Até o século 20, espetáculos etnológicos promovidos por nações colonizadoras exibiam pessoas como objetos exóticos. Exposições em Bruxelas e Berlim jogam luz sobre esse capítulo sombrio da história colonial.
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Em um amplo parque no subúrbio de Tervuren, em Bruxelas, 267 mulheres e homens da colônia belga do Congo eram exibidos como em um jardim zoológico.
Trazidos para a Bélgica a mando do rei Leopoldo 2º, eles foram abrigados em cabanas com telhados de palha em uma falsa "aldeia do Congo", para serem admirados pelo público europeu. Até 40 mil pessoas por dia iam observá-los durante a Feira Mundial de 1897.
Até o final do evento, sete congoleses morreram. Em sua homenagem, o AfricaMuseum de Tervuren – projetado como um museu colonial no final do século 19 e, desde então, reformado e renomeado diversas vezes – realizará até o dia 5 de março uma exposição especial: "Zoológicos humanos: a era das exposições coloniais".
"Superioridade europeia"
Na Conferência de Berlim de 1884-1885, também conhecida como Conferência da África Ocidental ou Conferência do Congo, o continente africano foi dividido entre 14 nações europeias. O rei belga Leopoldo 2º recebeu uma área 80 vezes maior do que o território de seu país para ser sua colônia particular: o Congo.
Seu museu de nome "Palácio Africano" em Tervuren, complementado pelas exposições com atracões vivas, não deixava dúvidas sobre a alegação europeia de uma suposta superioridade. Uma placa de bronze debaixo de uma imagem de Leopoldo 2º com duas crianças negras trazia a seguinte frase: "A Bélgica leva a civilização ao Congo."
Na realidade, porém, os belgas exploraram impiedosamente os recursos do país africano, com os nativos abusados na condição de trabalhadores ou trazidos para a Europa para serem expostos como animais.
Passatempo popular
O zoológico humano atraía multidões, conta o historiador e antropólogo Marteen Couttenier, um dos três curadores da exposição em Bruxelas.
Os congoleses eram apresentados, literalmente, como homens das cavernas, que dançavam com saias de ráfia, cheios de instintos primitivos. Eles jamais eram exibidos como intelectuais, artistas ou simplesmente como pessoas normais.
Isso tampouco era um fenômeno regional, afirma Couttenier. Pessoas de diferentes raças eram expostas e exibidas em toda a parte, na Europa, América, Japão e até na África. O mecanismo, porém, era sempre o mesmo. Os visitantes iam observar algo completamente estranho a eles, de modo a se sentirem "superiores".
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Pseudociência de tipos raciais
Durante o auge do colonialismo europeu, exposições de africanos, "pele-vermelhas", ou lapões escandinavos, chamadas de "zoológicos humanos", viajavam por várias cidades como atracão popular. As pessoas exibidas eram classificadas usando-se um tipo rudimentar de antropologia "científica".
Um diagrama de 1903 de "tipos raciais" mostrava como as fantasias racistas de superioridade rebaixavam os não europeus ao nível dos primatas. Os poderes coloniais estavam realmente convencidos de sua "superioridade civilizada".
Na Alemanha, Carl Hagenbeck, comerciante de animais em Hamburgo e fundador de um zoológico, transformou a exposição de humanos em um modelo de negócios. Na Oktoberfest de Munique, a exposição "Selvagens dos mares do sul", apresentada pelo showman Friedrich Wilhelm Siebold, durou até 1931.
Exposição em Berlim sobre "zoos humanos"
A primeira exposição colonial realizada na Alemanha foi em 1896. Como parte de uma feira comercial em Berlim, os organizadores ergueram uma aldeia em um parque no bairro de Treptow.
Atraídos por promessas falsas, mais de 106 africanos das colônias alemãs foram levados para Berlim, onde foram forçados a se apresentarem para o público durante sete meses como aldeões em trajes exóticos. Eles eram constantemente submetidas a humilhações públicas e "exames raciais".
A exposição permanente Zurückgeschaut ("Olhar para trás") no Museu Treptow, reaberta em outubro de 2021, joga luz sobre esse capítulo sombrio e rastreia as biografias de pessoas que eram reduzidas a objetos.
