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Os fatos no julgamento do voo MH17

Mikhail Bushuev as
8 de março de 2020

Quase seis anos após a queda do avião da Malaysia Airlines numa região controlada por separatistas pró-Rússia no Leste da Ucrânia, Justiça da Holanda inicia julgamento do caso. Acusados são três russos e um ucraniano.

Vítima do voo MH17
Homenagem a uma das vítimas do voo, em julho de 2014 em AmsterdãFoto: Getty Images

A tragédia ocorreu em 17 de julho de 2014. O Boeing 777 da empresa aérea Malaysia Airlines que fazia o voo MH17 decolou do aeroporto de Schiphol, na Holanda, rumo a Kuala Lumpur. O avião caiu quando sobrevoava a região do Donbass, no Leste da Ucrânia. Havia 298 pessoas a bordo, incluindo cerca de 80 crianças. Ninguém sobreviveu.

Até hoje ninguém assumiu a responsabilidade pela tragédia. Tudo indica que o avião foi derrubado. Vários países, incluindo a Holanda e a Austrália, exigiram que um tribunal internacional se ocupasse do caso, mas o veto da Rússia no Conselho de Segurança da ONU impediu que a queda do MH17 fosse levada a um tribunal das Nações Unidas.

Assim, o governo da Holanda optou por entrar com um processo num tribunal de Haia, já que 193 vítimas eram holandesas. Devido ao grande interesse público que o caso desperta, as audiências ocorrerão no complexo jurídico de Schiphol, nas proximidades do famoso aeroporto internacional de onde a aeronave decolou, a partir desta segunda-feira (09/03). Elas também serão transmitidas pela internet.

Investigador-chefe Westerbeke não tem dúvidas da culpa da RússiaFoto: Reuters/F. Lenoir

Os cinco países mais afetados pela tragédia – Austrália, Bélgica, Holanda, Malásia e Ucrânia – criaram uma força-tarefa para investigar o caso. Ela foi batizada de Joint Investigation Team (JIT). Os investigadores concluíram que o Boeing 777 foi atingido por um míssil antiaéreo soviético do tipo Buk às 16h20 (horário local). Esse míssil foi disparado de território ucraniano, mais precisamente de uma região do Donbas controlada por separatistas pró-Rússia. Segundo os investigadores, o sistema de mísseis antiaéreos Buk foi levado da Rússia para a Ucrânia e, logo depois de ser usado, transportado de volta.

As conclusões da força-tarefa se baseiam em relatos de testemunhas que viram o disparo do míssil, nos restos da aeronave e do míssil do tipo Buk, em fotos de satélite e informações de radar, bem como em vídeos e fotos que mostram o transporte do sistema de mísseis russo até o local no Donbas onde ele seria utilizado. Além disso, existem trechos de ligações entre os suspeitos e altos funcionários russos, em parte divulgados pelo JIT. O investigador-chefe da força-tarefa, Fred Westerbeke, disse que a participação da Rússia na tragédia pode ser provada.

Até agora, quatro pessoas foram apontadas como os principais suspeitos. Três deles são russos: Igor Girkin (conhecido pelo pseudônimo de Igor Strelkov), antigo "ministro da Defesa" da autoproclamada "República Popular do Donetsk"; o major-general Serguei Dubinski (apelidado "Sombrio"); e o coronel Oleg Pulatov (a "Víbora do Levante"). O quarto suspeito é o ucraniano Leonid Karchenko (conhecido pelo apelido de "Toupeira"). Todos negam as acusações.

Além deles, os investigadores também acreditam na participação de Wladimir Zemach, ex-comandante da unidade de defesa aérea dos separatistas na cidade ucraniana de Snijne. Ele não foi formalmente acusado, apesar de isso não ser descartado pelos investigadores. Outros possíveis acusados são os tripulantes do sistema Buk, bem como o capitão da 53ª brigada aérea russa, que os comandava.

