Pé na praia: Curva de aprendizado
18 de maio de 2016Sou um aprendiz de brasileiro. Cheguei à Zona Sul do Rio de Janeiro em meados de 2013, um ano antes da Copa do Mundo: um homenzarrão pálido com sobrancelhas carrancudas e uma dureza preocupante nos quadris. Além dos chinelos "Made on Mars". Comecei escrevendo como correspondente para o semanário alemão Die Zeit e nunca mais parei. Quem quer ir embora do Rio de Janeiro?
Transformar um gringo em um de vocês, caros brasileiros, é uma tarefa dura. Sentir-se em casa na nova cidade é a parte fácil, até os turistas conseguem, tudo vem rápido demais. O bar predileto (Armazém do Thiago, em Santa Teresa!), a praia mais gostosa (Joatinga!), o time de futebol do coração (Madureira!). A verdadeira maestria é mover-se pelo cotidiano brasileiro. E aí, para um alemão em Copacabana, a curva de aprendizado fica particularmente íngreme.
Tenho disposição para aprender. Acredito, por exemplo, já ter aprendido a esperar. Outro dia havia marcado um compromisso e já estava na quarta xícara de café quando a atrasada finalmente apareceu. Olhei para ela sério. Para puni-la pelo atraso, economizei meu abraço. Beijei-a na bochecha sem o entusiasmo usual.
"Quem traz um livro consigo não se entedia com a espera", retrucou ela, e, naturalmente, tinha razão. Agora sempre levo um livro. E ainda mais importante: percebo, dia após dia, espera após espera, como eu me transformo em um mestre Zen de chinelos.
Algumas vezes já me pego até sorrindo na fila. Percebo como o rio da vida congela e o cosmos para. Pessoas gentis se juntam, uma atrás da outra, aprisionadas no tempo. Certamente, elas estão com tanta pressa quanto eu, mas sorriem umas para as outras e deixam os idosos passarem na frente, sem reclamar. O segredo da paz está numa fila brasileira.
Se fosse na Alemanha, as pessoas na fila teriam se dilacerado por completo. Os gerentes das lojas teriam sido substituídos. Todas as pessoas teriam vivido um dia mais rápido, mais eficiente, mais amargo. Duvido que elas sejam mais felizes.
Percebo que minhas lições vão ficando cada vez mais difíceis. Tem uma coisa que ainda não consigo: reclamar. Quer dizer, claro que eu sei reclamar, afinal, sou alemão. "Com licença, esse salgadinho não está bom, ele cheira mal e deve estar fazendo aniversário, quero outro", disse ontem numa lanchonete aqui na rua. Fui claro e preciso. O homem atrás do balcão me olhou desconsolado. Meu vizinho de balcão me chamou no canto. Não dá para fazer isso aqui no Brasil. Tive que aprender a reclamar do jeito certo.
"Oi, amigão", o homem chamou o vendedor. "Dá para vir aqui um pouquinho? Tudo bem? O meu amigo aqui tem um gosto sofisticado para salgadinhos! Quer comê-los macios, frescos, de preferência ainda quentes, o cara tem mesmo uma alma gourmet, onde já se viu? Agora, amigão, faça esse grande favor, veja se consegue para ele algo especial. Leve esse folhado daqui e traga as lulas fritas."
Thomas Fischermann é correspondente do jornal alemão Die Zeit na América do Sul. Na coluna Pé na praia, publicada às quartas-feira na DW Brasil, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens pelo Brasil. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.