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Os refugiados esquecidos de Paris

Ann-Christin Herbe rc
6 de dezembro de 2019

Centenas de migrantes vivem em acampamentos improvisados na capital francesa. Com alimentos e auxílio médico, voluntários ajudam a tornar as condições de vida nestes locais mais suportáveis.

Carrie, Eva e Silman ajudam a preparar a comida servida aos refugiadosFoto: Sarah Schröer López

Carrie pega um sexto dente de alho e começa descascá-lo. "Nunca cozinhei com tanto alho antes", afirma enquanto ri, mas logo retoma a seriedade. A americana está ali, na verdade, por estar incomodada com as condições nos acampamentos de Paris que os próprios refugiados montaram por não encontrar lugar nos abrigos de emergência. Centenas deles estão acampados no local, sem água, eletricidade e em condições desumanas.

"Há muitas pessoas abandonadas pelo governo. Acho que é importante demonstrar solidariedade", diz Carrie, que se dispôs a ajudar os refugiados mesmo estando em Paris a trabalho por poucas semanas. Esse é o motivo que a leva ao subúrbio parisiense de Saint-Denis, onde a cada semana a iniciativa Solidarité Migrants Wilson se reúne no teatro Belle Étoile para cozinhar e distribuir comida para os refugiados dos acampamentos.

A pequena cozinha do teatro é pintada de um amarelo ensolarado. Nas estantes estão diversas formas de bolo, potes e panelas. Philippe sabe exatamente qual item pertence qual lugar. Ele faz o planejamento da cozinha. "Não sou um cozinheiro de verdade, mas que escolha eu tenho?", pergunta, dando de ombros. Ele decide quais pratos serão servidos em cada semana, o que é um desafio para o parisiense. Uma refeição deve custar cerca de 50 centavos de euro e deve ser saudável e rica em proteínas. O prato de hoje é galinha ao curry.

Philippe ainda não sabe quantos ajudantes virão hoje. "É uma surpresa a cada semana, fico feliz com cada um que vem." Se fosse necessário, ele cozinharia também sozinho, mas, felizmente, esse não é o caso. Carrie já está lá, e chegam cada vez mais ajudantes. Josy e Sliman, por exemplo, estão entre os que vêm regularmente. Eles já são sete, ao todo. Mais pessoas dificilmente caberiam na cozinha.

Trabalho voluntário

Facas e ingredientes são passados de uns para os outros, o telefone de Philippe avisa quando ele precisa tirar algo do fogão. Quem observa o grupo pode ficar com a impressão de que são amigos preparando um jantar juntos. No entanto, eles não cozinham centenas de refeições.

Najebulla corta o frango em tiras. Até recentemente, a jovem de 27 anos ainda vivia em um acampamento em Paris. "Sei como é ruim no acampamento. É muito difícil viver lá. É frio e anti-higiênico, por isso, agora, quero ajudar."

Há pouca compreensão para o fato do governo francês permitir que pessoas durmam na rua. "Essa não é a minha França", afirma Josy, uma idosa que usa um avental de jeans. É uma frase que costuma ser ouvida principalmente de franceses que temem o que chamam de infiltração estrangeira em seu próprio país.

Na cozinha do teatro, as nacionalidades não têm nenhuma importância. Aqui, o francês cozinha com um afegão e a americana, para pessoas da Somália e da Eritreia. "O Estado diz que não é seu dever alimentar pessoas nos acampamentos improvisados", conta Philippe. "Também não é nosso dever, mas o fazemos mesmo assim." Ele, então, coloca a comida em grandes recipientes de plástico. O grupo se apronta para ir para o acampamento.

Philippe coordena o preparo das refeiçõesFoto: Sarah Schröer López

Com olhar atento, Philippe observa enquanto os voluntários colocam as mesas de plástico em frente à entrada do acampamento. Atrás deles, os carros passam rapidamente pela avenida Porte d'Aubervilliers. O local é barulhento e cheira a escapamento. Os primeiros refugiados já estão formando uma fila. Alguns apertam suas bolsas como se tivessem medo de deixá-las em suas barracas.

Mesmo com a luz esparsa dos postes de luz, é possível notar a extensão da miséria dentro do acampamento. As barracas são erguidas provisoriamente. À distância, uma fogueira queima. Em alguns locais, mal se pode ver o chão de terra batida, coberto pelo lixo.

