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Os possíveis efeitos das conversas vazadas de Moro

11 de junho de 2019

Divulgação de mensagens trocadas entre ex-juiz e procurador põe Lava Jato em situação delicada, trazendo o risco de anulação de processos. Especialistas divergem sobre existência de conluio entre instituições.

Sérgio Moro
Moro negou que diálogos com procurador configuravam conluio contra Lula e outros réus da Lava JatoFoto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil

A divulgação de mensagens trocadas entre o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, no último domingo (09/06), tem dominado o debate público e movimentado o noticiário político e as redes sociais, com ampla repercussão internacional.

Críticos do agora ministro da Justiça apontam que o caso comprova sua parcialidade no julgamento de crimes da Operação Lava Jato. Moro, por sua vez, denuncia o que chamou de "invasão criminosa" na obtenção dos diálogos divulgados em reportagens do site The Intercept Brasil.

Apesar da intensa mobilização em torno do caso, pouco se sabe sobre os possíveis desdobramentos da divulgação do material. Um dos pontos que mais gera expectativas, especialmente entre apoiadores do ex-presidente Lula, é a possibilidade de anulação de processos julgados por Moro em Curitiba na primeira instância. Essa possibilidade se apoia em uma avaliação de que o então juiz agiu de forma parcial e fora de suas atribuições para incriminar o petista.

Na avaliação de juristas ouvidos pela DW Brasil, caso seja comprovado o teor das conversas divulgadas pelo Intercept, a anulação dos processos é o caminho previsto pelo sistema jurídico brasileiro.

"Se fica comprovado que o juiz é parcial ou orientou as partes, o processo é declarado nulo, mesmo que a decisão tenha sido confirmada por cortes superiores, e teria que começar do zero", afirma Bruno Lorencini, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Sem comentar o conteúdo de mensagens específicas, Lorencini pondera que a interação entre juízes e advogados ou representantes do Ministério Público é frequente e permitida no sistema jurídico brasileiro. "Há um caminho muito longo para dizer que a troca de mensagens entre um procurador e um juiz no contexto da operação criminal, de um processo, demonstra por si só a parcialidade. É preciso deixar claro que nosso sistema não proíbe isso", pontua.

Já a professora Eloísa Machado, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), afirma que o conteúdo das mensagens não deixa dúvidas sobre um conluio entre Moro e Dallagnol para a condenação, escolha de provas e direcionamento do processo no caso do ex-presidente.

"Isso é muito evidente nas conversas e não deve nunca acontecer. Qual defesa é possível se o juiz está combinando com a acusação sobre o que ele quer, como deve ser feito, quando vai decidir? Ele sugere testemunhas, inclusive. Não tem cabimento. Toda a ideia da defesa, esse direito absolutamente relevante para que a gente não viva num Estado policial, foi transformado numa encenação", critica.

Ambos os juristas ressaltam a importância de se comprovar a veracidade do conteúdo divulgado no último domingo. Em pronunciamento nesta segunda-feira, Moro não negou a autenticidade do conteúdo.

"Eu não vi nada de mais nas mensagens. O que houve ali foi uma invasão criminosa dos celulares de procuradores. Para mim, isso é um fato bastante grave. E, quanto ao conteúdo, no que diz respeito à minha pessoa, eu não vi nada de mais. Eu nem posso dizer que são autênticas porque são coisas que aconteceram, se aconteceram, há anos atrás. Eu não tenho mais essas mensagens, não tenho registro disso", declarou.

O mesmo tom foi adotado pela força-tarefa da Lava Jato, que anunciou estar sofrendo ataques cibernéticos desde abril deste ano. O grupo afirma que membros do Ministério Público Federal (MPF) tiveram celulares e aplicativos de mensagens invadidos e clonados, antes da suposta invasão ao celular do ministro Moro no dia 4 deste mês.

Em editorial, o The Intercept Brasil explicou que os arquivos de mensagens, obtidos pela fonte anônima, foram recebidos semanas antes de circular a notícia do celular hackeado do ministro da Justiça.

A divulgação das conversas reanimou um debate complexo sobre a possibilidade de se utilizar provas obtidas ilegalmente em processos judiciais. Nesta terça-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes disse ao jornal Folha de S. Paulo que a possível origem ilegal dos vazamentos "não necessariamente" anula provas que venham a ser produzidas a partir deles.

Entretanto, os juristas ouvidos pela DW Brasil ressaltam que essa leitura só se aplica à utilização pela defesa – nesse caso, por aqueles que foram condenados pelo ex-juiz na Lava Jato. Fica descartado, portanto, um eventual uso em processos contra Moro e Dallagnol.

Símbolo do combate à corrupção no Brasil nos últimos anos, a Lava Jato enfrenta sua maior prova de fogo, com risco de anulação de processos. Bruno Lorencini, da Mackenzie, acredita que os erros da operação são naturais por sua magnitude, e lembra que as instâncias superiores existem justamente para corrigi-los.

"A Lava Jato é uma operação que mudou a história do país e trouxe consequências muito importantes. Acredito que as instituições brasileiras têm enfrentado essas crises e dado respostas. É natural que isso também aconteça nessa questão do vazamento. Não vejo como uma situação de crise do Judiciário, mas como problemas que ocorrem e que, nesse caso, envolveram autoridades públicas. Mas não afeta a instituição", avalia.

Por sua vez, Eloísa Machado, da FGV-SP, acredita que a operação que já completou cinco anos pode ter todo o seu núcleo desestruturado pela ação irregular entre Moro e Dallagnol. Ela defende que a operação se reencontre com a legalidade.

"Todos nós nos espantamos com o volume de atos criminosos envolvendo a Petrobras e o esquema de cartel que foi revelado. A Lava Jato conseguiu desvendar uma coisa importante, mas fazendo isso com desprezo às regras. Além da questão ética, isso se mostrou ineficiente, pois o desfecho não pode ser outro que não a anulação dos processos", opina.

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