu a notícia de que a família Bolsonaro recebeu as joias da Arábia Saudita como bens de caráter "personalíssimo". Nada mais normal do que o presidente e sua esposa receberem joias no valor de quase R$ 17 milhões como um presente pessoal. Ainda mais quando o remetente for o governo de um país com o qual o Brasil estava, na época, negociando acordos.
Bom, falando sério: ainda mais espantoso é ver o vídeo no qual o coronel Mauro Cid, o faz-tudo do presidente, organiza a retomada das joias aprendidas pela Receita Federal em São Paulo, poucas horas antes da fuga presidencial para a Flórida, no fim de dezembro. Havia um avião da FAB, além diárias pagas para que o sargento Jairo Moreira da Silva pudesse ir a São Paulo, onde tentou vários truques para liberar as peças.
De onde a família Bolsonaro tira esses fieis faz-tudos? Antes, era o Fabrício Queiroz, o faz-tudo do Jair e do Flávio, além da família do Adriano da Nóbrega, claro. Agora é uma turma de militares. Ainda tem Frederick Wassef, o advogado do clã, que até emprestou sua casa em Atibaia para o Queiroz se refugiar.
Falando nisso: já sabemos algo sobre os cheques no valor de R$ 89 mil depositados pelo Queiroz na conta da Michelle Bolsonaro? Nunca saberemos, penso, assim como não haverá consequências para a família Bolsonaro – nem pelo caso das rachadinhas, nem por este novo, das joias sauditas. Aparentemente, existem castas aqui no Brasil que são intocáveis.
A Justiça não atuou de forma pesada contra as falas misóginas e racistas de Bolsonaro quando ele era deputado, nem quando "dedicou" seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff a um monstro torturador. Sem falar da multa ambiental emitida pelo Ibama a Jair por pescar em local proibido em Angra dos Reis. Foi logo anulada quando o Jair virou presidente.
E tenho a sensação que nem esse novo caso fará com que Bolsonaro perca seus súditos. A percepção da realidade é subjetiva, os seguidores ferrenhos desculpam qualquer deslize do seu herói. Sabemos que isso também se aplica à esquerda, onde o PT está criando a narrativa de que a Lava Jato foi apenas uma invenção de uns juízes e promotores. E nada mais.
Segundo essa narrativa, devemos ser mais pragmáticos e menos moralistas. Afinal, "corrupção existe em todos os lugares". Conforme esse argumento, o importante é a governabilidade, pois o caos e a anarquia devem ser evitados a qualquer preço, para garantir a sobrevivência da sociedade. O governo Lula manter ministros suspeitos de corrupção e de ligações com milicianos entristece. "Mas, teremos, pelo menos, a salvação da Floresta Amazônica em troca".
P.S.: Aí me pergunto, por que o Lula não simplesmente declarou o triplex no Guarujá ou o sítio de Atibaia como presentes personalíssimos, para acabar com os problemas judiciais? Solução simples.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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