O colunista Philipp Lichterbeck ouve de muitos eleitores de Bolsonaro que sua vitória finalmente restabelecerá a lei e a ordem no Brasil. Mas qual será a aparência desse "Brasil decente"?
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Basta criticar Jair Bolsonaro, que lá vêm eles, seus fãs. Rapidamente, recebe-se a alcunha de "comunista". Ou de "socialista". Recebe-se a recomendação de voltar à Alemanha. Ou à Venezuela. Ou a Cuba.
O argumento mais frequente dos apoiadores de Bolsonaro é o PT. Até quando a legenda nem é mencionada, para não dizer elogiada, é-se acusado de ser petista. Os autores dos comentários então escrevem que o PT destruiu o Brasil e que a corrupção e a criminalidade estão por toda parte.
Mas agora, segundo os bolsonaristas, a lei e a ordem finalmente serão restabelecidas. Com Bolsonaro, dizem, os cidadãos de bem chegarão ao poder.
Eu me pergunto que aparência terão essa lei e essa ordem sob Bolsonaro. Porque nem o próprio Bolsonaro, nem seus apoiadores as respeitam.
Alguns exemplos:
Bolsonaro teria sido beneficiado ilegalmente com o auxílio de campanha de alguns empresários. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, eles compraram pacotes de disparos de centenas de milhões de mensagens de propaganda contrária ao PT no Whatsapp. Isso configuraria uma clara violação da legislação eleitoral brasileira, que proíbe a doação de empresas para campanha. Ou seja, Bolsonaro teria um Caixa 2, e a Justiça Eleitoral está investigando. Bolsonaro diz que não sabia de nada, mas os números de telefone para os quais as mensagens foram enviadas seriam da base de usuários fornecida pela campanha do próprio candidato.
Além disso, as mensagens ferem o decoro civil, antigamente um dos principais traços do conservadorismo. É que, quase sempre, tratava-se de notícias mentirosas. Nada era absurdo demais. Uma "novidade" que circulou entre os fãs de Bolsonaro foi a do Dr. Claudio Machado, "cônsul do Consulado Europeu no Brasil". Aparentemente, Machado havia recomendado o voto em Bolsonaro. O problema: a União Europeia não tem cônsul no Brasil!
Os apoiadores de Bolsonaro espalharam a notícia assim mesmo, tal como a mentira sobre o "kit gay" ou sobre "a Ferrari amarela de Haddad". Que cidadãos do bem são esses, que levantam falsos testemunhos e mentiras?
Mais um exemplo: há poucos dias, no Paraná, a banda alemã Voxxclub recebeu um bilhete no palco com o pedido de lê-lo em voz alta. Sem saber o que estava escrito, um dos integrantes disse: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos". A plateia gritou, entusiasmada: "mito, mito, mito". Pouco tempo depois, a banda tornou público, através da DW Brasil, que havia sofrido um abuso de confiança e se distanciou totalmente da ação.
É claro que agora se dirá que o PT também distribui fake news. O que é verdade, ainda que numa dimensão menor. Mas não se trata mais do PT. Trata-se de medir Bolsonaro, que quer governar a partir de janeiro, e seus apoiadores pelos seus próprios valores, aparentemente cristãos.
Se ficássemos "só" nas mentiras, a coisa talvez não fosse tão grave. Mas a hipocrisia continua. Bolsonaro e seus apoiadores dizem que querem combater a corrupção. Por coincidência, conheci um funcionário de uma prefeitura do estado do Rio de Janeiro. Ele é um eleitor entusiasta de Bolsonaro. E desvia dinheiro do orçamento para a educação de sua comunidade. Diz que isso é normal, que todo mundo faz isso.
Os apoiadores de Bolsonaro também dizem que a disciplina e o respeito precisam voltar a prevalecer no Brasil. Mas eles mesmos não respeitam. Não só na internet, nas ruas também.
A Agência Pública de Jornalismo Investigativo documentou mais de 50 ataques, entre agressões e ameaças, de fãs de Bolsonaro em todo o Brasil. Entre eles, o que vitimou uma jovem presa, jogada nua numa cela de delegacia em São Paulo e só libertada após pronunciar: "Ele sim!".
É essa a aparência do novo Brasil de ordem, do Brasil decente?
