1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Os efeitos do êxodo migratório que vem esvaziando Cuba

16 de abril de 2025

Em meio à crise econômica, saída em massa de cubanos da ilha não parece ter fim à vista. País, que vê população cair há uma década, já enfrenta falta de pessoal em setores cruciais e até na saúde.

Rua em Havana
Rua em Havana. Nos últimos anos, população de Cuba caiu para patamar da década de 1980. E tendência vem acelerandoFoto: Frank L.O'Callaghan/UIG/IMAGO

O jovem Davi Obispo, de 20 anos, se prepara para deixar Cuba. Trabalhando como auxiliar de uma biblioteca, ele afirma que não vê perspectiva de melhora nas condições de vida no país e, por isso, decidiu deixar a ilha nos próximos meses em busca de novas oportunidades.

"Vou ao Brasil. Apesar de lá ter um idioma diferente do espanhol, sei que os brasileiros são como nós, abertos e felizes, e também há muitas vagas de trabalho, pois a economia está crescendo muito. O objetivo é, depois de me estabelecer, enviar dinheiro à minha família", conta à reportagem da DW.

Assim como o jovem, outros milhares de cubanos estão deixando o país, em um movimento que se acentua após a pandemia de covid-19 - que arrastou Cuba para a maior crise econômica da história recente, com alta da inflação, queda do PIB e racionamento de produtos. Não à toa, o país viu sua população cair nos últimos dez anos seguidos, de acordo com dados da Oficina Nacional de Estatística e Informações (ONEI).

O drama vivido pela população local há anos parece ter chegado ao ápice agora. Já há falta de pessoal para trabalhar nas plantações e nos hotéis de turismo, dois dos setores mais importantes para a economia do país. Também faltam médicos para trabalhar no setor de saíde - um dos pilares da revolução cubana.

"Grande parte dessa emigração é composta por jovens de 19 a 49 anos, ou seja, mulheres em idade fértil, e homens que estão efetivamente na idade em que se concentra a força de trabalho. Isso realmente tem impactado não só toda a economia cubana, mas também certas atividades, como, por exemplo, serviços sociais, educação e saúde, que foram realmente afetados pelo êxodo de pessoal", afirma Omar Everleny Pérez Villanueva, doutor em Economia e ex-diretor do Centro de Estudos Econômicos Cubanos da Universidade de Havana.

Fila para adquirir alimentos em Havana. Crise econômica crônica só piorou desde a pandemiaFoto: AFP

População em queda

Cuba perdeu cerca de 10% da população nos últimos três anos, chegando a cerca de dez milhões, no último censo divulgado, ao fim de 2023 - mesmo patamar populacional de 1985. A saída em massa de jovens, no entanto, se acelerou após a pandemia, quando o quadro econômico do país, sob regime comunista há mais de seis décadas, piorou ainda mais. A taxa anual de crescimento da população, que já vinha sendo negativa desde 2015, passou a registrar um encolhimento médio de -0,4% ao ano a partir de 2021.

A perspectiva também não é positiva. De acordo com uma projeção da Organização das Nações Unidas (ONU), a população de Cuba corre o risco de continuar a cair de maneira constante, chegando a cinco milhões até 2100.

"Cuba vive hoje uma importante combinação de envelhecimento da população, baixas taxas de natalidade e a imigração da população jovem e preparada, que desestabiliza o país", diz Vanessa Oliveira, especialista em política cubana e co-organizadora do livro Entre a utopia e o cansaço: pensar Cuba na atualidade.

Na ilha, a taxa de natalidade a cada 1.000 pessoas era de 11,2 em 2013, acelerou a queda para 9,4 em 2020 e chegou a 8,8 em 2023 - último ano disponível na ONEI. Para efeito de comparação, a taxa brasileira é de 14, segundo a ONU. Além disso, segundo a ONEI, em 2019, antes da pandemia, o saldo migratório em Cuba foi de -17 mil pessoas. Já em 2021 foi a -227 mil, passando a -431 mil e -345 mil pessoas em 2022 e 2023, respectivamente.

