Pé na praia: Entre bilionários
22 de dezembro de 2016O jornal para o qual escrevo sobre o Brasil publica de vez em quando um especial sobre golfe. Para eles, não importa se você é especializado em jornalismo político, econômico ou social: de tempos em tempos, é obrigado a escrever sobre gramados, bolas e tacos. Assim fui parar nos clubes de golfe do Rio de Janeiro e tenho que admitir: que mundo interessante! Cheguei a me oferecer como voluntário, e hoje sou o autor de três artigos sobre golfe.
Na Europa e nos EUA, o golfe é um esporte popular, apesar de monótono. Mas, no Rio, é um evento exclusivo para o 1% mais rico de seus habitantes. Só há dois clubes que podem ser levados a sério – Gávea e Itanhangá – e cada um deles tem menos de 500 sócios. "Aqui na sede do clube se encontram as pessoas responsáveis por um terço do PIB brasileiro", sussurraram em meu ouvido na primeira visita à Gávea, meio que me incentivando a virar sócio.
Fui apresentado a uma princesa, usando uma camisa pólo na cor rosa-princesa. Era uma descendente de longe do imperador Dom Pedro. Apostamos corrida com nossos carrinhos de golfe pelas colinas pitorescas e, depois, nos desculpamos diante dos demais sócios, incomodados pelo barulho. Recebi ofertas de vinhos tintos selecionados e a "sobremesa para desportistas" à la Itanhangá: crepe com Nutella.
Em seguida, uma viúva próspera me convidou para um expresso forte. Explicou quem realmente faz parte do círculo social dos clubes e quem não faz. "Recomendações da sociedade, um comportamento impecável e altos padrões morais em questões financeiras" seriam os critérios. Quis saber por que, então, tantos industriais e executivos são sócios. Não estão todos envolvidos em escândalos de corrupção? "Haha, não diria que você não tem razão", respondeu a velha dama, e riu com malícia.
Algumas das mil pessoas mais ricas do Rio fazem parte de uma espécie de grupo de trabalho social com carrinho e taco. Elas distribuem nas escolas equipamentos para iniciantes: kits de plástico, que não fazem muito sentido, já que a maioria das crianças nunca vai ter acesso aos campos de golfe. Em um município da periferia do Rio, Japeri, mecenas do golfe instalaram um percurso para crianças de origem muito pobre. Nele, futuros jogadores de golfe jogam entre si. "Golfe como meio de integração social", diz uma placa na sede do clube. Sinceramente, posso imaginar programas sociais melhores.
Mas eu não estava com a menor vontade de escrever um artigo sobre a luta de classes para a revista ZEIT Golf. Para mim, esse só se tornou um tema relevante mais tarde, à noite, quando observava o "pós-golfe". Saí com uma herdeira rica – designer de moda, socialite, modelo ocasional e celebridade de TV. Sentados diante de muitos cocktails premiados em um bar de Ipanema, pedimos carambola com vodca e gengibre, chili, tamarindo, tequila e pimenta e muito mais. Sob a mesa, eu mandava mensagens de texto para o meu editor dizendo que a conta do bar iria ultrapassar o orçamento do mês. Golfe? Minha entrevistada não achava a menor graça. Simplesmente "faz parte" ser sócio de um clube de golfe. "Gosto da piscina", disse, "e gosto do restaurante. Para mim, a Gávea é o melhor country-club da cidade".
Assim não conversamos nada sobre golfe, mas sobre a vida. Falamos de restaurantes caros, balneários idílicos, helicópteros, vilas, trips por cidades de todo o mundo. Só no final me atrevi a perguntar qual era a opinião da herdeira sobre o recém inaugurado campo de golfe olímpico, que fica entre o Recreio e a Barra da Tijuca. Mas talvez tenha sido uma pergunta estúpida.
"A Barra é uma outra cidade", recebi como resposta. Há uma "distância cultural". Entendi. Barra e Recreio são o Eldorado da classe média emergente, ou seja, não é para os ricos dos clubes de golfe. "Gosto de poder alcançar todos os lugares de bicicleta", esclareceu minha entrevistada. Ela vivia, como os de seu meio, nos bairros nobres da zona sul, em Ipanema e no Leblon. Lá se está sempre perto da praia, dá para correr e jogar vôlei. Uma vida próxima da natureza, conforme o seu ideal. E aí a herdeira levantou-se e se foi: tinha um outro compromisso, uma festa nas redondezas esperava por ela.
Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna Pé na Praia, faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos – no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.