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Pé na praia: A consciência do fabricante de flechas

Thomas Fischermann
22 de fevereiro de 2017

O dilema de um velho fabricante de flechas na Floresta Amazônica, que se questiona se também não seria culpado pela miséria dos povos indígenas ainda isolados que ela ajuda a contatar.

DW Brasilianisch Kolumne - Autor Thomas Fischermann
Foto: Dario de Dominicis

Encontrei-me de novo com o fabricante de flechas. O povo indígena ao sul da região amazônica, onde sempre tenho ficado hospedado para um projeto de pesquisa de longo prazo, tem um tipo que poderíamos chamar de "mestre de cultura”. Kiki é o nome deste senhor, mais velho, que ainda sabe de cor as lendas velhas de seu povo, fala a língua tradicional com perfeição, entende das nuances da medicina natural e de artesanato. Também fabrica as flechas mais rápidas nesta parte da Floresta Amazônica, de bambu, penas de araras e madeira de lei – e curare, um veneno mortal que coloca com precisão em suas pontas.

Kiki me contou que o governo Brasília pediu que ele os ajudasse. Em outra área da floresta pesquisadores e o órgão de proteção aos indígenas Funai suspeitaram da existência de nativos que ainda andavam nus e reagiam a estranhos com agressividade. Kiki deveria ajudar os pesquisadores a estabelecer um primeiro contato. Porque o mestre de cultura ainda conhecia tantas coisas sobre povos antigos, e o governo achava que a língua dos indígenas recém-descobertos fosse semelhante à dele.

Kiki se sentiu dividido. Certa vez, há quase 40 anos, o governo lhe havia pedido ajuda. Tratava-se de outro povo. Levaram-no em um pequeno avião e o mandaram para a floresta. "Quem são vocês?", gritavam os recém-descobertos. "Sou do povo dos Kagwahiva", gritou Kiki em resposta. "Ah, então é família", responderam os outros. Esta deve ter sido provavelmente uma versão muito resumida da conversa na floresta, mas foi assim que me contou. Nos dias seguintes, as pessoas do governo trouxeram vasilhas e roupas para os encontros. Kiki explicou que governos fazem este tipo de coisa: trazer às pessoas coisas bonitas como vasilhas e roupas.

Recentemente Kiki descobriu que, hoje em dia, seus parentes distantes estão devastados por invasores: garimpeiros, madeireiros, ladrões de peixes, especuladores imobiliários. Fortemente armados e violentos. Kiki se pergunta, se ele também não é culpado pela miséria deste povo que ajudou a contatar. Ficou atormentado. Qual deveria ser a decisão correta, agora que o governo quer que ele fale mais uma vez com um povo de suas origens?

Por fim, descobri que ele foi de novo ajudar. "Também me preocupo com os pesquisadores", disse Kiki. "As pessoas que vivem nas florestas poderiam se sentir atacadas por eles. Elas são muito belicosas, pois tenho certeza que já foram atacadas por brancos com armas muitas vezes."

 

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