Pé na praia: Ataque tóxico
29 de junho de 2016Nas viagens pelo Brasil, tudo pode ser diferente do que parece para o olhar ingênuo de um "gringo" da Alemanha. Há pouco fui visitar Silvana Mota para uma reportagem no jornal alemão para que trabalho. Camponesa de 32 anos, mulher forte e corpulenta, que me recebeu em seu idílio. Uma casa de madeira à sombra de árvores frutíferas, floresta e campos verdejantes. Lá, galinhas e cachorros correm soltos, cheira a bosta de vaca, plantas florescendo e ar saudável. "Você vive num lugar maravilhoso", eu disse ao cumprimentá-la. Essa foi uma das primeiras regras que aprendi no Brasil: deve-se sempre elogiar as pessoas da casa, faz parte da boa educação. "Nossa vida aqui é um inferno", respondeu Silvana.
A pequena propriedade rural na qual vive a família de Silvana fica próxima a Nova Guarita. Trata-se de um ajuntamento localizado no coração da produção brasileira de agronegócio, no estado de Mato Grosso. Os pequenos produtores não são bem-vindos por lá. A economia do estado baseia-se em produção de grande escala de soja, milho, arroz, feijão e carne bovina – massiva, com utilização de máquinas agrárias robotizadas e produtos químicos, para exportação para a China, para os EUA. Sim, e também para a Alemanha. Grandes negócios que fazem milionários.
A labuta diária da camponesa Silvana é para os grandes produtores locais como um cisco no olho: colhe frutas, planta legumes, mandioca, cria vacas para ordenhar leite. Então vende os produtos na escola local e posto de saúde mais próximo. O pequeno ajuntamento de camponeses é bem recente, fica em uma "terra da União". Lá, em 2005, o governo federal assentou 12 minifúndios e deu as chaves para trabalhadores rurais empobrecidos. Isto é parte de um programa social.
O problema é: a terra já tinha sido ocupada – neste caso por um grande produtor da vizinhança, um fazendeiro, que cercou toda a terra. Ilegalmente, como consta nos documentos. Não sem surpresa, descobri que esse tipo de ocupação de terra (grilagem) acontece com frequência no Brasil. Os tribunais funcionam morosamente, e os políticos têm mais o que fazer. Um grileiro tem apenas que ser atrevido e resistir por um longo tempo. Assim, um dia se tornará proprietário de muita terra. Neste sentido grande parte de Mato Grosso é uma região sem lei e direito.
Durante a visita à Silvana, descobri até onde isso pode chegar. “Antigamente minha casa ficava aqui ao lado”, diz a mulher, ao andarmos por um campo coberto de verde. Os vestígios da destruição já estão quase totalmente cobertos pelo mato: restos de queimadas, pedras. Numa noite, simplesmente assim, sua família foi afastada por pistoleiros, ela conta. Tudo que possuía ficou em chamas. Então se deu o ataque tóxico: um dia o fazendeiro vizinho jogou toneladas de um defensor agrícola sobre os pequenos produtores, que sofreram de problemas de pele e de falta de ar. Depois disso não cresceu mais nada em suas plantações por seis meses. Além disso, as cercas foram destruídas. O gado saiu pisoteando os canteiros de legumes. Os postes de eletricidade foram serrados. Os cavalos desapareceram. Pelo menos é assim que ela conta. "Demos queixa 380 vezes”, diz Silvana com a mão em uma pilha enorme de documentos.
Deixamos Nova Guarita e, após 20 minutos, nosso veículo utilitário alcança a estrada de asfalto. Estamos de volta ao mundo dos grandes agronegócios. Mas, após esta experiência, vemos tudo com outros olhos. Vemos cartazes com anúncios para defensores agrícolas Dow, passamos por um centro de pesquisas da Monsanto e um centro de vendas de produtos químicos Bayer. No horizonte, uma máquina agrícola robotizada espalha uma nuvem de fumaça. De seus braços de metal, respinga veneno.
Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Na coluna Pé na praia, publicada às quartas-feira na DW Brasil, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens pelo Brasil. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.