Após examinar o local uma última vez, Philippe acena para o homem na fila, que se aproxima da mesa. Inicia-se um ritmo que vai durar pelas próximas duas horas: tigela, curry, bolo, talheres, guardanapos e um sorriso. Obrigado. De nada. Próximo.

Carrie distribui garfos. "Estou contente de estar aqui e ajudar", diz, confirmando que vai voltar na próxima semana. Os voluntários possuem trabalhos regulares, mas ainda encontram tempo para ajudar os refugiados.

Na fila, a maioria é de homens. Sliman ouve suas histórias. São relatos impactantes. "Por mim, tudo bem", afirma, "contanto que eu não veja as crianças". Ele sabe que elas também vivem no acampamento. "Há ratos que parecem ser maiores do que os bebês."

Às 22h, os voluntários guardam suas coisas. Todas as porções foram distribuídas. Os refugiados retornam para suas barracas, os voluntários entram em seus carros e vão para suas casas. Enquanto isso, as temperaturas estão pouco acima de zero. O frio e a chegada do inverno trazem novos problemas, especialmente à noite.

A espera na clínica médica

Na manhã seguinte, em uma área verde a poucas centenas de metros do acampamento de Porte d'Aubervilliers, está a unidade móvel da ONG Médicos sem Fronteiras (MSF), com uma tenda de espera, outra para atendimentos e um trailer para exames mais complexos. A cada poucos minutos, um carro de polícia ou ambulância com as luzes e sirenes ligadas atravessa o pequeno parque. Ninguém levanta a cabeça para olhar, os ruídos fazem parte do cenário.

Unidade móvel da Médicos sem Fronteiras em Porte d'AubervilliersFoto: Sarah Schröer López

O jovem Loris, com uma prancheta nas mãos, anota os dados de um refugiado da Somália. Nome, idade, país de origem, queixas. O francês lhe entrega um papel e o encaminha para a tenda de espera. O olhar do somaliano mostra desânimo. Quase dez pessoas já aguardam nos bancos. Mais espera, assim como são os dias inteiros no acampamento.

A maioria aguarda pacientemente. De repente, aparece um homem carregando várias sacolas plásticas abarrotadas. Ele olha em volta por um momento e depois tenta entrar sorrateiramente na tenda de atendimento. As pessoas que aguardam protestam, diferentes idiomas com a mesma mensagem. "Acontece toda semana", diz Loris. "Às vezes o tempo de espera é longo demais e as pessoas se tornam agressivas." Ele leva o homem pelo braço e o dirige para a área de espera.

Todas as quintas-feiras, os refugiados podem ir à clínica móvel. Aqueles que não podem ser tratados no local são encaminhados para médicos voluntários em hospitais nas redondezas. Na maioria dos casos, os refugiados apresentam irritações de pele e outras doenças infecciosas relacionadas com o clima.

Próximo à tenda de tratamento está o trailer aquecido. Pierre Marie aguarda pelos pacientes. O médico aposentado começou a ajudar na clínica móvel há dois anos e meio. Mesmo após horas no local, ele ainda demonstra paciência e sorri bastante. O trabalho gera estresse emocional. "Não é fácil tratar os refugiados. Às vezes eles têm apenas 23 anos e possuem ferimentos graves de guerra ou da fuga", diz o médico.

As condições ruins de higiene nos acampamentos fazem do trabalho dos médicos uma tarefa árdua. "Atendemos os refugiados aqui e depois eles voltam para suas barracas frias. É muito difícil para nós aceitar isso", afirma Frédéric Bertrand, organizador da clínica móvel da MSF.

Muitos pacientes saem dali com meias e roupas de baixo novas e pequenos tubos de shampoo e pasta de dente. "Todos deveriam ter acesso a cuidados de saúde e um teto, especialmente em um país como a França", diz Bertrand.

Às 16h, o último paciente é atendido. Os médicos e voluntários arrumam suas coisas. Quando estão quase prontos, um jovem aparece mancando. Ele aponta para o próprio pé e pede para entrar. "Hoje não dá mais. Volte na próxima semana ou procure um hospital, por favor", diz Loris com expressão de pena em seu rosto. Mas, não há exceções, ele tem de ser firme. O jovem abaixa sua cabeça e volta mancando para o acampamento.

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