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Christchurch, Suzano e o lado obscuro da internet

16 de março de 2019

Ligação entre autores de ataques a tiros na Nova Zelândia e no Brasil e o mundo virtual chama atenção para a propagação de ideias extremistas e de violência em redes sociais e fóruns anônimos.

Teclado e mão
Massacres chamaram atenção para os chamados chans, fóruns que permitem postagens anônimasFoto: picture-alliance/dpa/K. J. Hildenbrand

O principal suspeito pelos ataques a tiros em duas mesquitas em Christchurch, na Nova Zelândia, que deixaram ao menos 49 mortos nesta sexta-feira (15/03), planejou meticulosamente um atentado voltado para a era da internet. Ele transmitiu o massacre ao vivo pelo Facebook e publicou um longo manifesto repleto de piadas internas voltadas para os que estão familiarizados com o universo obscuro da internet.

Assim, o australiano de 28 anos Brenton Tarrant, que foi acusado formalmente de homicídio na manhã deste sábado, se transformou no mais recente exemplo de um ataque a tiros ligado a comunidades online que propagam extremismo e violência.

Nesta mesma semana, o massacre em uma escola pública em Suzano, na Grande São Paulo, também chamou atenção por sua ligação com o mundo virtual, mais especificamente para o universo da chamada dark web – a internet obscura, ou seja, áreas da rede intencionalmente mantidas escondidas, não rastreáveis e que não podem ser acessadas por um navegador comum.

O jornal Folha de S. Paulo, que vem acompanhando a reação ao ataque a tiros em Suzano – cometido por dois ex-alunos da escola, de 17 e 25 anos, e que deixou oito mortos –, apontou que a comemoração do massacre começou minutos depois de ele ser noticiado nos chamados chans, fóruns que permitem postagens anônimas e são acessíveis apenas com um navegador que mascara os dados do usuário.

Antes do crime, o mais jovem dos agressores, Guilherme Taucci Monteiro, publicou dezenas de fotos em seu perfil no Facebook nas quais aparece armado, usando uma máscara de caveira – a mesma com a qual foi encontrado morto – e fazendo sinais ofensivos. O perfil do jovem no Facebook foi removido, mas as imagens seguiram circulando na internet.

Em 2014, quando, antes de matar seis pessoas e se suicidar em Isla Vista, na Califórnia, Eliott Rodger, de 22 anos, postou um vídeo e um documento online repleto de ofensas. Posteriormente, constatou-se que Rodger tinha ligação com um grupo online misógino conhecido como "incels" ou "celibatos involuntários", que muitas vezes apela à violência contra as mulheres.

Outro exemplo recente ocorreu no ano passado, Robert Bowers, acusado de matar 11 pessoas numa sinagoga de Pittsburgh, nos Estados Unidos, postou ameaças no Gab, rede social popular entre supremacistas brancos.

A proliferação de ideais extremistas não é algo novo, seja no mundo real ou virtual, aponta Daniel Byman, pesquisador do Brookings Institution, ressaltando que pessoas que querem discutir ideias do tipo muitas vezes acabam se achando. No entanto, enquanto antes o que se costumava ver eram grupos pequenos se reunindo pessoalmente, na internet, consegue-se formar grupos maiores e propagar ideias quase que instantaneamente.

Byman destaca que as pessoas fazem coisas no mundo virtual que talvez hesitassem em fazer na vida real – de atos inofensivos até o compartilhamento e encorajamento de visões extremistas e de violência. "A internet permite que se seja mais ousado", afirma o pesquisador.

Nesta sexta-feira, o manifesto de Tarrant rapidamente se espalhou no fórum 8chan. O documento de 74 páginas está repleto de teorias da conspiração populares da extrema direita sobre como europeus brancos supostamente estariam sendo substituídos por imigrantes não brancos. O texto sugere que a ideologia neonazista e a imigração motivaram o atentado. O Brasil é mencionado na seção em que o terrorista faz críticas à diversidade racial.

Especialistas viram semelhanças com o manifesto de 1.500 páginas escrito pelo norueguês Anders Behring Breivik, que matou 77 pessoas em 2011 motivado pelo ódio ao multiculturalismo.

O manifesto de Tarrant parece destinado a alimentar as comunidades online das quais ele fazia parte, usando ironia ao abordar temas comuns da internet. "Você aprendeu violência e extremismo com videogames, música, literatura, cinema?", Tarrant pergunta a si mesmo. "Sim, Spyro the dragon 3 me ensinou etnonacionalismo", escreve, aparentemente de maneira sarcástica, em referência a um jogo de PlayStation indicado para crianças de dez anos de idade ou mais.

Tarrant também menciona o Fortnite, popular jogo online de batalha, negando que o game o tenha treinado para ser um assassino.

Após o manifesto de Tarrant e o massacre na Nova Zelândia, Mary Anne Franks, professora de Direito na Universidade de Miami e presidente da Cyber Civil Rights Initiative, defendeu uma maior vigilância de plataformas de rede social.

"Está bastante claro que a pessoa envolvida [no massacre] foi radicalizada online", afirma. "As conversas nesses chats e fóruns, com piadas internas e memes, são parte do cultivo de um certo tipo de pessoa radical nestes espaços."

Na transmissão ao vivo que Tarrant fez do ataque em uma mesquita da cidade neozelandesa de Christchurch, durante 17 minutos, ele afirma: "Lembrem-se, pessoal, assinem o PewDiePie." Trata-se de uma alusão a Felix Kjelberg, youtuber alvo de controvérsia devido a vídeos que incluem piadas antissemitas e referências ao nazismo. Kjelberg condenou o massacre nesta sexta-feira.

Byman afirma que o fato de o ataque ter sido transmitido ao vivo no Facebook chama atenção para como a cultura da internet permeia hoje o mundo real. Hoje em dia é comum transmitir acontecimentos cotidianos ao vivo, incluindo confrontos com policiais, destaca o pesquisador.

Facebook, Youtube, Twitter e outras plataformas que permitem que pessoas façam o upload de seus próprios conteúdos foram duramente criticadas após os ataques na Nova Zelândia, por permitirem a difusão de postagens e vídeos violentos e com discurso de ódio.

Horas depois do ataque, as plataformas acabaram removendo as imagens divulgadas por Tarrant. Também foram tiradas do ar as contas do australiano nas redes sociais. No entanto, críticos afirmaram que as empresas demoraram demais para agir e argumentam que a postagem do vídeo do ataque deveria ter sido impedida desde o início.

LPF/ap/rtr/ots

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