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Os prós e contras de alargar as praias de Santa Catarina

Publicado 15 de novembro de 2023Última atualização 9 de fevereiro de 2024

Prefeituras que aderem à prática falam em proteção da costa, assim como de residências e comércio. Mas especialista diz que somente alargar faixa de areia é "rivalizar com o mar".

Vista aérea da obra de alargamento
Alargamento da faixa se areia em Balneário Camboriú, finalizada em dezembro de 2021, custou R$ 90 milhõesFoto: Prefeitura de Balneário Camboriú/Divulgação

Se todos os projetos saírem do papel, Santa Catarina terá pelo menos nove praias alargadas nos próximos anos, num investimento que ultrapassa R$ 200 milhões. Essas obras têm sido uma das principais apostas para enfrentar a erosão e a falta de areia em balneários movimentados, aumentando o espaço para o lazer e turismo. Mas vale a pena esse investimento, num cenário de aquecimento global, elevação do nível do mar e aumento dos eventos climáticos extremos?

Alargamento ou engordamento de praia é o nome popular para a alimentação artificial de praia – a areia é dragada, geralmente, do fundo do mar. Copacabana, no Rio de Janeiro, foi uma das primeiras a passar por este tipo de intervenção no Brasil, ainda na década de 1970. Nos últimos anos, no entanto, obras semelhantes se tornaram mais comuns, e estão sendo planejadas e executadas em diversos locais do litoral brasileiro.

Santa Catarina ganhou destaque nacional pela megaobra de Balneário Camboriú, finalizada em dezembro de 2021, num investimento de R$ 90 milhões. A faixa de areia aumentou, em média, de 25 metros para 70 metros. Mas, em junho deste ano, a cidade voltou a chamar a atenção – o mar tomou novamente parte da areia em um trecho da praia.

Além da Praia Central de Balneário Camboriú, já foram alargadas as praias de Canasvieiras e Ingleses, em Florianópolis, e a Praia Central, de Balneário Piçarras. Há projetos para intervenções em outras seis, incluindo Jurerê, na capital catarinense, e uma nova obra em Balneário Piçarras, a quarta daquele município.

Um estudo do Programa Ecoando Sustentabilidade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) analisou o cenário catarinense e fez diversos questionamentos. "Como as praias de interesse para alargamento são todas ocupadas, a ação humana afeta sobremaneira a largura da praia. Assim, o foco no alargamento da praia é uma medida simplista que tenta resolver um problema socioambiental complexo com uma única ação, ou seja, a adição de sedimentos", escreveram os pesquisadores em nota técnica.

Adaptação e mitigação

O litoral brasileiro vem perdendo área. Estudo do MapBiomas mostrou que entre 1985 e 2022 o espaço de praias, dunas e areais diminuiu 15%. De acordo com os pesquisadores, a perda está relacionada ao avanço de infraestruturas urbanas, silvicultura, pastagens, agricultura e pecuária. Em Santa Catarina, a diminuição foi ainda maior: cerca de 21,5%.

A proteção da costa é um dos principais argumentos usados para os alargamentos. Cenas de ruas, casas, bares e restaurantes destruídos à beira-mar têm se repetido. Em 2010, por exemplo, na Praia da Armação, em Florianópolis, cerca de 15 residências foram demolidas com a força da ressaca. Em 2021, no Morro das Pedras, próximo à Armação, sacos de contenção e paliçadas não aplacaram a fúria do mar, que danificou diversas moradias. Não há projetos para alargamento de nenhuma das duas.

A prefeitura de Balneário Camboriú considera o alargamento da praia um sucessoFoto: Prefeitura de Balneário Camboriú/Divulgação

As praias são formadas por uma espécie de ciclo autorregenerativo, que depende de fatores globais (nível do mar), regionais (sedimentos que chegam dos rios) e locais (como ocupação da orla). Com o nível da água subindo devido ao aquecimento global, a falta de sedimentos que chegam dos rios represados e a ocupação das áreas de preservação permanente, ocorre um déficit de areia.

O grupo da UFSC defende a recomposição dos sistemas ecológicos e a remoção das estruturas urbanas que estão em áreas de preservação permanente para a mitigação e adaptação ao cenário atual. "Porque se você remover as estruturas construídas e recompor os sistemas ecológicos, você estará protegido. Mas se mantiver as estruturas, estará brigando com o mar. Terá que estar o tempo todo fazendo manutenções para proteger a linha da costa", avaliou o pesquisador Paulo Roberto Pagliosa Alves, professor dos cursos de Oceanografia e Geografia da UFSC e um dos autores da pesquisa.  