Para Oliveira, a emigração cubana dos últimos anos precisa ser avaliada a partir de motivações internas, como alterações legislativas e econômicas, mas também por políticas de repressão econômica ao país por parte dos Estados Unidos.

Outra decisão adotada pelo governo cubano nesse período foi a flexibilização das leis relacionadas à imigração de longa duração, com o objetivo de manter ligação com os cidadãos que deixavam o país. "Passou a ser possível, por exemplo, viajar para turismo ou trabalho e manter direitos como os de propriedade, sem perder a cidadania cubana, se a pessoa voltar em até dois anos", diz.

Além disso, em 2021, o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, retirou a exigência de visto para cubanos a partir de um acordo com o governo de Miguel Díaz-Canel, o que "abriu uma outra via de imigração para os EUA pela famosa ruta de los volcanes – até então pouco utilizada pelos cubanos", conta, ao explicar a maior facilidade da emigração cubana nos últimos anos.

Até mesmo o número de médicos vem caindo em CubaFoto: Xinhua/imago images

Impacto econômico

A saída em massa dos cubanos é pauta nas conversas entre a população nas ruas de Santa Clara, cidade localizada no interior da ilha. "Meu filho foi aos EUA. De lá, nos manda dólares importantes. Aqui, para ele, estava muito difícil, os preços não param de subir e não há melhora à vista", Javier Carlos, arquiteto.

A percepção da moradora é corroborada por especialistas. A inflação chegou a 30% em 2023, segundo os últimos dados da ONEI - embora os preços no mercado informal cresçam na casa dos três dígitos. A alta dos preços de forma descontrolada é um dos fatores citados para a debandada histórica. A falta de pessoal, contudo, continua a agravar o problema da inflação no país.

"Cuba está realmente em uma situação muito complexa no que diz respeito à força de trabalho. Se um processo de desenvolvimento fosse empreendido agora, ou seja, se surgissem investimentos, Cuba teria um problema de mão de obra. Acho que está chegando o momento em que teremos que importar mão de obra", afirma Villanueva.

Especialistas afirmam que a safra de cana de Cuba, um dos principais produtos produzidos no país, foi uma das piores dos últimos anos, embora ainda não haja dados oficiais, e o número de turistas que chega ao país caiu cerca de 30% nos primeiros meses deste ano, de acordo com dados da Oficina Nacional de Estatística e Informações.

Com a economia em dificuldades, outros setores também sofrem com a saída de profissionais. O número de médicos caiu de 510 mil para 421 mil nos dois anos até 2023 - último dado disponível. E a tendência só acelera.

"Eu pessoalmente sei que há falta de médicos em hospitais, especialmente com especialistas. Muitos hospitais ficaram sem cardiologistas e anestesiologistas. Há hospitais onde alguns serviços tiveram que ser fechados temporariamente devido à falta desses especialistas", diz Villanueva.

Trump x Cuba

Apesar do impacto sobre a população, muitos não veem saída no curto prazo para a crise. A retórica ainda mais hostil contra o regime cubano do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, faz com que especialistas se preocupem com o futuro da ilha, dado que o país mantém um embargo econômico sobre Cuba há mais de 60 anos.

O novo governo norte-americano recolocou a ilha na lista dos estados patrocinadores do terrorismo, mas também informou que encerraria o programa e revogaria o status legal temporário de 530 mil cidadãos de Cuba, Haiti, Nicarágua e Venezuela nos Estados Unidos.

"De um lado temos a retórica do controle migratório e das deportações, que é importante para Trump internamente. E, de outro, sabemos que o incentivo à imigração cubana é uma das formas de ataque à Ilha. O que vai acontecer, vai depender da estratégia de Marco Rubio e Trump para Cuba nos próximos anos e de como a população dos Estados Unidos vai lidar com os horrores das novas políticas migratórias", afirma Oliveira.