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Criminalidade

Os limites éticos e legais da entrevista com El Chapo

Érika Kokay11 de janeiro de 2016

Encontro de Sean Penn com o traficante mais procurado do mundo enquanto ele ainda fugia das autoridades abre debate ético e legal. Mas jurista duvida que ator americano possa enfrentar problemas.

Mexiko Festnahme Drogenboss Joaquin Guzman Loera - El Chapo
Foto: Reuters/E. Garrido

Em um artigo publicado pela revista americana Rolling Stone, o ator Sean Penn descreve como conheceu Joaquín "El Chapo" Guzmán, o narcotraficante mais procurado pelos Estados Unidos. O mexicano, que havia fugido da prisão em julho de 2015, foi recapturado na última sexta-feira (08/01), um dia antes da publicação da entrevista.

O longo texto, contendo cerca de dez mil palavras e um vídeo de dois minutos, recebeu o seguinte título: "El Chapo fala – Uma visita secreta ao homem mais procurado do mundo". A entrevista exclusiva, intermediada pela famosa atriz mexicana Kate del Castillo, foi feita em outubro, quando o criminoso ainda fugia das autoridades.

De acordo com Penn, El Chapo falou sobre a cooperação entre os militares mexicanos e o cartel de Sinaloa, liderado por ele, e também desabafou sobre seus pensamentos a respeito das implicações éticas de seu negócio, que diz ser o maior do planeta.

"Eu forneço mais heroína, metanfetamina, cocaína e maconha do que qualquer outra pessoa no mundo. Tenho uma frota de submarinos, aviões, caminhões e barcos", clamou o traficante, segundo Penn. El Chapo também teria dito que passou a se envolver com o tráfico aos 15 anos porque era a "única maneira de ganhar dinheiro para sobreviver".

Após a publicação da entrevista, porém, questões foram levantadas a respeito da decisão, tanto por parte da Rolling Stone quanto de Sean Penn, em lidar com um criminoso perigoso e procurado pela polícia – permitindo, inclusive, que El Chapo lesse e aprovasse o artigo antes de sua divulgação.

Nos Estados Unidos, o senador republicano Marco Rubio disse à emissora ABC que considera a entrevista "grotesca". O político e advogado, que concorre à Presidência, insistiu na opinião de que El Chapo deve ser extraditado aos EUA.

Ética jornalística

Vários jornalistas também têm criticado os méritos éticos do artigo. "Chapo e Hollywood, Sean Penn? Claro, faz sentido. Apenas não chame isso de jornalismo", escreveu no Twitter Alfredo Corchado, chefe do jornal americano Dallas Morning News no México.

"Chamar o encontro de Chapo com Sean Penn de entrevista é um insulto épico aos jornalistas que morrem em nome da verdade", completou.

Corchado estava sendo literal em sua fala. Segundo a ONG Repórteres sem Fronteiras, o México é um dos países mais perigosos do mundo para jornalistas: "Eles são ameaçados e assassinados pelo crime organizado e por oficiais corruptos impunes". O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) afirma que, desde 1992, mais de 80 jornalistas foram mortos no país.

Marty Baron, editor-executivo do Washington Post, também aproveitou o artigo de Sean Penn para atentar ao fato. "Ótimo momento para lembrar o que acontece com os jornalistas que cobrem o tráfico de drogas no México", escreveu o jornalista, também no Twitter.

Atores foram monitorados?

Enquanto El Chapo, condenado em terras mexicanas, pode estar prestes a enfrentar a Justiça dos EUA, as autoridades do México querem questionar Sean Penn e Kate del Castillo a respeito do encontro clandestino com o então fugitivo.

"Está correto, é claro. É para determinar responsabilidades", afirmou um funcionário federal mexicano à agência de notícias AFP. Sob anonimato, ele se recusou a dar mais detalhes ou informar a data da possível conversa com as celebridades.

Outra fonte disse à AFP que as autoridades descobriram sobre o encontro, e que isso teria ajudado a rastrear a localização do líder do cartel de Sinaloa. O próprio Penn, no artigo, afirma: "Não há dúvidas, em minha mente, de que o governo mexicano e o DEA estavam controlando nossos movimentos."

Sean Penn: "não há dúvidas de que o governo mexicano e o DEA estavam controlando nossos movimentos"Foto: Getty Images/P. Le Segretain

Nesta segunda-feira, o jornal mexicano El Universal publicou uma série de imagens, feitas a longa distância, que mostram Penn e Kate chegando ao aeroporto de Guadalajara em 2 de outubro, dia em que a entrevista foi concedida.

O jornal diz que as fotos fazem parte de um relatório oficial da inteligência mexicana, e provam que os dois estavam, sim, sendo monitorados pelas autoridades antes do encontro com o traficante. Penn, em conversa com a agência AP após a divulgação das fotografias, afirmou: "Não tenho nada a esconder".

"Duvido que haverá acusações"

Na sexta-feira, antes da publicação do artigo, a procuradora-geral do México, Arely Gomez, afirmou que El Chapo havia se encontrado com atores e produtores, sem nomeá-los, para discutir a produção de um filme biográfico. Esse encontro, segundo ela, teria gerado uma "nova linha de investigação".

Juristas, por sua vez, não acreditam que os atores enfrentarão qualquer acusação sobre o caso.

"Eu duvido seriamente que alguma cobrança seja feita contra eles, mesmo que Sean Penn tenha tomado medidas extraordinárias para impedir que as autoridades usassem seu celular para rastrear o paradeiro de Chapo", diz Mike Vigil, ex-membro da agência americana antidrogas (DEA).

O fundador da Rolling Stone, Jann Wenner, que disse ter recebido uma ligação de Penn meses atrás sugerindo a entrevista, afirmou nunca ter pensado que a revista poderia se envolver legalmente no caso contra El Chapo. "Eles já têm o homem que procuravam, então para que precisam de nós? Não há mais nada que possamos acrescentar."

No artigo, Penn diz não estar orgulhoso de "manter segredos", uma atitude que "pode ser percebida como proteção a criminosos". "Mas estou no meu ritmo. Tudo que eu digo a todos deve ser a verdade. A confiança que El Chapo depositou em nós não pode ser quebrada."

El Chapo está novamente detido na prisão de segurança máxima de Altiplano, de onde fugiu, à espera de uma decisão sobre seu envio aos EUA. No domingo, representantes da Interpol foram ao México para iniciar formalmente o processo de extradição, que pode durar pelo menos um ano.

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