"Vai para o inferno. Puta. Você vai se arrepender de ter nascido. O aviso está dado. Mais uma palavra e eu vou pessoalmente atrás de você." Essas são frases escritas por um dos filhos de Bolsonaro, Eduardo, à jornalista Patrícia de Oliveira Souza Lélis. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apresentou denúncia criminal contra ele. "Mais uma palavra e eu acabo com você", continuam as mensagens de Eduardo Bolsonaro.
É essa a linguagem dos novos cidadãos de bem brasileiros?
Ou será que eles acreditam que a lei e o decoro só valem para os outros, mas nunca para eles mesmos? Em última instância, eles são como os porcos na obra A revolução dos bichos, de George Orwell, que tomam o poder e escrevem no celeiro: "Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros"?
Sempre foi característico de grupos radicais acreditar que os fins justificam os meios. O movimento bolsonarista quer introduzir a lei e a decência. Mas ele mesmo acredita poder violar lei e decência para ajudar o seu messias a chegar ao poder. Com Lula, exigem o respeito às leis. Mas a família Bolsonaro pode tudo.
Jair Bolsonaro, que a partir de janeiro provavelmente será o mais alto representante do Brasil, enviou uma mensagem de vídeo a seus apoiadores no último domingo (21/10), na qual bradou: "A faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria."
Eu posso entender por que muitos brasileiros estão com medo. E isso independe completamente do fato de eles serem ou não petistas.
Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para os jornais Tagesspiegel (Berlim), Wochenzeitung (Zurique) e Wiener Zeitung. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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Treze candidatos se apresentaram para disputar o Planalto. O líder das pesquisas acabou fora da corrida, e vários nomes tentam contornar isolamento partidário. Veja os principais episódios da disputa.
Foto: Reuters/A. Machado
Bolsonaro é eleito presidente
Em segundo turno, os brasileiros elegeram Jair Bolsonaro (PSL) como presidente. Após uma campanha eleitoral polarizada, o militar reformado de extrema direita recebeu 55,13% dos votos, contra 44,87% de Fernando Haddad (PT). Com bandeiras do Brasil e vestidos nas cores verde e amarelo, eleitores comemoram pelo país. No discurso da vitória, Bolsonaro prometeu um governo constitucional e democrático.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S.Izquierdo
TSE abre investigação contra Bolsonaro
A pouco mais de uma semana do segundo turno, o Tribunal Superior Eleitoral abriu uma ação para investigar suspeitas de compra de disparos de mensagens antipetistas no WhatsApp por parte de empresários aliados a Bolsonaro. O pedido de investigação foi feito pelo PT, após uma reportagem do jornal "Folha de S. Paulo". A PF também abriu inquérito para investigar a disseminação em massa de "fake news".
Foto: Reuters/R. Moraes
Bolsonaro e Haddad vão ao segundo turno
Numa das eleições mais polarizadas da história, em 7 de outubro os brasileiros levaram ao segundo turno os dois candidatos que, segundo sondagens, são também os mais rejeitados: Bolsonaro (PSL) e Haddad (PT). Favorito no Sul e Sudeste, o ex-militar teve 46% dos votos válidos contra 29% do petista, que foi o mais votado em oito estados do Nordeste e no Pará. Em terceiro, Ciro Gomes (PDT) teve 12%.
Foto: Reuters/P. Whitaker/N. Doce
Bolsonaro cresce nas pesquisas
Já líder nas pesquisas, o candidato do PSL ampliou sua vantagem no início de outubro, ultrapassando pela primeira vez a marca de 30% em sondagens do Ibope e do Datafolha. Ao longo da semana que antecedeu as eleições, o ex-capitão foi subindo e, na véspera do pleito, cruzou a barreira de 40% dos votos válidos. Após ser esfaqueado, a campanha do candidato se concentrou nas redes sociais.
Foto: Reuters/P. Whitaker
A troca de Lula por Haddad
Após meses de suspense e com aval de Lula, Fernando Haddad foi oficializado candidato à Presidência pelo PT em 11 de setembro, a menos de um mês do primeiro turno, após se esgotarem as chances de o ex-presidente concorrer. Preso e virtualmente inelegível pela Ficha Limpa, Lula era líder nas pesquisas de intenção de voto. O desafio agora será transferir votos para o ex-prefeito.