É pouco provável que algum dos acusados se apresente ao tribunal. A Rússia não extradita seus cidadãos, e Karchenko, que é ucraniano, já deve ter obtido um passaporte russo. Se algum deles quiser depor, poderá fazê-lo por vídeo.

O caso ganhou ainda um viés político, porque há também um alto funcionário do governo russo no centro das investigações: Vladislav Surkov, um ex-conselheiro do presidente Vladimir Putin. Surkov é visto como o responsável não oficial pela política do Kremlin para a Ucrânia. Em 2019, o JIT divulgou inúmeros telefonemas interceptados que, segundo os investigadores, estão relacionados à tragédia do MH17. Surkov é uma das pessoas que aparecem nas ligações.

A derrubada de uma aeronave civil no contexto dos combates cada vez mais acirrados no Leste da Ucrânia levou, ainda em 2014, os Estados Unidos e a União Europeia a imporem duras sanções à Rússia. A suspeita de participação russa surgiu logo após a tragédia, pois os separatistas, apoiados pelo Kremlin, celebraram, nos primeiros minutos que se seguiram à tragédia, o que chamaram de "sucesso". Eles achavam que tinham derrubado um avião militar da Ucrânia.

No dia seguinte, Putin botava a culpa no governo da Ucrânia. Se Kiev tivesse fechado o espaço aéreo do país, a tragédia não teria acontecido, argumentou o presidente russo. Até hoje, as autoridades russas negam que tenham alguma participação na queda do MH17. Mas a posição do Kremlin e a maneira como a mídia russa lida com o caso mudaram ao longo dos anos.

Destroços do Boeing da Malaysia no local da queda, em 17 de julho de 2014Foto: Oleg Vtulkin

Inicialmente, a mídia estatal russa espalhou versões contraditórias sobre como teria ocorrido a queda do MH17. Em novembro de 2014, uma emissora de TV russa divulgou gravações "sensacionais" de um suposto caça ucraniano nas proximidades da aeronave da Malaysia Airlines. Mas sinais de radar mostraram que não havia nenhum avião por perto com capacidade para derrubar o Boeing 777, e que o avião que aparecia nas imagens era outro.

No fim de 2019, em entrevista para a revista americana New Yorker, o diretor da emissora russa em questão, Konstantin Ernst, reconheceu que a empresa "cometeu um erro" ao exibir o material. Mais tarde, o fabricante do sistema Buk, a empresa russa Almas-Antei, teria realizado suas próprias investigações e concluído que o míssil teria sido disparado de uma região sob o controle do governo em Kiev.

O Kremlin não reconhece os resultados das investigações do JIT. Porém, em fevereiro de 2020 tornou-se público que a Rússia propôs à Holanda que os três acusados russos fossem levados a julgamento na Rússia. As autoridades holandesas rejeitaram a proposta, noticiou a agência de notícias Reuters, com base numa carta do ministro da Justiça ao Parlamento.

Outros processos

O processo que começa nesta segunda-feira em Schiphol é o maior, mas não é o único do caso MH17. Duas queixas, representando 380 parentes das vítimas, foram apresentadas ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Nelas, a Rússia é acusada de ferir o direito à vida das vítimas.

Uma das queixas foi elaborada pelo advogado Jerry Skinner, que ficou famoso por atuar no processo do atentado de Lockerbie. Os requerentes exigem da Rússia indenizações de no mínimo 6,4 milhões de euros por passageiro morto. O tribunal pediu uma posição ao governo russo, que foi entregue no dia 2 de janeiro. O conteúdo não foi divulgado.

Além disso, quatro parentes de vítimas do MH17 entraram com um ação contra a Ucrânia no Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Segundo eles, as autoridades ucranianas também têm responsabilidade pelas mortes por não terem fechado completamente o espaço aéreo sobre a região de conflito. De fato, o espaço aéreo estava fechado apenas até a altura de 8 quilômetros no dia da tragédia. A Rússia elevou a altura de fechamento do espaço aéreo para 16 quilômetros poucas horas depois do acidente. Esse é o alcance dos mísseis do tipo Buk.

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