O estudo da UFSC analisou três obras executadas e as licenças emitidas, incluindo as de Jurerê, em Florianópolis, e Praia Central, em Balneário Piçarras. De acordo com a nota técnica, em todas as praias alimentadas artificialmente têm ocorrido processos erosivos mais intensos, como mostram os degraus formados na orla e o sumiço de parte da areia de Balneário Camboriú.

Os autores também detectaram problemas em praias próximas às alargadas. Canajurê, que fica entre Canasvieiras e Jurerê, recebeu tanta areia que tem causado transtornos no embarque e desembarque de uma marina. A prefeitura de Florianópolis não respondeu se planeja alguma ação no local.

Os pesquisadores alertaram ainda sobre o perigo para os banhistas. "Outro aspecto que chama bastante atenção é que na primeira obra executada [Praia de Canasvieiras] [...] houve um expressivo aumento de afogamentos, sendo três com mortes, numa praia cujo último registro de morte por afogamento havia ocorrido há mais de 20 anos."

Valorização imobiliária e duração das obras

A prefeitura de Balneário Camboriú considera o alargamento da praia um sucesso. Argumenta que, no início de novembro, quando a maré invadiu a orla do Rio de Janeiro, nada ocorreu no município catarinense. "Antes do alargamento, a Avenida Atlântica já foi tomada pelo mar algumas vezes, porém isso não aconteceu mais depois da obra", avaliou por e-mail, frisando que houve uma valorização imobiliária no município, cujos índices estão entre os mais altos do país.

De acordo com a prefeitura, a erosão de junho afetou 200 metros de um trecho de mais de cinco mil metros da praia. Para sanar o problema, foi elaborado um projeto para usar areia ensacada e manta geotêxtil para manter a praia confinada, a um custo de R$ 3,5 milhões – a obra aguarda licenciamento. Mesmo com esta perda parcial de sedimentos, o município afirmou que o alargamento foi projetado levando em conta um período de 100 anos.

Já em Itapoá, que receberá a areia de uma dragagem do Porto de São Francisco, o município informou que podem ocorrer alterações em bem menos tempo. ""Estimativas embasadas nos projetos e nas modelagens computacionais dão conta de que a durabilidade é de 10 anos. Entretanto, possibilidades de diminuição do alargamento poderão ser sentidas entre sete e 13 anos. Porém, trata-se de força da natureza que não se controla", afirmou o secretário municipal de Meio Ambiente, o geógrafo Rafael Brito.

O histórico de intervenções em Balneário Piçarras mostra a dificuldade em lidar com a força do mar e como são necessárias manutenções constantes. Para prevenir alagamentos, árvores arrancadas e calçadas e deques destruídos, foram realizadas três obras na Praia Central: em 1999, 2008 e 2012. Agora, há um novo projeto sendo licitado.

O estudo que embasou o projeto sugere dragar 360 mil metros de areia para a praia, prolongar dois espigões e instalar quebra-mares, estruturas que ajudam a conter a força das ondas. O objetivo é "fornecer uma possível solução para os problemas de erosão". A prefeitura não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Mais estudos e participação popular

Devido ao tamanho das obras, apenas a de Balneário Camboriú precisou de Estudo de Impacto Ambiental (EIA). As outras exigem Estudo Ambiental Simplificado (EAS), porque movimentaram menos de 500 mil metros quadrados de sedimentos.

"Pela natureza do documento, o EIA tem que ser mais detalhado e ter uma abrangência maior que o estudo simplificado. Inclusive vai discutir por que uma obra está planejada para determinado local. Será que não teriam outras alternativas técnicas?", questionou Pagliosa. "A audiência pública é algo que dá visibilidade, traz a população para discutir o empreendimento. Acaba promovendo a discussão social".

Os pesquisadores propuseram uma atualização da Resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) de 2017, que define o porte desses empreendimentos.

Com estudos aprofundados e mais participação popular, como sugerem os pesquisadores da UFSC, a questão se vale a pena alargar as praias provavelmente teria uma resposta mais convincente.

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O texto foi atualizado com uma nova fala, mais detalhada, do secretário municipal de Meio Ambiente de Itapoá, o geógrafo Rafael Brito, para melhor compreensão do contexto.