Foto: Agencia Brasil/R. Rosa
Ataque a Bolsonaro
O candidato do PSL foi esfaqueado durante um ato de campanha em Juiz de Fora, um ataque que prometia mudar os rumos da corrida presidencial. Seus adversários condenaram a agressão, e alguns chegaram a mudar o tom da campanha. Não houve, contudo, um impacto decisivo sobre o eleitorado. Ele segue líder das intenções, mas com percentual praticamente igual. A rejeição a ele, por outro lado, aumentou.
Foto: picture-alliance/dpa/Agencia O Globo/A. Scorza
O "plano B" do PT
Com Lula virtualmente inelegível, a escolha do seu vice passou a ser encarada como um trampolim para um candidato substituto. No início de agosto, o PT acabou indicando Fernando Haddad, que desde o início do ano era cotado como "plano B". Manuela D'Ávila (PCdoB) ficou com a curiosa posição não oficial de "vice do vice", assumindo a posição com Lula candidato ou não.
Foto: Agência Brasil/F.Rodrigues Pozzebom
A novela dos vices
A fase de convenções começou no fim de julho sem que a maioria dos pré-candidatos tivesse um vice. Bolsonaro teve três convites recusados até fechar com o general Mourão (PRTB). Henrique Meirelles (MDB) e Ciro Gomes (PDT) se contentaram com nomes do próprio partido. Alckmin teve convite recusado pelo empresário Josué Alencar, cuja família é ligada a Lula, antes de optar por Ana Amélia (PR).
Foto: Agência Brasil/F.Frazão
Os candidatos isolados
A jogada de Alckmin com o "centrão" acabou isolando outros candidatos. Jair Bolsonaro (PSL) tentou negociar com o PR, mas teve que se contentar com o nanico PRTB. Ciro Gomes (PDT) também viu suas investidas no grupo naufragarem. Marina Silva (Rede) e Ciro também não conseguiram apoio do PSB, que ficou neutro numa manobra do PT. Os três terminaram a fase de convenções com pouco apoio e tempo de TV.
Alckmin fecha com o "centrão"
Em julho, o tucano Geraldo Alckmin ainda patinava nas pesquisas, mas criou um fato novo na campanha ao conseguir o apoio do "centrão", as siglas que costumam emprestar seu apoio a governos em troca de cargos e verbas. Ao se aliar com PR, PP, PSD, DEM e SD, Alckmin passou a dominar 44% da propaganda eleitoral na TV. Sua coligação também recebe 48% do novo fundo de campanhas.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Candidaturas descartadas
A eleição de 2018 parecia destinada a superar o número de candidatos de 1989, quando 22 disputaram. Em abril, 23 manifestavam interesse em concorrer, entre eles o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente Fernando Collor. Mas eles logo desistiram ou foram abandonados por seus partidos. Outros aceitaram ser vices. Em agosto, só 13 permaneciam na corrida.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os "outsiders" saem de cena
A possibilidade de Lula ficar de fora e o sentimento antipolítico entre a população sinalizavam que esta seria a eleição dos "outsiders". O ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa e o apresentador Luciano Huck chegaram a ser incluídos em pesquisas. O empresário Flávio Rocha anunciou candidatura. Em julho, todos já haviam desistido, e a disputa ficou restrita a velhos nomes da política.
Foto: Imago/ZUMA Press/M. Chello
Lula é condenado e preso
Quando anunciou, em 2016, a intenção de disputar a eleição, Lula se tornou o líder nas pesquisas. Em janeiro, porém, sua situação se complicou após uma condenação em segunda instância que o deixou virtualmente inelegível. Em abril, foi preso. Com a possibilidade de a candidatura ser barrada, o PT passou a ter dificuldades em formar alianças, e o desfecho do pleito ficou ainda mais imprevisível.
Foto: Reuters/L. Benassatto
Entra em cena o fundo de campanhas
Diante da proibição das doações por empresas, o Congresso criou em outubro de 2017 um novo fundo de R$ 1,7 bilhão para financiar candidaturas, já definindo a capacidade financeira de várias campanhas. Quase 60% do valor ficou concentrado em seis legendas: MDB, PT, PSDB, PP, PSB e PR, deixando candidatos à Presidência de pequenas e médias siglas com menos recursos na largada.