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Os riscos do Cytotec para indução do parto

Renate Krieger | Leila Endruweit
14 de fevereiro de 2020

Medicamento para terapia de úlceras gastrointestinais é usado por metade dos hospitais alemães para induzir partos, mas pode causar severas complicações. Ele é proibido no Brasil por causa de propriedades abortivas.

Imagem mostra gestante e mão de senhora mais velha sobre a barriga
Foto: Imago/PhotoAlto/A. Bost

A imprensa alemã alertou esta semana contra o uso do Cytotec, ou misoprostol, como medicamento para induzir o parto porque o remédio pode levar a severas complicações para mães e filhos, incluindo a morte de bebês, como já aconteceu na Alemanha e na França.

Em casos raros, houve morte materna após a ruptura do colo do útero depois que o medicamento, de uso proibido no Brasil desde 1998 por causa de suas propriedades abortivas, foi administrado. Em outros casos, bebês nasceram com lesões cerebrais por causa da falta de oxigênio durante o parto.

Os perigosos efeitos colaterais foram elencados numa série de reportagens do diário Süddeutsche Zeitung e da emissora Bayerischer Rundfunk. As informações divulgadas pelos dois veículos têm como base avaliações, estudos de caso, denúncias e sentenças judiciais no país.

Porque se usa o Cytotec na Alemanha?

Segundo pesquisa realizada pela Universidade de Lübeck, metade das clínicas na Alemanha utiliza o Cytotec para induzir o parto quando este estiver atrasado. Mesmo sendo licenciado somente para terapias de doenças gastrointestinais, como úlcera gástrica, médicos também podem dar o medicamento no âmbito do chamado off-label use, usando a pílula para estimular contrações, se considerarem o tratamento adequado e se a gestante concordar.

O misoprostol, princípio ativo do Cytotec, também faz parte da lista de medicamentos essenciais necessários num sistema de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS). O órgão diz que a pílula pode ser usada durante a gravidez, o parto e tratamentos pós-parto (estancamento de hemorragias, além de tratamentos de aborto incompleto, por exemplo), mas dá orientações também para o uso em abortos farmacológicos, como alternativas a abortos cirúrgicos, e define doses para cada tipo de aplicação.

Em reação às reportagens, médicos na Alemanha se manifestaram a favor do uso do Cytotec. Segundo comunicado de imprensa do professor Franz Kainer, chefe de uma maternidade em Nürnberg e presidente da Sociedade Alemã de Medicina Perinatal desde 2018, o medicamento seria especialmente adequado para a indução do parto por ser o único que pode ser administrado via oral. Além disso, em comparação com outros métodos para indução, o Cytotec reduziria a taxa de cesáreas.

Outro argumento a favor do medicamento é o custo, de apenas alguns centavos de euro por pílula – uma caixa com 50 unidades custa 30 euros (cerca de R$ 140). Alternativas, escreve o Süddeutsche Zeitung, chegam a custar mais de 1.000 euros.

A Sociedade Alemã de Ginecologia e Obstetrícia (DGGG) confirmou que os riscos do uso alternativo são conhecidos, mas argumentou com as orientações da OMS a respeito das propriedades abortivas do medicamento. 

Uso polêmico

Na quinta-feira (13/02), também em reação às matérias, a sede berlinense da fabricante americana Pfizer divulgou comunicado dizendo que o Cytotec não é licenciado para indução de parto na Alemanha. "Desde 2006, o medicamento não é mais comercializado pela Pfizer na Alemanha, a licença foi devolvida [por ter sido excessivamente utilizada fora do uso originalmente previsto]. O composto circula no país por meio de empresas de importação, permitida pela legislação vigente", explica o texto.

A Pfizer ainda diz que, de maneira explícita, "não apoia ou propaga a aplicação de medicamentos fora do âmbito da licença (off-label use)". À imprensa alemã, a fabricante respondeu que não existem estudos amplos o suficiente para justificar o uso do Cytotec na indução do parto.

Num prospecto contendo informações de prescrição para os Estados Unidos, datado de 2007, a empresa também alerta contra o uso do Cytotec em gestantes porque ele pode causar abortos, partos prematuros ou lesões. "Rupturas uterinas foram relatadas após a administração do Cytotec em gestantes para induzir o parto ou para induzir o aborto após a 8ª semana de gestação", diz o texto. 

Alertas contra o Cytotec no mundo

A Administração de Drogas e Alimentos dos Estados Unidos (FDA) e a Agência Nacional de Segurança de Medicamentos e de Produtos de Saúde (ANSM) da França também alertam contra o Cytotec por causa dos fortes efeitos colaterais. Nos Estados Unidos, a FDA é contra o uso porque houve mortes após a administração. Os médicos precisam de uma licença especial para administrar o remédio.

Na Alemanha, em outubro de 2019, o Instituto Federal para Medicamentos e Produtos de Saúde (BfArM) tinha 74 registros de denúncias com suspeitas de efeitos colaterais indesejados ligados à aplicação de Cytotec na indução do parto. Entre os casos, um de morte de um recém-nascido cuja mãe recebeu Cytotec em conjunto com outro composto, o Misodel.

Por outro lado, o órgão não emitiu nenhum alerta contra o uso do medicamento – segundo a imprensa alemã, por não conhecer a amplitude dos problemas.

No Brasil, a comercialização do Cytotec é proibida por ele ter sido amplamente utilizado nos anos 1980 e 1990 como método abortivo. Desde 1998, o misoprostol passou a fazer parte da lista de substâncias controladas no país, só podendo ser legalmente encontrado em hospitais, e não em farmácias.

Em 2019, a Defensoria Pública da União (DPU) recomendou que a Anvisa volte a permitir que o medicamento seja vendido com prescrição médica e retenção da receita em farmácias para uso em que o aborto é legalmente permitido no Brasil. A DPU defende que restringir o uso do misoprostol ao ambiente hospitalar viola o direito das mulheres que querem interromper legalmente a gestação.

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