O evento também mostra como os colonizadores inesperadamente encontravam resistência quando as atracões das exposições saíam do papel a eles designado. Por exemplo, quando o camaronês Kwelle Ndumbe comprou um par de binóculos de ópera para observar o público.
Dez fatos sobre a Alemanha colonialista
Os dolorosos legados do passado colonial alemão.
Foto: Jürgen Bätz/dpa/picture alliance
"Nosso futuro está na água"
Sob o chanceler Otto von Bismarck, o Império Alemão estabeleceu colônias nos atuais territórios da Namíbia, Camarões, Togo, partes da Tanzânia e do Quênia. O imperador Guilherme 2°, coroado em 1888, procurou expandir ainda mais as possessões coloniais através da criação de novas frotas de navios. O império queria seu "lugar ao Sol", declarou Bernhard von Bülow, um chanceler posterior, em 1897.
Foto: picture alliance/dpa/K-D.Gabbert
Colônias alemãs
Foram adquiridos territórios no Pacífico (Nova Guiné do Norte, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Ilhas Salomão, Samoa) e na China (Qingdao). Em 1890, uma conferência em Bruxelas determinou que o Império Alemão obtivesse os reinos de Ruanda e Burundi, unindo-os à África Oriental Alemã. Até o final do século 19, as conquistas coloniais da Alemanha estavam praticamente concluídas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdade
Nas colônias, a população branca formava uma minoria pequena e altamente privilegiada – raramente mais de 1% da população. Em 1914, por volta de 25 mil alemães moravam nas colônias. Desses, pouco menos da metade vivia no Sudeste Africano Alemão. Os 13 milhões de nativos nas colônias germânicas eram vistos como subordinados, sem acesso a nenhum recurso da lei.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século 20
O genocídio praticado contra os hereros e os namas no Sudeste Africano Alemão, hoje Namíbia, foi o crime mais grave da história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes hereros fugiu para o deserto, com as tropas alemãs bloqueando sistematicamente seu acesso à água. Estima-se que mais de 60 mil hereros morreram na ocasião.
Foto: public domain
Crime alemão
Somente 16 mil hereros sobreviveram à campanha de extermínio. Eles foram aprisionados em campos de concentração, onde muitos morreram. O número exato de vítimas nunca foi constatado e continua a ser um ponto de controvérsia. Quanto tempo esses hereros debilitados sobreviveram no deserto? De qualquer forma, eles perderam todos os seus bens, seu estilo de vida e suas perspectivas futuras.
Foto: public domain
Guerra colonial de longo alcance
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos se rebelou contra o domínio colonialista na África Oriental Alemã. Por volta de 100 mil locais morreram na revolta de Maji-Maji. Embora tenha sido, posteriormente, um tema pouco discutido na Alemanha, este capítulo permanece importante na história da Tanzânia.
Foto: Downluke
Reformas em 1907
Na sequência das guerras coloniais, a administração nos territórios alemães foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida ali. Bernhard Dernburg, um empresário bem-sucedido (na foto sendo carregado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado para Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas do Império Alemão para seus protetorados.
Foto: picture alliance/akg-images
Ciência e as colônias
Junto às reformas de Dernburg, foram estabelecidas instituições técnicas e científicas para lidar com questões coloniais, criando-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África para investigar a transmissão da doença do sono. Na foto, veem-se espécimes microscópicas colhidas ali.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Colônias perdidas
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, em 1919, a Alemanha assinou o tratado de paz em Versalhes, especificando que o país renunciaria à soberania sobre suas colônias. Cartazes como o da foto ilustram o medo dos alemães de perder seu poder econômico, como também o temor da pobreza e miséria no país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições do Terceiro Reich
Aspirações coloniais ressurgiram sob Hitler – e não somente aquelas definidas no Plano Geral de Metas para o Leste, que delineou a colonização da Europa Central e Oriental através do genocídio e limpeza étnica. Os nazistas também almejavam recuperar as colônias perdidas na África, como evidencia este mapa escolar de 1938. Elas deveriam fornecer matérias-primas para a Alemanha.